2012/05/31

GATO

Na lua nova
Um gato preto
Se alimenta
Na via-láctea

CIGARRO

Pela manhã acendi meu cigarro
Que doce a sensação de liberdade
Ninguém à minha volta
Expirei a fumaça
Doce e azul
E meu dia começou feliz

2012/05/25

PONTE


Não atravesso essa ponte
Pois já vi aqui dessa margem
Que a paisagem lá é igual a daqui

CARINHO DEMAIS


Quando ele saiu da sala
Ela cheirou tão desesperadamente o casaco dele
Que acabou com dois botões dentro do nariz

2012/05/23

MOCINHA ROMÂNICA

Naquele momento
O chão estremeceu
Ela imaginou o clímax
Mas era mesmo um terremoto

CAFÉ


Na mesa preta
Sob um céu azul
Numa xícara branca
Meu fumegante café
Lá fora o dia ficava em stand-by

GERAÇÕES E FOTOGRAFIAS


Só porque são jovens
Saem bem nas fotos
Fazendo caras & bocas
Mas eu sou velho
Fico bem assim sóbrio
De copo e cigarro na mão

ULISSES

Ele não morreu
Não partiu
Não sumiu
Somente recolheu-se para ler Ulisses
Talvez apareça por aqui um dia...

2012/05/22

A FACA

A faca
O sangue
E o pão
          No chão

RONCAS

Roncas
Acordo contrariado
Belisco teu bico
Acordas assustada
Reclamas
Viro para o lado e
Durmo em paz
Enquanto passas
O resto da noite
Em vigília

2012/05/21

CHEGOU TARDE



Ele chegou tarde, bêbado, um beijo no colarinho, caiu duro na cama e dormiu. Ela o lavou, barbeou, cortou-lhe as unhas e o sexo.

- Nunca mais ele fará isso de novo...

Fez as malas e voltou para o Norte.

FINGIDA


Fingia
Os orgasmos
Que tinha lido Os Irmãos Karamazov
Que cozinhava
Mas nunca
Nunca
Fingiu que não te traía
Tu sim fingias
Que não via nada disso

2012/05/16

TRISTE, MUITO TRISTE MESMO


A história mais triste que já me contaram é assim, domingo, fim de tarde, o pai chama a filha pequena e diz à ela;

- Vamos filhinha passear na Biquinha para ver as crianças comerem pipoca e algodão doce!

Feliz da vida ela vai de mãos dadas com ele.

2012/05/14

O AUTOR É ANTES DE TUDO UM COVARDE, QUANDO TEM VONTADE DE SUICIDAR-SE, MATA UM PERSONAGEM.

O ÚLTIMO CIGARRO



Esperou na cozinha algum tempo.
O cigarro entre os dedos, a isqueiro na outra mão, as janelas estavam fechadas, a música alta, o gato na rua e telefone fora do gancho.
Dado o tempo certo, pôs o cigarro na boca, acendeu a chama do isqueiro e tudo acabou-se numa bola de fogo...

GOTA A GOTA



Gota a gota
Contadas com cuidado
Gota a gota
A cor da água mudando no copo
Deixando de ser branca...
Gota a gota
Metodicamente as pingava
Gota a gota
                                         - Mas que paciência! – espantava-se com tanta calma
(e sua mão não tremia)
Gota a gota
A água já se mostrava menos clara e límpida
(turvava-se)
Gota a gota
                                         - E diziam que um dia eu pularia da janela.
(ria com isso)
Gota a gota preparou seu veneno
Bebeu
Deitou-se à cama...

CASAMENTO

Aliança no dedo, grãos de arroz presos nos cabelos, a gravata sendo vendida aos pedaços, a noiva chorando de felicidade e ele, de copo na mão resmungava:

- Devia ter dito não, devia ter dito não...

Mas começava a tocar a valsa...

2012/05/11

A ESTANTE DE MINHA MÃE


e na sala, sobre a estante as fotos chamavam a atenção. Lá estava eu vinte anos mais jovem, meu pai, na foto de seu casamento e a sua última, aquela que estava em seu túmulo, havia também as fotos de meus irmãos, pequenos, crescidos, casando, casados, com seus filhos recém-nascidos, adolescentes e alguns casando, lá também estava a minha filha quando pequena, fotografada fazendo beicinho e sorrindo com a inocência das crianças dessa idade.

Via esses retratos enquanto levava a minha neta para que, no colo de minha mãe, fosse também fotografada, seguindo a tradição de ser imortalizada naquela estante da sala.

Enquanto a velha segurava a sua bisneta, eu disfarçadamente contabilizava a minha vida através da sua coleção.

Lá entre tantas imagens estava eu, magro, sem barba (que hoje está branca), com orelhas de abano; meu irmão ainda com cabelos pretos, ri de mim pra mim, pensando que lá estava eu aumentando a coleção/patrimônio da velha, ela que era, e só agora percebia a guardiã pictórica da história de minha família.

Gerações, ali expostas naquela estante, à mostra para quem tivesse a curiosidade de vê-las, de perguntar sobre cada indivíduo, saber da história de cada um deles.

Um tesouro revelado!

Quem herdará tudo isso?

Sempre achei que fossemos pobres, senão pobres de “marré-marré”, pelo menos pobres de tirar o sono de gerentes de banco, mas não!, lá estava a nossa fortuna, ali naquela velha estante com um ou dois livros - nunca lidos - e uma antiga bíblia (de enfeite, com letras douradas), ali entre os seus bibelôs de velha, ali sim, bem ali na cara, na entrada da sala, ali, bem ali, está a nossa fortuna, minha família para sempre imortalizada nas fotos que a minha mãe coleciona.

Ao sair de sua casa ao fim da tarde, depois de muito fotografar minha mãe com minha filha e neta, saí satisfeito, feliz da vida comigo mesmo, pois eu havia depositado mais um tostão da poupança pictórica da história da minha linhagem e assim, algum dia, algum descendente, quer meu, quer de meus irmãos, filha, sobrinhos ou neta, irá também se deliciar em ver seus antepassados ali, imortalizados em papel, sorrindo ou chorando suas tristezas e alegrias, casando e morrendo, mas vivendo para sempre nas fotografias que minha mãe coleciona em sua estante.



2012/05/08

Microconto

Ficastes a ver a lua nascer
As estrelas a brilhar
E nem percebestes

- Bateram a tua carteira!

2012/05/04

MEU PEQUENO PONEI FAZ 18 ANOS


Agora tenho dezoito anos

Não sou mais um mocinho

Agora sou um homem

Tenho dezoito anos e cabelos no saco

Já posso ter as chaves de casa

Sem hora prá voltar

Sem dizer onde vou

Ou

Com quem vou

Tenho dezoito anos e

Sou dono do meu nariz

Posso beber

Encher a cara e vomitar em paz

Sem ouvi sermões ou recriminações

Pois sim, sim, sim, eu tenho dezoitos anos

Agora o mundo é meu e é pouco

Chega de ficar assustado achando que

alguém me reconheceu nas ruas

Pois agora saio de casa

e vou prá zona,

prá esbórnia,

pros puteiros de cabeça erguida

Serei o orgulho do papai

E preocupação da mamãe

Tenho dezoito

(Assim já cantava Alice Cooper)

Vou tirar a minha carta

Pagar imposto de renda

Pegar o carro emprestado do papai

Tenho dezoito e virei homem

Deixarei de ouvir Avril Lavigne

Bebendo fanta uva

E, fumando, vou me embebedar de uísque vagabundo escutando Tom Waits

Vou ser o orgulho do papai

E aumentar as preocupações da mamãe

Chega de encher os bolsos com balinhas

Agora é carteira com camisinhas

Vou deixar o papai tonto de orgulho

E mamãe, roendo as unhas, gritando:

- Netos não, netos não!

Agora tenho dezoito e ninguém manda em mim!