2013/10/07

NO ANTIQUÁRIO À HORA DO ALMOÇO


Caminhando sob a chuva
Fina
O velho  Comandante reclama
Queixa-se de aflições
Tantas, ele as enumera
Conta e suspira seus ais
Rezinga e maldiz seus dias finais
(que se arrastam e demoram a chegar ao dia derradeiro)
A barriga grande
Os cabelos já brancos
Os pés chatos
(até mais chatos que ele mesmo, confessa-me)
Ao passar por um velho antiquário
Entra para refugiar-se da pluviosidade
E uma vez lá dentro
Viaja a um passado alheio
Ignoto, que não é seu
Vislumbra móveis e quinquilharias pretéritas
Respira fundo o cheiro de tempos outros
Toca com cuidado religioso as relíquias à venda
Seus olhos rasos de lágrimas
Vasculham preços e datas
E então
Num relâmpago
Como que sob uma iluminação
Quase religiosa
Ele vê
Ele se encanta
Ele é tomado pelos fantasmas do passado
E senta-se a uma vetusta cadeira
Vermelha
E em transe
Fecha os olhos
Entrega-se a uma viagem espiritual
Desce aos infernos do velho antiquário
Imóvel deixa sua alma vaguear pelo éter...
Passando alguns minutos
O velho Caronte o devolve
E impulsionado como por uma mola
Invisível
Ele arrebatado grita:
- Vou comprar.
(paga com cartão – débito)
E tornando à rua ainda
Chuvosa
Ele segue com a encarnada cadeira
Sobre a vetusta cabeça encanecida
E aos passantes ele, de olhos arregalados clama:
- Ela é o meu remédio!
Da porta da loja
Velhos fantasmas lhe acenam adeus...