2011/07/28

OS ACASOS DE UM CASO


- Na sua casa ou na minha?

- Na minha não dá, minha mãe está lá, digo, eu moro com ela, e depois do fim do casamento não fica bem eu levar outro homem para lá...

- Pois é, entendo...

- Por que não na sua casa?

- Você está louca? Minha mulher e filha não são motivos suficientes para você?

- Motel então?

- Com que “roupa”? Estou sem um tostão...

- Como vamos fazer então?

- Juro que não sei... Estou tentando pensar...

- Como “tentando” pensar?

- Ereção...

- Hããããã...?

- Deixa pra lá. Já está passando mesmo – diz acabrunhado.

- Deixa pra lá o quê? Eu?

- Você? Não! Nunca? Você...

- Você o quê? Vamos desembucha... Estou vendo que esse nosso caso não tem futuro! – Faz beicinho e finge chorar.

- Não, não chore, não complique mais essa situação...

- Eu estou complicando “nossa situação”? – Faz que chora ainda mais.

- É que estou sem dinheiro, sem cartão de crédito, sem vale refeição, sem...

- Sem vontade e sem coragem! – completa nervosa.

- Você não entende a minha situação...

- A sua situação, os seus problemas, sempre os “seus” os “seus”, e eu?

- Você está me pressionando...

- Agora eu estou te pressionando! Só falta dizer que essa chuva também é culpa minha... – espirra e chora.

- Pronto! Achei a solução! – dá um tapa na testa e ri.

- Qual foi a sua grande idéia agora?

- Vamos para o hospital, você chega com febre e ficamos no mesmo quarto!

- Que febre? Que febre? Quem está com febre?

- Você. É, ficamos mais um pouco nessa chuva e você pega um resfriado, começa a espirrar, tossir e ficar com começo de pneumonia...

- Acabou! – grita – Chega. Fim. Isso não tem mais futuro, se é que já teve algum. Tanto homem no mundo e fui escolher logo você casado, duro e louco.

- Louco por você.

- Não comece com essa cantada barata, você não vai mais me enrolar, enganar. E pare de me abraçar, sei que isso não é carinho, você quer é se esquentar em mim. – espirra e começa a tossir mais forte ainda.

- Olha lá, olha lá, já está começando a piorar. Logo, logo vem a gripe e depois, com sorte uma pneumonia. Vamos ficar mais um pouco aqui na chuva.

Passa um ônibus e ele a leva ao meio-fio, o coletivo passa em alta velocidade e joga a água da rua nela, pois ele esconde-se atrás dela para não se molhar.

- Viu, agora tenho certeza que você vai piorar bastante.

- Não, não você não é louco, não mesmo. Eu é que devo ser uma insana, uma demente, fico aqui discutindo com você e tomando essa água toda na cabeça quando deveria estar em casa debaixo das cobertas. Pelo menos teria um cobertor para me aquecer... Eu sou uma infeliz mesmo. – chora, espirra, tosse e vira as costas para ir embora.

Ele a segura olha profundamente nos seus olhos verdes (lente de contato comprada em três prestações!) e suplicante diz:

- Espere mais um pouco, veja, olhe, olhe lá – aponta para esquina – veja lá vem outro ônibus...

- Você espera que eu fique aqui para tomar outro banho? Você quer que antes que eu morra de tuberculose pegue uma difteria? Uma febre amarela? Você é completamente louco.

- Louco por você.

- Conquistador barato. Não presta nem para fingir que é um amante latino. – tosse ainda mais forte, espirra tanto que o falso colar de pérolas que ele a presenteou arrebenta e se espalha pela calçada. –Tá contente? Agora acabou de vez. Não tenho mais nada que me prenda a você!

Ele tenta recolher as falsas pérolas, mas nesse momento passa o ônibus que joga água sobre a calçada levando todas as falsas pérolas para o esgoto. Quando se levanta vê que ela está indo embora, corre atrás. Pega-a pelo braço, e sussurra-lhe ao ouvido.

- Mais uma chance, só mais uma chance. Eu compro outro colar para você, mas me dê mais uma chance.

- Chance de quê? De me matar debaixo dessa chuva? Chance de me presentear com outra bijuteria sem valor? Chance de perder meu tempo? – olha para o relógio de pulso, presente do ex-marido – Que vida a minha. – lamuria-se - O relógio não era à prova d’água. Mas não dou sorte mesmo com homem... – começa a chorar, mas é interrompida por uma série de espirros e tosses.

- O que eu posso fazer para provar que você é realmente importante para mim? Diga que eu faço qualquer coisa para provar. Diga – implora miseravelmente.

Tossindo, espirrando ela põe a mão na testa e constata que agora está com febre.

- Me leve a um hospital. Meus parabéns – diz sarcástica – Agora estou realmente doente – espirra.




2011/07/27

ARTE NAQUELE BAR

Tem coisas que só acontecem naquele Bar.

Vejam isso! Depois da proibição de fumar dentro do bar ou mesmo na sua marquise, os fregueses passaram a reclamar das músicas que o galego tocava lá. Era breganejo, pagode, forró, dor-de-cotovelo, dor-de-corno, dores-de-amores, e outras tantas misérias que rara era a noite que um ou outro não tentava cortar os pulsos com um caco de garrafa de cerveja. Pois cansado dos protestos, ele resolveu inovar e vejam só a encrenca que ele criou.

Entra um casalzinho, procuram uma mesa bem discreta nos fundos, perto da cozinha e ao lado dos banheiros – sim a vigilância sanitária parece que não passa lá há muitas eras. Ouso dizer, culpa do Senhor Vadinho – dão-se as mãos, olham-se nos olhos, pedem uma coca com gelo e limão e dois copos – no bar do Galego não tem canudinhos.

Ela, segurando a mão do rapaz começa a falar quando a luz se apaga, o galego trepado em cima a de uma pipa de chope começa a falar:

- Galego - Atenas. O palácio de Teseu. Entram Teseu, Hipólita, Filóstrato e pessoas do séqüito.

E saindo dos banheiros, um homem e uma mulher com os corpos cobertos por lençóis e começam a falar:

- TESEU — Depressa, bela Hipólita, aproxima-se a hora de nossas núpcias. Quatro dias felizes nos trarão uma outra lua. Mas, para mim, como esta lua velha se extingue lentamente! Ela retarda meus anelos, tal como o faz madrasta ou viúva que retém os bens do herdeiro.

- HIPÓLITA — Mergulharão depressa quatro dias na negra noite; quatro noites, presto, farão escoar o tempo como em sonhos. E então a lua que, como arco argênteo no céu ora se encurva, verá a noite solene do esposório.

- TESEU — Vai, Filóstrato, concita os atenienses para a festa, desperta o alegre e buliçoso espírito da alegria, despacha para os ritos fúnebres a tristeza, que essa pálida hóspede não vai bem em nossas pompas. (Sai Filóstrato.) De espada em mão te fiz a corte, Hipólita; o coração te conquistei à custa de violência; mas quero desposar-te com música de tom mais auspicioso, com pompas, com triunfos, com festejos.

O galego, com uma toalha xadrez verde e vermelha enrolada à volta da cintura, torcendo os bastos bigodes, diz emocionado:

Galego - Entram Egeu, Hérmia, Lisandro e Demétrio!

O rapaz que segundos antes interpretava Teseu, muda de lençol que antes era amarelo, para um lençol branco.

- EGEU - Salve, Teseu, nosso famoso duque! - E mudando o lençol amarelo para branco novamente, - TESEU - Bom Egeu, obrigado. Que há de novo? – e mudando outra vez a cor de lençol - EGEU - Cheio de dor, venho fazer-te queixa de minha própria filha, Hérmia querida. Vem para cá, Demétrio. Nobre lorde, tem este homem o meu consentimento para casar com ela. Agora avança. Lisandro. E este, meu príncipe gracioso, o peito de Hérmia traz enfeitiçado. Sim, Lisandro, tu mesmo, com tuas rimas! Prendas de amor com ela tu trocaste; sob a sua janela, à luz da lua, cantaste-lhe canções com voz fingida, versos de amor fingido, e cativaste as impressões de sua fantasia com cachos de cabelo, anéis, brinquedos, ramalhetes, docinhos, ninharias, mensageiros de efeito decisivo nas jovens ainda brandas...

Nesse momento crucial, eles são abruptamente interrompidos, pois a mocinha que tudo via sem nada entender, assustada começa a chorar e pede para ir embora.

Mocinha – Você me prometeu uma noite romântica e me trás num antro de loucos? Cadê as músicas de amor, cadê os músicos seus amigos? Você me trás para ver essa indecência? Homens e mulheres semi-nuas vestida em lençóis...

O rapaz, intelectual achando que estava impressionando a namorada, fica sem graça, olha envergonhado para os atores - esses sim seus amigos, não os músicos citados pela namorada – chama o galego e pede a conta.

Levanta-se e segue em direção a saída, mas antes de descer para a rua grita pro galego:

- Eu falei que essa droga de William Shakespeare não ia dar certo, da próxima vez tem de ser Plínio Marcos, Plínio Marcos, o povão não quer arte, quer palavrão.

No dia seguinte o Galego escreve com giz na tabuinha na porta do estabelecimento:

Prato do dia : Buchada de Bode, lentilhas, batatas ao murro e à noite “Navalha na Carne”

2011/07/20

ELA


Calor.
Ela sobe pela parede, de minha cadeira tento não me incomodar, depois de quase chegar ao teto ela voa para o outro lado da sala, continuo fingindo que ela não está ali.
Aumento o volume da TV, suas asas batem no vidro da janela, sorrio, penso que ela resolveu ir embora, afinal o que estou assistindo é uma porcaria mesmo, decido que assim que ela for embora mudo de canal.
Enganei-me, ela me enganou, voltou voando em círculos pela sala, esforço-me par continuar ignorando-a, mas está ficando cada vez mais difícil, o programa ruim fica pior e ela fica pendurada na pá do ventilador.
Concentro-me, vou ignorá-la.
Desligo a TV e pego um livro que começo a ler alto, bem alto mesmo, mais que ler, mais que declamar, começo a discursar.
Leio cada palavra, cada frase, cada sentença, cada linha, cada parágrafo olhando para ela, mas ela faz-se de surda, de boba, estou enviando-lhe mensagens, avisos, ameaças veladas, mas ela voa, voa em direção a estante, se ao menos fosse ler alguma coisa, mas sei que não.
Vejo que meus esforços preservacionistas são debalde, sua cultura e mais rasa que seu corpo, já a imagino entrando em cada vão, cada espaço em meu preciosos livros.
Mais que preguiça de matá-la ou nojo, sou freado pela transcendência que hoje essa criatura me inspira. Por mais que eu queira, hoje não posso matá-la, imprimi-la na pintura da parede com uma chinelada, abatê-la com uma folha de jornal, um jato de inseticida, não, posso fazer isso.
Mas ela não percebe meu empenho em ignorá-la, como se quisesse abatê-la levanto o livro em sua direção, deixo bem a vista a capa, o título, a autora, mas parece que, mais uma vez, em vão.
Fecho a bela obra, deixo-a sobre o braço do sofá e vou à cozinha ver se há gesso em pó, pois sei tenho açúcar e farinha de trigo.
Volto á sala rindo, preciso deixar de me levar pelos livros que leio, mas cesso a risada culpada assim que a vejo ali na parede. Numa parede branca, uma minúscula mácula preta, móvel, locomovendo-se para cima e para baixo. Lá está a miserável que Deus enviou par testar minhas convicções...

- Não vou te matar, pode me provocar, mas não vou te matar – grito e logo me arrependo, o que os vizinhos acharão disso?

Sem se inquietar com minhas preocupações com vizinhos e minha consciência ela segue em sua peregrinação sem sentido pelas paredes de minha sala. Meus olhos dão com o tombo do livro sobre o braço do sofá onde leio o título – uma mensagem divina? - respiro fundo e agora mais convicto ainda repito para ela ali estacada na parede, como que me observando – Eu não vou te matar, não vou te matar! Como que para me aborrecer voa em minha direção e por puro reflexo me agacho e levo as mãos à cabeça.
Agora sentado no carpete olho para ela e agradeço por não disparar raios pelos olhos...

- Deus, por que me testas? – indago ao altíssimo olhando para o teto onde ela agora rasteja de cabeça para baixo.

No sofá, sobre o braço, o livro, na consciência a quase-culpa, no teto ela.
Isso não vai acabar bem para um de nós dois falo mais para ela que para mim.

- Maldita literatura! Jogo meu chinelo na estante como se assim pudesse transferir a minha aspiração homicida.

Com o susto ela começou a voar em círculos sobre mim, e sem dar pela coisa peguei o livro e a esmaguei contra a parede.

- Não! – gritei aterrorizado.

Toda a minha cultura e convicção estava ali, esmagada, metade na parede e a outra metade na capa do conto “A Quinta História da Clarice Lispector”.

2011/07/14

A VELHA E A OBRA

Safada.
Safada mesmo.
Dona Elvira é safada em último grau, irremediavelmente safada, safada de fazer estivador ficar corado, com as besteiras que faz e diz.
Cabelo branco pintado de azul, colar de pérolas falsas, boca e unhas constantemente pintadas de vermelho, quadril enorme de matrona sobre duas pernas cambaia. Na cara sobre os olhos míopes uns óculos enormes com armação dos anos sessenta, lembrança última de seus anos dourados...
Todos imaginaram que melhoraria com a menopausa, mas piorou, todos dizem, quase em uníssono:

- Um caso para a ciência resolver.

Agora ela não pode ver os pedreiros da obra em frente.
Toda hora leva um copinho d’água gelada, embora, a princípio, lhe tivessem sugerido levar logo a água numa jarra:

- Dá menos trabalho dona Elvira!

Ela até pensou em explicar que levando de copo em copo iria lá mais vezes, mas resolveu não falar nada.
E lá vai ela para a rua, mas antes de sair passa um pente nos cabelos crespos e batom vermelho nos lábios murchos.
Ao meio-dia, hora do almoço, leva sanduíches, mas antes saca da bolsa o espelhinho redondo e o batom vermelho que espalha pela cara como se quisesse ser vista da lua.
A velha anda quilômetros por dia, indo e vindo da construção, a família entre preocupada e pilheriando, se pergunta onde ela arranja tanta energia nessa idade.

- E com aquele esporão no pé direito... - comenta uma vizinha.

Sessenta e oito anos num cio de cachorra no verão.
Vaidosa, agora toma banho e troca de roupa três, quatro vezes por dia. Mas a mancha do batom parece que não sai mais da cara.
Os netos riem à suas costas, o genro pergunta para a mulher por que ela não herdou aquele fogo todo, a filha morre de vergonha e faz de tudo para mantê-la em casa.
Telefonou para as irmãs, mas não aceitou o conselho de mandá-la para um asilo, sob ameaça de:

- Ser visitada só no Natal e assim mesmo se a data cair num domingo com sol!

Sem resultado.
Os peões que a princípio achavam engraçado, agora fogem dela com medo que um infarto fulminante a mate na obra.
Enquanto uns fazem massa e outros assentam tijolos, um sempre fica de vigia para ver quando a velha aparece.
Um assovio e todos se escondem no almoxarifado.
Dá pena ver a velhinha com a bandeja na mão olhando para a obra vazia, mas ante a possibilidade de ter que explicar para a polícia e a família como ela foi morrer lá, é melhor atrasar um pouco mais a obra.

- Velha assanhada...
- Vixe!!!!!

E os peões voltam a trabalhar, dobrado agora, para compensar o tempo perdido por causa dela...

2011/07/05

CHOCOLATE, MINHA FONTE DE ALEGRIA!

É só chegar a Quaresma e a Valéria aparece aqui com sua lista de preço e nos vende seus ovos de Páscoa. E basta ela entrar na minha sala que começamos a rir para encanto e estranheza dos que nos cercam.
Faço tremenda propaganda de seus produtos, e conto sempre para gáudio e satisfação dela, que seu chocolate já é conhecido até na Europa. Esperamos uns segundos e voltamos a rir.
Apiedado das pessoas começo a contar como foi que a fama de “chocolateira” da Valéria foi parar no Velho Mundo.




Aeroporto da Portela Lisboa.
...e então, chegando à Alfândega Portuguesa, a máquina de raios-x acusa um objeto de metal. Os policiais lusos aproximam-se ameaçadoramente do brasileiro de um metro e sessenta de altura, cinqüenta e poucos quilos, bigodinhos mais rasos que poça d’água, gorro de motoqueiro e quatro fios de cabelos saindo da ponta do queixo.
Clima tenso.
O brasileirinho - que não era um chorinho nem inspiração para um - engole em seco, pomo-de-adão sobe desce mais rápido que as ações na bolsa de valores, ele pressente que alguma está muito errada, chega a dar um passo para trás instintivamente, mas é tarde, os policiais da aduana estão sobre ele.
Ele tenta chegar perto da sua mala, eles chegam antes, ele olha para aqueles gigantes lusos, não fosse pelos dois olhos, um de cada lado nariz, esses homens seriam como ciclopes diante desse pequeno exemplar de brasileiro em férias na Velha Europa.
Mas isso aqui não é a Odisséia, nem nosso personagem é um Ulisses, embora ele esteja bem perto de ter seu Infortúnio contado em prosa e que um dia - se depender de mim- há de se tornar uma tradição oral que sobreviverá aos tempos e as civilizações.
Tensão aumenta.
Os colossos lusitanos perguntam-lhe o traz na mala? Abra mala!, ordenam-lhe em português castiço. Seus olhos brilham, seus dedos crispam-se, o brasileiro sua, treme, tenta procurar nos bolsos do paletó, da calça, dentro da camisa, em qualquer parte de seu mais diminuto ainda corpo. E nada encontra.

- Tens ai dentro uma arma? – indaga um dos galegos.

- Trazes uma bomba? – intima o outro portuga.

O brasileiro tenta balbucia um tímido não, que não sai.
Os guardas fazem-no por fim arrebentar o zíper.
Mala aberta, roupas à mostra, calças, cuecas, meias, roupas íntimas da esposa, livros, guias de viagem, lenços, alguns agasalhos e lá no meio, entre duas meias-calças e outro gorro de motoqueiro, um volume cilíndrico envolvido em papel metalizado vermelho com estranhas ranhaduras em alto-relevo e levemente mais túrgido na ponta.
Os policias se olham a princípio espantados, depois desconfiados, eles olham para o objeto, olham para o brasileiro, tornam a olhar para a peça, medem-na com os olhos e tornam a encarar o sujeito, arrostam-no, e o turista sente que sua viagem começou e acabou ali mesmo. Suas mãos suam, seus cabelos empastelam-se de suor e ele faz menção de tirar a touca que cozinha-lhe o couro cabeludo, quando levanta o braço direito em direção à cabeça, aterrado.

- Não faça qualquer movimento brusco ó gajo! – e a mão do Titã fê-lo paralisar-se feito uma estátua de jardim com a mão a meio-caminho da cabeça, aquele que passasse por ali nesse exato instante pensaria que o brasileiro estava dançando o Lago dos Cisnes.

Lentamente, ele baixa os curtos braços e acaba por deixá-los largados ao lado do corpo.

- O que é isso? – Pergunta o Golias lisboeta.

- Vamos, responda o que é isso! Reforça o Adamastor de Além-Mar.

Mas agora o brasileiro não consegue mais falar, pensar, argumentar, só olha para a peça nas mãos dos policiais. Desesperado procura pela esposa, ela deve estar por perto, ela não pode tê-lo abandonada assim, não num país estrangeiro... Seu suor aumenta, suas mãos brilham, e seus olhos se perdem na multidão enquanto é arrastado para uma mesa num canto onde outros policiais acompanham a cena.

- Estou perdido! – lamenta-se baixinho.

- Não diga nada até que lhe perguntemos alguma coisa! – ordena-lhe Golias uniformizado.

Se houvesse um medidor de tensão nervosa, ele estaria, nesse momento, dando picos.
Na mesa de canto, cercado de outros policiais ordena-lhe que abrisse o objeto, que por motivo de extremo pudor, esse escriba deixou de esclarecer nas primeiras linhas que tinha a forma de um pênis com cinco centímetros de diâmetro por quinze de comprimento.
Primeiro foram as chacota, que se por um lado não desanuviaram a cabeça do turista, pelo menos o fizeram voltar a respirar; depois começaram as acusações de tráfico de drogas.

- Não, não há drogas aqui... – gaguejou enquanto sacudia as mãos e revirava os olhos à procura da esposa, até agora desaparecida.

- Não fale nada!

- Não se mexa!

- Não adianta procurar pelos seus comparsas, à essa hora já foram todos presos!

Disseram os guardas, como um coro de igreja, perfeitamente afinados e ensaiados.
Clima pesando ainda mais...
Nesse momento o turista brasileiro arrependeu-se das orações e promessas que fizera no avião na hora da turbulência sobre as Ilhas Canárias ou seria a Madeira?, nesse momento desejou ardentemente que a aeronave estivesse destroçada e boiando no Oceano Atlântico.

- Bem que eu não queria viajar a Portugal – pensou enquanto tentava com as mãos trêmulas descobrir onde começa o maldito papel para abrir o embrulho. O negócio girava-lhe nas mãos de um lado para outro, da direita à esquerda, do lado canhoto para o lado destro e nada de conseguir abrir, os guardas gritando, acusando-o de traficante, ele mais tenso, o papel, como que por maldição, cada vez mais colado, o tempo passando, os guardas em cima, a mulher sumida, as mãos escorregadias com o suor, o nervoso, a mala com o zíper estourado, suas roupas íntimas à mostra – bem que a mulher sugeriu que ele comprasse peças novas para a viagem – nada de conseguir abrir, os guardas fazendo um círculo à sua volta, o calor – mas que calor? Portugal em janeiro é um frio dos infernos! – a pressão chegou a tal ponto que não conseguindo rasgar o papel laminado, sair do círculo de guardas, ver suas roupas expostas, a mulher sumida, perdeu as estribeiras e:

Desesperado começar a bater com o cilíndrico objeto na mesa gritando:

- Aqui não tem drogas, isso aqui é chocolate que a minha mulher trouxe do Brasil, presente do meu cunhado, só chocolate, chocolate.

O doce arrebentou-se espalhando pedaços de chocolate e leite condensado pela mesa, sujando o uniforme dos guardas e chamando a atenção, outra vez, de todos que passavam por ali...
E esse foi o seu primeiro dia na Europa.

JACARÉ DEBAIXO DA CAMA

Dormir de olho aberto
Com a luz acesa
Com os ouvidos atentos
Com os nervos à flor da pele

Assustado!

Com os passos
Com barulho
Com os dentes
Com o rabo do jacaré

Preocupado em não acordar
ou acordar com ressaca
e uma inabalável fé
de nunca mais voltar a beber!







Dedicado ao Vadinho, pois ele merece ser sempre lembrado