2011/07/05

CHOCOLATE, MINHA FONTE DE ALEGRIA!

É só chegar a Quaresma e a Valéria aparece aqui com sua lista de preço e nos vende seus ovos de Páscoa. E basta ela entrar na minha sala que começamos a rir para encanto e estranheza dos que nos cercam.
Faço tremenda propaganda de seus produtos, e conto sempre para gáudio e satisfação dela, que seu chocolate já é conhecido até na Europa. Esperamos uns segundos e voltamos a rir.
Apiedado das pessoas começo a contar como foi que a fama de “chocolateira” da Valéria foi parar no Velho Mundo.




Aeroporto da Portela Lisboa.
...e então, chegando à Alfândega Portuguesa, a máquina de raios-x acusa um objeto de metal. Os policiais lusos aproximam-se ameaçadoramente do brasileiro de um metro e sessenta de altura, cinqüenta e poucos quilos, bigodinhos mais rasos que poça d’água, gorro de motoqueiro e quatro fios de cabelos saindo da ponta do queixo.
Clima tenso.
O brasileirinho - que não era um chorinho nem inspiração para um - engole em seco, pomo-de-adão sobe desce mais rápido que as ações na bolsa de valores, ele pressente que alguma está muito errada, chega a dar um passo para trás instintivamente, mas é tarde, os policiais da aduana estão sobre ele.
Ele tenta chegar perto da sua mala, eles chegam antes, ele olha para aqueles gigantes lusos, não fosse pelos dois olhos, um de cada lado nariz, esses homens seriam como ciclopes diante desse pequeno exemplar de brasileiro em férias na Velha Europa.
Mas isso aqui não é a Odisséia, nem nosso personagem é um Ulisses, embora ele esteja bem perto de ter seu Infortúnio contado em prosa e que um dia - se depender de mim- há de se tornar uma tradição oral que sobreviverá aos tempos e as civilizações.
Tensão aumenta.
Os colossos lusitanos perguntam-lhe o traz na mala? Abra mala!, ordenam-lhe em português castiço. Seus olhos brilham, seus dedos crispam-se, o brasileiro sua, treme, tenta procurar nos bolsos do paletó, da calça, dentro da camisa, em qualquer parte de seu mais diminuto ainda corpo. E nada encontra.

- Tens ai dentro uma arma? – indaga um dos galegos.

- Trazes uma bomba? – intima o outro portuga.

O brasileiro tenta balbucia um tímido não, que não sai.
Os guardas fazem-no por fim arrebentar o zíper.
Mala aberta, roupas à mostra, calças, cuecas, meias, roupas íntimas da esposa, livros, guias de viagem, lenços, alguns agasalhos e lá no meio, entre duas meias-calças e outro gorro de motoqueiro, um volume cilíndrico envolvido em papel metalizado vermelho com estranhas ranhaduras em alto-relevo e levemente mais túrgido na ponta.
Os policias se olham a princípio espantados, depois desconfiados, eles olham para o objeto, olham para o brasileiro, tornam a olhar para a peça, medem-na com os olhos e tornam a encarar o sujeito, arrostam-no, e o turista sente que sua viagem começou e acabou ali mesmo. Suas mãos suam, seus cabelos empastelam-se de suor e ele faz menção de tirar a touca que cozinha-lhe o couro cabeludo, quando levanta o braço direito em direção à cabeça, aterrado.

- Não faça qualquer movimento brusco ó gajo! – e a mão do Titã fê-lo paralisar-se feito uma estátua de jardim com a mão a meio-caminho da cabeça, aquele que passasse por ali nesse exato instante pensaria que o brasileiro estava dançando o Lago dos Cisnes.

Lentamente, ele baixa os curtos braços e acaba por deixá-los largados ao lado do corpo.

- O que é isso? – Pergunta o Golias lisboeta.

- Vamos, responda o que é isso! Reforça o Adamastor de Além-Mar.

Mas agora o brasileiro não consegue mais falar, pensar, argumentar, só olha para a peça nas mãos dos policiais. Desesperado procura pela esposa, ela deve estar por perto, ela não pode tê-lo abandonada assim, não num país estrangeiro... Seu suor aumenta, suas mãos brilham, e seus olhos se perdem na multidão enquanto é arrastado para uma mesa num canto onde outros policiais acompanham a cena.

- Estou perdido! – lamenta-se baixinho.

- Não diga nada até que lhe perguntemos alguma coisa! – ordena-lhe Golias uniformizado.

Se houvesse um medidor de tensão nervosa, ele estaria, nesse momento, dando picos.
Na mesa de canto, cercado de outros policiais ordena-lhe que abrisse o objeto, que por motivo de extremo pudor, esse escriba deixou de esclarecer nas primeiras linhas que tinha a forma de um pênis com cinco centímetros de diâmetro por quinze de comprimento.
Primeiro foram as chacota, que se por um lado não desanuviaram a cabeça do turista, pelo menos o fizeram voltar a respirar; depois começaram as acusações de tráfico de drogas.

- Não, não há drogas aqui... – gaguejou enquanto sacudia as mãos e revirava os olhos à procura da esposa, até agora desaparecida.

- Não fale nada!

- Não se mexa!

- Não adianta procurar pelos seus comparsas, à essa hora já foram todos presos!

Disseram os guardas, como um coro de igreja, perfeitamente afinados e ensaiados.
Clima pesando ainda mais...
Nesse momento o turista brasileiro arrependeu-se das orações e promessas que fizera no avião na hora da turbulência sobre as Ilhas Canárias ou seria a Madeira?, nesse momento desejou ardentemente que a aeronave estivesse destroçada e boiando no Oceano Atlântico.

- Bem que eu não queria viajar a Portugal – pensou enquanto tentava com as mãos trêmulas descobrir onde começa o maldito papel para abrir o embrulho. O negócio girava-lhe nas mãos de um lado para outro, da direita à esquerda, do lado canhoto para o lado destro e nada de conseguir abrir, os guardas gritando, acusando-o de traficante, ele mais tenso, o papel, como que por maldição, cada vez mais colado, o tempo passando, os guardas em cima, a mulher sumida, as mãos escorregadias com o suor, o nervoso, a mala com o zíper estourado, suas roupas íntimas à mostra – bem que a mulher sugeriu que ele comprasse peças novas para a viagem – nada de conseguir abrir, os guardas fazendo um círculo à sua volta, o calor – mas que calor? Portugal em janeiro é um frio dos infernos! – a pressão chegou a tal ponto que não conseguindo rasgar o papel laminado, sair do círculo de guardas, ver suas roupas expostas, a mulher sumida, perdeu as estribeiras e:

Desesperado começar a bater com o cilíndrico objeto na mesa gritando:

- Aqui não tem drogas, isso aqui é chocolate que a minha mulher trouxe do Brasil, presente do meu cunhado, só chocolate, chocolate.

O doce arrebentou-se espalhando pedaços de chocolate e leite condensado pela mesa, sujando o uniforme dos guardas e chamando a atenção, outra vez, de todos que passavam por ali...
E esse foi o seu primeiro dia na Europa.

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