2011/12/19

AGORA SÓ EM 2012


ESTÁ CHEGANDO

logo chega aquela data

sim aquela data

os sinais de sua chegada

estão pelas ruas

nas lojas

as luzes já piscam

o verde e o vermelho se espalham

e espraiam-se pelas ruas e praça

nas portas

(e são tantas)

pedintes pedem

velhos com placas de compra-se ouro

dormem em pé

crianças que não

são minhas

ou suas

estendem mãos

e pedem também sua parte nesse quinhão natalino

vozes estridentes gritam

as ofertas

as campanhas

os “comprem logo seus presentes”

são anunciados nas rádios tv’s e alto-falantes

o corre-corre começou

os filhos pedem

os pais prometem

compram-se roupas novas

doam-se as velhas

trocam-se receitas

começam as brigas e discussões

quem fará o quê?

o que comprar?

para quem comprar?

(me pergunto para quê comprar?)

os velhos barbudos

(me excluo disso!)

já se candidatam a fantasiar-se

barbas brancas são cultivadas

barrigas também

os dias correm como que ladeira abaixo

e os preparativos se atrasam

rôo minhas unhas

coço minha cabeça

lá vem ele...

nas folhinhas abrem-se janelas

(com bombons)

contagem regressiva

ansiedade

lá vem o natal outra vez

parece que foi ontem que briguei com tanta gente

antes, durante e depois da ceia

os natais se sucedem em minha vida como uma catástrofe anunciada e nunca evitada

sou atraído para ele como

o suicida para a morte

num deja-vu louco e sem sentido

alucinado

desvio das lojas

desvio dos velhos gordos e barbudo

antevejo a chegada de minha neurose

trinco os dentes

revejo meus palavrões

cerro os punhos

e todo o aborrecimento dessa data vem à minha garganta

minha boca amarga

meus olhos turvam

meu Deus

(acendendo meu cigarro quase grito)

- como eu detesto o natal!

(nunca mais a primeira pescaria do ano...

Quem ainda está vivo para lembrar isso?)





(e pensar que minha única alegria

é chatear o Vadinho

com os tradicionais três abacaxis)





Mas para os que ainda cultivam uma fagulha que seja de boa-vontade leiam a participação especial de Maria Aparecida Soares Ferreira no Folhetim Cultural, onde poderão encontrar doçuras nos poemas da Mirse e ainda palavras e pensamentos leves na prosa cotidiana da Bárbara. Aproveitem e não me acusem de ter estragado o Natal de vocês!








Aos amigos Próximos, Chegados, Afastados, Temporariamente Distantes, Geograficamente Longe de mim, àqueles com quem brigo o ano todo, àqueles que suportam esse meu humor: Feliz Natal (sim é ironia) e Boas Entradas!
Nos leremos em 2012!











2011/12/15

ANIVERSÁRIO


Trinta e três mensagens de feliz aniversário,
Cinco telegramas desejando saúde e mais anos de vida,
Um buquê de flores vermelhas com bilhete de “admiradora secreta” (na verdade da Glorinha do escritório),
Uma mensagem anônima e melosa, com fundo musical de Kenny G. pelo telefone (ainda da Gorinha do escritório),
Dois torpedos do pessoal do futebol,
Um bolo ainda inteiro sobre a mesa com as velinhas afundadas no glacê, cervejas quentes, a TV ligada, e ele dormindo no sofá...
O cachorro ainda na esperança de comer alguma coisa...

2011/12/13

ENTRE O VENENO E CORTAR OS PULSOS


Entende Dolores
De dores,
De porradas
De cólicas
(de se dobrar ao meio)
De desencantos
Das topadas nos cantos
(dos móveis)
Dos amores que se foram
(buscar cigarro...)
Das cartas que não vem
Da maionese azeda
Dos números errados
Do:

- Ele não mora mais aqui!

Dolores pensa:

- ”Se meu nome fosse Cida...”

Pobre Dolores, até o nome dói!





Dona Leocádia

PEQUENO DRAMA RELÂMPAGO




De galocha, capa impermeável, sombrinha, lencinho em volta do pescoço, protegendo-se da chuva, Dona Leocádia vai atravessando a rua. Olha para um lado, olha para outro. Nenhum carro que vá atropelá-la ou molhá-la. Segue cuidadosamente, procurando não pisar em nenhum buraco.

De repente, vindo do nada, melhor vindo do céu, um raio. De Dona Leocádia somente um punhado de cinzas.

Do outro lado da rua, seu Hermínio, balbuciava essas palavras:



- Só pode ter sido o dente de ouro, só pode ter sido o dente de ouro...



AQUELES OLHOS AZUIS


- Oi! Você é nova por aqui?

- Acabei de chegar..., aliás, onde “é aqui”?

- Não se preocupe, no começo ficamos assim mesmo, desorientadas, perdidas, tentando entender o que aconteceu.

- Não consigo entender nada, afinal onde estou?

- É melhor darmos uma volta antes de começar a te explicar “os ondes, comos e porquês”. Eu mesma já perdi a conta de quanto tempo estou aqui, acho que fui uma das primeiras a chegar – coça a cabeça - faz tanto tempo me Deus...

- Onde estou? – Assustada, começa a chorar.

- Calma, calma. Você ainda está em choque, vamos dar uma volta, conhecer outras mulheres e quando estiver calma, todas nós te explicaremos o que houve. Começam a andar.

- Mas aqui é tudo igual. Não tem paisagem, não tem cor, flores, perfumes, nada, nada, nada. Começa a desesperar-se.

- Eu morri! Oh meu Deus! Eu morri é isso não é? Estou morta, morta, morta...! Por isso esse lugar é assim. Estou no limbo, no “grande nada” por toda a eternidade esperando pela....- antes de terminar é interrompida.

- Não! Não é nada disso que você está pensando. Veja – diz apontando para frente –, vamos até ali, vou te apresentar a Luciana.

Caminham, e como lá não há referências espaciais, não sabemos se andaram muito ou pouco.

- Luciana, essa aqui é a nossa nova amiga, acabou de chegar.

Luciana dá um longo suspiro, olha para a recém-chegada com um olhar triste, abraça-a, passa a mão pelos seus cabelos.

- Como você é jovem, qual é a sua idade?

- Dezenove...

Luciana, demonstrado grande apreensão, olha para a outra mulher e comenta.

- Elas estão chegando aqui cada vez mais jovens...

- Pobrezinhas... Ela pensa que morreu, que está no purgatório...

- Criança... – diz Luciana – criança, como isso pôde acontecer...? Não, não responda, essa pergunta é retórica...

- Você poderia explicar em poucas palavras o que lhe aconteceu para que ela pare de pensar que está morta e no purgatório? Já fiquei nessa função por muito tempo e não tenho mais paciência para isso. – Diz a primeira.

- Venha minha criança, vamos caminhar mais um pouco e por favor, não precisa nos dizer que andar aqui não dá em lugar nenhum, há muito tempo que sabemos disso...

As duas mulheres riem dessa grosseira constatação.

- Qual a sua última lembrança? Pense bem antes de responder. Qual a sua última lembrança?

- Estava andando num shopping com minhas amigas, quando... – interrompida pelas duas.

- Quando você viu um homem lindo, de não menos lindos olhos azuis. – falam juntas as duas mulheres.

- Sim! - responde a menina. Nunca vi um homem mais lindo em toda a minha vida e, aqueles olhos azuis...- angustiada.

- Me deu uma vontade de...

- Mergulhar dentro deles, não é? – perguntam as duas juntas.

- Sim, isso mesmo. Como vocês descobriram? – Pergunta espantada.

Triste, as duas, outra vez, falam juntas:

- É onde você está agora!



O CANDIDATO CHEGOU


As ruas estão sujas, alias, são sujas sempre.
O calor ainda faz com que o vento levante a areia que entra nas casas, entra nos olhos das gentes que moram naquele bairro.
Pelas ruas, nas esquinas, meninas, jovens ainda distribuem”santinhos” de candidatos. Estão agitadas, comentam que um deles vem fazer uma visita no bairro hoje. A comunidade está quase em júbilo.

- O candidato vem aqui, o candidato vem aqui. O padre da velha igreja exulta e convence a paróquia a varrer a rua, limpar algumas calçadas. Coloca as mais prendadas na cozinha para começarem a preparar o banquete, e os jovens colocam bandeirinhas nos postes.

- O candidato vem aqui, o candidato vem aqui... Até o fim do dia o bairro está “apresentável”. O líder da comunidade exorta as pessoas a comportarem-se bem, causar boa impressão. Manda que as mães dêem banhos nos filhos, prendam seus cachorros. O bebuns incorrigíveis são encerrados em casa.

-Temos que causar boa impressão, senão nenhum outro candidato aparecerá aqui – grita do alto do palanque o líder comunitário.

- O candidato vem aqui, o candidato vem aqui... A noite torna-se um martírio, ninguém consegue conciliar o sono, viram de um lado para o outro na cama.

Enfim amanhece, o dia claro promete bons auspícios. As ruas, milagrosamente, continuam limpas, sem cachorros correndo, latindo ou derrubando latas atrás de comida. Os bares, vazios, não fazem arruaça, não há brigas, nem músicas barulhentas.
Lá de longe, uma voz grita:

- O candidato está chegando, o candidato está chegando, o candidato está chegando!

Começam a soltar fogos, o padre arrebatado começa aos gritos de - o candidato chegou, o candidato chegou! – soltar os pombos que cria no campanário da igreja. As crianças do coral, em coro (é claro) gritam afinadas: - o candidato chegou, o candidato chegou!
E em carro aberto, acenando e soltando beijos para o público quase histérico, o candidato vestido de branco, sorri. Sente-se eleito pela comunidade. Estava feito!
Olha com desprezo, sente um misto de nojo, náusea, uma repulsa como nunca antes sentira em toda a sua parasitária vida de político popularesco.
Desceu do carro sob os apupos da comunidade, beijou criancinhas, apertou mãos, osculou a mão enrugada e encarquilhada do velho cura.O sino rachado da igreja tocou uma, duas, três vezes... Então tudo se tornou um borrão.
O candidato foi levado pela onda humana, entre "vivas" e "salve o candidato". O padre, espumando, gritava ordens às cozinheiras:

- O candidato está chegando, o candidato está chegando!

As portas da igreja foram abertas de par em par, e o populacho entrou cantando e dançando tendo em seus braços o candidato, os cabos-eleitorais e seus distribuidores de santinhos.
Todos sorriam de júbilo!

- Estou eleito! Ria baixinho o candidato enquanto levantava os braços fazendo o sinal da vitória.

Em poucos segundos o candidato, os cabos-eleitorais e seus distribuidores de santinhos foram esquartejados, tendo os membros e órgãos separados por tamanho, quantidade de carne, cumprimento dos ossos e foram preparados e temperados pelas cozinheiras da igreja.
A noite foi de festa, todos foram dormir de barriga cheia, satisfeitos com o candidato e esperando os outros de outros partidos que viriam visitá-los ao longo da campanha eleitoral. Numa das casas mais humildes, uma criança pergunta à mãe:

- Mamãe, por que não podemos comer candidatos todos os dias?

- Por que, meu filho, esse país não presta nem para ter bons candidatos!

A noite desce sobre comunidade, a brisa balança as bandeirinhas, os cachorros agora tem o que procurar nas latas de lixo e os bêbados podem voltar a beber em paz nos bares.

2011/12/12

A MEMÓRIA É UMA DROGA


A memória é uma droga mesmo!

Ouço a Billie, meu clichê, meu lugar comum. Tem um sujeito que desde que o conheci, aos meus dezenove anos, vivia repetindo: - “Você é responsável por quem cativa...” – Por causa dele, passei a ver Saint-Exupéry com certo amuamento, outros vivem repetindo feito papagaios: - “O Universo conspira a seu favor!” Ah! Maldita New Age em que vivemos... - ” Maktub!” Berram os leitores de¹..., vamos deixar isso prá lá!, e segue por aí os lugares-comuns de cada pessoa. Assim sendo não considero ouvir Billie nenhum elitismo, nem nada de mais, é só mais um simples clichê, que bem me serviu para começar o primeiro parágrafo.

Não me lembro bem onde estava quando ouvi as primeiras frases de Billie, mas devia ser dentro do universo de meu apartamento, pois duvido muito que fosse ouvi-la nas ruas. E aquela voz chorosa, imediatamente, remeteu-me ao passado, minha adolescência. Minha juventude, fase penosa da vida, quando nada sabemos, mas mantemos a obstinação dos que se fartam de tanto saber, das espinhas na cara, dos amores eternos, intempestivos e passageiros. Pulamos de amores assim como os beija-flores pulam de flor em flor, somos fúteis, inconseqüentes, superficiais e tolos a não poder mais – mas não se enganem, sofremos.

Pois Billie cantava e as lembranças, como pedras, desmoronaram sobre mim!

Com os versos de Billie as lembranças me vêm fragmentadas, cenas esparsas e sem ordem cronológica, começa assim:

“Estou no banco de trás dum carro, quando vou descer ela me puxa o braço e me beija, beija na boca, um beijo quente, gostoso, bom, um beijo que esperei por muito, muito tempo, e que me veio assim de surpresa, quando já não mais esperava, quando tudo o que seria se chegasse a ser, seria um beijo no rosto seguido de um: - Feliz Nataaaaaaalllll!

Por uns longos e infindáveis segundos fiquei em estado de graça, sem sentir o chão, o carro, sem parar de pensar em tudo o que seria de nós a partir daquele momento, satisfeito, bestamente feliz, com os lábios dela nos meus, esquecido do pessoal nos esperando na calçada, esquecido da festa, da bagunça que faríamos, pensando num “nós” dali por diante, pensando...

Mas após o beijo ela me empurrou para fora do carro e seguimos atrás do pessoal.

Não consegui me aproximar dela pelo resto da noite sem que alguém se achegasse a nós ou ela simplesmente escapasse de mim. À meia-noite saímos a cantar pelas ruas, todos abraçados, gritando, cantando músicas natalinas, dançando, felizes, mas eu mesmo cantando não tirava aquele beijo da minha cabeça. Por que ela havia me beijado? Tinha enfim reparado em minha insignificância? Depois de tanto me declarar tinha enfim se rendido a meus encantos? Não, encantos eu não os possuía tantos assim, cantava e pensava na ceia, na casa dela não comi quase nada, não queria arriscar perder o gosto dos lábios dela, em volta da mesa procurei várias vezes os seus olhos por trás daqueles óculos de armação fina de metal, mas ela olhava para todos menos para mim. Estaria me evitando ou não dando chance de ninguém perceber nada? Mas se estava disfarçando assim era por descrição ou vergonha? E se fosse vergonha? Fui despertado desse emaranhado de pensamentos por um: - Não vai comer nada? Assim a comida vai esfriar. – vindo da ponta da mesa onde a mãe dela estava.

- Acho que ele está apaixonado. Falou alguém do outro lado da mesa. Acho que devo ter ficado vermelho, se estivesse comendo alguma coisa teria engasgado, tossido, e com um pouco de sorte – a quem estou tentando enganar falando em sorte? – morrido sufocado pela comida. Mas tudo o que consegui foi mesmo continuar vermelho feito um pimentão. Procurei meio desesperado os olhos dela, mas ela estava atracando uma coxa de peru e nem deu por mim. Para suportar aquela situação comecei a beber, e bebi até a hora de irmos para a rua.

Lá fora, cantando, gritando e tonto, não de dançar, mas de tanto beber, tentava encontrar os olhos dela, queria deles a resposta, saber o porquê daquele beijo, por que eu? Se ela estava somente com vontade beijar alguém que segurasse o braço de outro, que outro – não eu – fosse beijado. Àquela hora nada mais me interessava, tudo que queria era voltar para minha casa, tomar um banho e dormir – sem sonhar – e esquecer tudo isso. Uns poucos segundos acabaram com minha festa de Natal, minha vontade de cantar, minha vontade de viver, com meus sonhos.”

Pela cara acho que consegui esquecer tudo isso, pois foi somente hoje mais de trinta anos depois e ouvindo a Billie que essas lembranças me vieram à mente e enquanto escrevo essas linhas finais, o CD muda de faixa e Billie começa a cantar YOU GO TO MY HEAD...

Resumindo: Melhor sofrer ouvindo Billie Holiday que ouvindo pagode.






[1] A decência me impede de declinar-lhe o nome, desculpem-me.

2011/12/08

SOBRE A PAZ E OUTRAS RELFEXÕES


Cheguei cedo à repartição, adiantei meu trabalho e desci para fumar. Tudo certo para vocês? Responderam sim? Pois se enganaram.
Explico.
Na rua, céu limpo, sol que não ameaça com calor, os garis ainda limpando as calçadas e eu sob uma árvore acendo o cigarro. Curtia a delícia da primeira tragada com quando uma mulher em “situação de rua” (houve um tempo em que se poderia dizer mendiga sem estar sendo politicamente incorreto) me pede um cigarro...
Respondi-lhe, fazendo contato visual , que só tinha aquele que estava fumando, pois não é que ela retrucou perguntando sobre o maço que eu carregava no bolso?
Francamente, um homem não pode mais fumar em paz sem ter que dar satisfação para os “homeless”, os desprovidos, os sem-alguma-coisa? Não bastam as placas que me proíbem de fumar em uma quantidade cada vez maior de lugares?
Diante de minha negativa ele olhou-me de forma belicosa, agressiva, e pensei:

- Lá se foi a alegria da primeira tragada...

Não dá, assim não dá...
Aqui me condenam por fumar, lá fora me condenam por não compartilhar meu cigarro, ô vidinha...
Daí para a pressão alta, infarto ou impotência, é um passo!

***

Hoje, por indicação do Silvio, eu iria escrever somente sobre a “geração coruja”, mas acabei divagando com meu cigarro.
Mas antes de terminar explicarei o que é essa tal geração.
No domingo fui a uma festa de aniversário, onde me colocaram uma máquina fotográfica na mão para fotografar as crianças.
Vocês já perceberam como as mulheres, de qualquer idade, conseguem ficar de costas e com o pescoço totalmente reto sobre os bumbuns? No futuro, sei lá uns duzentos anos, quando nossas tataravós virem essas fotos, vão pensar que essa era uma geração vítima de radiação, experiências genéticas malsucedidas, ou como diz meu cunhado, envenenadas por excesso de hormônio da carne do gado.
Impressionante como elas conseguem essa posição...
Os ortopedistas é que faturarão alto logo, logo, pois além das lordoses ainda terão que desentortar pescoços...
E pensar que quando jovem meu dizia que eu cresceria surdo por causa dos rocks que eu ouvia alto...
Mas, cada geração com suas mutilações!
Que sejam felizes com suas dores.

2011/12/07

O CAFÉ

Esnobar
É exigir café fervendo
E deixar esfriar.
- Millôr Fernandes


- O negócio começou muito mal, olha a barata correndo aqui debaixo da mesa, rápido ela está indo para a mesa perto da parede!

- Ela saiu da caixa da geladeira...

- Só podia ser de lá!

Complicado o diálogo? Vamos começar do começo.

Como já citei anteriormente, após o almoço, diariamente, vamos tomar um cafezinho. Antes éramos assíduos da Bolsa Oficial do Café de Santos, nome pomposo, mas o atendimento, os freqüentadores, o preço, e por fim, não abrir às segundas-feiras foi a gota d’água para nos mudarmos de uma vez de lá.

E descobrimos esse novo, de onde vem essa história de hoje.

Desde a primeira vez que lá entramos, nos “entocamos” numa mesa de dois lugares atrás do caixa. Lugar muito aprazível, pois não éramos vistos por nenhuma pessoa, o que era de grande ajuda para nós, pseudos-cronistas de mundanidades. Um ponto estratégico para estudar a humanidade. Ah, esse nosso empenho em compreender o próximo...

O café é de bom preço, atendimento, até agora, sem reclamações. Éramos muitos felizes em nosso domicílio, éramos.

Mas o lugar acabou por ficar muito freqüentado e com fregueses exigentes, tão exigentes que passaram a demandar por outras marcas de cervejas.

Pausa!

O leitor deve ter se assombrado pois falei até agora em café, e passo para fregueses reclamando de cervejas! Pois lá é também um restaurante, espaço grande, mas exploramos somente a cafeteria, tudo o mais nos é desimportante.

Voltemos, pois ao drama inicial.

Para atender a sua seleta clientela (entra aqui um ranço de amarga ironia) ele nos informou que teria que sacrificar nosso “cantinho” para instalar ali, bem ali, naquele espaço sacro-santo de nosso cafezinho cotidiano, a bendita geladeira.

- Mas ainda vai demorar uns dias. – falou de forma a nos confortar.

Mas não tardou muito e o dia chegou, e o dia foi hoje.

Já estávamos sentados, quando o gerente chegou e nos disse:

- Ela chegou! – Disse isso e juntando ação às palavras começou a levar nossas xícaras para outra mesa no extremo oposto do salão.

E lá sentados, tristes, vimos a caixote que trazia a tal da geladeira. Exemplar antigo, com puxador, modelo anos sessenta, numa cor entre bege e o amarelo, desbotada, feia e antipática.

Três pessoas para carregá-la e depositá-la.

Na mesa, quase escrevo “canto”, ficamos observando a operação de desencaixotamento do refrigerador e foi quando, para nossa mal-sã alegria, vimos aquele ortóptero supra-citado sair do meio das madeiras e correr entre as mesas.

- Ta vendo? – disse eu com uma placidez invejável – Se tivessem nos deixado quietinhos em nosso canto isso não teria acontecido...

Mas essa é a minha versão do caso, deixo que o Sr. Costa, relate, um dia, o seu ponto de vista.

Muito embora, não haja ponto de vista que devolva a nossa velha mesinha abrigada atrás do caixa e que nos dava uma visão privilegiada das mulheres que subiam as escadas para se servirem no bufe do primeiro andar ...

É meu ídolo tem razão, a vida não presta!

Em tempo, quase que intitulei esse texto de A BARATA E O CAFÉ, mas pensando bem, ficaria alguma coisa entre kafkiano e repugnante e conhecendo bem o Magrão, ele iria reclamar disso também.

Em tempo², achei por bem não declinar, em nome bom gosto, a cafeteria.

2011/12/06

O (QUASE) MEMORIALISTA

O carpete está coalhado de garrafas de conhaque e cerveja, a mesa coberta de folhas e lenços de papel, os olhos injetados de sangue, os cabelos desalinhados, o cinzeiro transbordante de bitucas de cigarro. Blocos de anotações espalhados pela sala testemunham seu esforço em pesquisar fatos, datas, nomes, endereços...
Maldita hora em que encasquetou que seria um memorialista. Jurou que iria passar a limpo sua vida pregressa, daria nome aos bois, tudo o que lembrasse – pouco até agora – seria impresso. Suas memórias dariam – segundo ele:

– Pelo menos oito volumes de aproximadamente oitocentas páginas...

Boquirroto, espalhou aos quatro ventos seu projeto. Ameaçou pessoas, chantageou cunhados e primos; advertiu antigas namoradas que não pouparia detalhes por mínimos que fossem. Recebeu telefonemas ameaçadores, cartas anônimas – embora reconhecesse a caligrafia do missivista...

- Nada nem ninguém me impedira de escrever tudo T U D O !

O prazo de entrega dos originais está terminando e até agora isso:

I

...e nós três subíamos o morro de madrugada, uma hora, duas da manhã, e nada acontecia, não tinha perigo, além, é claro, de tropeçar numa pedra ou num degrau e se machucar. Vinho vagabundo na cabeça, girando, girando.

Chegávamos lá em cima, na casa, bem de mansinho, sem fazer barulho, com os sapatos nas mãos para não acordar a mãe dela, e forrando o chão com qualquer trapo, caímos mortos e só acordando com o sol brilhando sobre as águas do cais do porto, que sempre nos remetia a um samba antigo:

- ”Alvorada, lá no morro, que beleza, ninguém chora não há tristeza, ninguém sente dissabor, sol colorindo, é tão lindo, é tão lindo... ’ – que cantávamos com ressaca e desafinados.

Aquela luz arrebentando as nossas retinas...!

Então, acordados, ou quase, descíamos e íamos trabalhar, com um café ralo no estômago e gosto de corrimão de bordel de terceira categoria na boca pastosa.

A vida era boa, éramos jovens e nada parecia ter prazo de validade, tudo parecia ser para sempre, mas como hoje sabemos:

- ”O pra sempre, sempre acaba...”

A vida nos levou por outros descaminhos; ela, sofrendo um desencanto amoroso entregou-se à fé, tornou-se religiosa, sumiu no mundo como missionária, o outro, por suas opções, morreu na flor da juventude e eu envelheci com as memórias e as lembranças desse um tempo.

Ultimamente tenho revisto as pessoas daquela época, nos reunimos, bebemos bons vinhos, e conversamos com calma, pausadamente, hoje já não temos aquela urgência de antes, queremos até, que o tempo comece a ficar um pouco mais lento, e nos recordamos desses amigos perdidos pelo mundo.

De certa forma, estamos naquele ponto em que, inconscientemente começamos a fazer um balanço de vida, contabilizamos as perdas e ganhos, olhamos para trás e nos sentimos vitoriosos, afinal ainda estamos realmente vivos!

II

Éramos jovens e por seguinte, vítimas de leituras, mais precisamente “O Encontro Marcado”, do Fernando Sabino, então um dia, com a cabeça cheia de vapores de vinhos vagabundos, combinamos nos encontrar dali a quinze anos, no mesmo lugar, às 19h00minhs de (não me lembro mais o ano, NOTA: preciso achar a agenda daquela época...), assinamos até uma ata para sacralizar o acordo, e fizemos Tim-Tim com mais vinho vagabundo (NOTA: pesquisar a marca).

Mas pelos motivos acima descritos, nunca voltamos a nos ver.

Pergunto-me, hoje, como teria sido o encontro?

Sinceramente não faço a menor idéia, mas pelo andar da carruagem à época, creio que não teria sido um grande encontro, duro de admitir, mas com o tempo nosso ego teria sido um grande empecilho à nossa amizade. Olhando em perspectiva, acho que foi muito bem assim, guardo boas lembranças e quase nenhuma mágoa.

Sinto pelas mortes, tantos as físicas como as espirituais, pelas encruzilhadas, pelas trilhas pedregosas que escolhemos, mas a vida é assim mesmo, muitas perdas e ganhos me vieram depois disso!

Ontem pela manhã o síndico do prédio junto com bombeiros e uma ex-namorada apavorada arrombaram a porta de seu apartamento e o encontraram em profundo coma alcoólico, junto ao notebook esfacelado esse bilhete manuscrito:

O projeto – que seria longo - pára por aqui, pois as memórias foram-se assim como se foram aqueles dias...

Suspiros foram ouvidos em muitos lares e bares.

2011/12/01

DO BALANÇO DE FIM DE ANO E DAS MALDITAS LISTAS DE NATAL


Desde a zero hora de ontem estamos em dezembro - só de escrever esta palavra me dá um calafrio na espinha – mês do décimo terceiro salário e das compras de Natal.
Junto ao cartão de crédito tenho uma listinha com nomes de parentes e amigos que serão contemplados com presentes & lembrancinhas.
Isso para um, isso para outro, aquilo para fulano, aquela coisinha para fulana. Cada vitrine uma lembrança, e com sorte, um nome riscado na curta –sim, cada vez mais curta – lista.
Não me preocupo em comprar “o melhor” presente, não, não me amofino mais com isso. Presenteio o felizardo – Ó Criatura abençoada pelo bom Deus por fazer parte desta lista! – com o que eu acho que lhe seria bom, ou com o completaria diante de meus olhos. Ou seja, eu o torno melhor segundo meus padrões de bom gosto.
Bons tempos em que eu presenteava meus amigos mais diletos (sim certamente uma meia dúzia de felizardos) com uísques de primeira linha ou garrafas de vinho importado – lembra daquele certo vinho francês amigo Vadinho? – mas agora diante dessa crise financeira que vivemos fica cada dia mais difícil agraciar alguém com algum produto de boa cepa...
Hoje me limito a canetas-tinteiros, livros – quantas vezes vi a expressão de espanto do presenteado diante da brochura, perguntando-se o que fazer com isso? – e bugigangas outras que enchem os olhos e ocupam espaço nas estantes.
Como dizem por aí: - O que vale é a intenção! Ou: de boa vontade e boas intenções é pavimentado o chão do inferno! – completo com uma certa dose de cinismo e amargura.
Mas quem sabe o que passa em meu coração quando faço isso?

- Nem Sombra sabe! – responderia Vadinho, O Memorioso.

Enquanto digito cá essas linhas, puxo de meu bolso a supracitada lista de “presenteáveis” e começo a riscar nomes.
Quem me conhece e me lê, já sabe o que penso do Natal, da boa-vontade dessa época – aliás, boa-vontade só se for de matar os cunhados e outras criaturas peçonhentas do mesmo jaez; do jantar em família – aqueles parentes que só nos visitam para filar bóia, falar mal dos ausentes; das crianças correndo pela casa – e nenhuma delas é minha!
Ah! Talvez me faça falta a visita dos fantasmas do Velho Dickens...
Já pedi minhas férias para fugir da repartição durantes as festas, assim escapo do ultrajante amigo secreto, dos abraços da chefia, do indefectível panetone com frutas secas, das cidras que nos entregam à guisa de champanhe, dos “feliznatalprósperoanovo” mais raso que uma lâmina de barbear e mais falso que nota de três reais.
Continuando a riscar nomes, vejo que sobraram os mesmo de todos os últimos anos, mau sinal, não arrumei amigos novos e nem fui capaz de me livrar dos antigos...
Termino por aqui minhas lamúrias olhando para essa maldita listinha, que me serve de balanço do ano que termina chegando à seguinte conclusão:

- Só estou ficando mais velho mesmo...