Dia cheio
quando ele chegou. Um daqueles dias em que o cristão se pergunta por que não
nasceu um Rockefeller, Gates,
ou mesmo um “Seu Manuel” da quitandinha, que tem mais dinheiro que eu.
- Ela é
casada com o careca, o garçom que nos atende – Falou-me assim de chofre
enquanto eu pensava nas minhas dívidas.
-Quem? Casada
com que careca?
- Luzia – murmurou, entre
suspiros dolorosos.
- Então era
por isso que ele vive com aquele chapéu? – murmurei com meus botões. Longos
cabelos negros escorridos, olhos lindos e profundos, pés pequenos, mãos brancas
de dedos longos – mãos de pianista -, unhas vermelhas e sempre muito simpática
pensei naquele momento, mas guardei para mim tais pensamentos...
Ainda
atordoado pela chegada súbita dele, fiquei a olhar para o nada.
- Vi no
facebook do restaurante a foto dela abraçada com o careca..
- Mas você
não achava que eles eram irmãos? - Guardei para mim a decepção! Mas logo a
compartilharia com os outros colegas que iam almoçar lá só por causa dela...
Afinal quem divide, multiplica!
- Me iludia,
me enganava – resmungava o pobre homem, nosso capitão a espera da eterna
revolução socialista que não vinha - tentava cobrir o sol com a peneira... Ela
me hipnotizava.
-Nos...
(parei a frade na metade, acho que ele não gostaria de saber que todos nós
sonhávamos com ela)
- Pobrezinha
li que ela não tem mais a mãe...
- Perdeste a
chance de ser feliz duplamente... – (Sou um cínico, sei!)
- Como? –
indagava quase babando.
- Ter a Luzia
e não ter uma sogra... (por pura piedade deixei de falar que ainda assim teria
um cunhado!)
- Essa é
história da minha vida... (houvesse uma plateia a nos assistir, esse seria o
momento do suspiro coletivo! – pensei comigo)
- E agora? –
Senti que a pergunta era como passar sal na ferida. Eu não presto mesmo!
- Volto ao
Português... – declarou decidido - Lá como à vontade e pago menos. Acho que o
marido a explora. Ele a colocou ali, linda daquele jeito!, só para atrair
freguesia. Isso é quase prostituição...
Feito um
vereador em cima de caixote, ele continuava com seu discurso inflamado:
- Tenho
certeza. – disse peremptório. Aquele gigolô!
Não fosse o
susto, juro que o aplaudiria! Tive vontade de colocar mais lenha na fogueira e
acrescentar que ela gosta de coentro e quem gosta disso boa gente não é... Mas
ele sabe da minha implicância com esse vegetal... Além do mais, se a minha mesa sem dizer nada levou um murro,
imagine eu? Guardei para a mim o comentário...
- Sim, afinal
a comida no restaurante dela não era mesmo grande coisa, não é? – aí não sei
bem se ele se engava ou tentava me convencer. - E aquele negócio do careca
falando toda hora “bom dia senhores, bom
dia cavalheiros, bom dia senhoritas.”, aquilo me irritava deveras... Coisa
pouco máscula para um restaurante no porto... Só lamento o mau-gosto dela –
quase, quase falei no coentro! – disse
seguido de mais suspiro capaz de fazer estátuas chorarem.
Tive vontade
de discordar. Mas diante daquele olhar de cachorro abandonado na chuva não tive
ânimo...
- Mas no
português tem a... – ele me interrompe. Não lhe agrada que eu o lembre de seus
amores frustrados. Senti uma vontade muito grande de descrever a pele de seda
dela, o gingado, o tratamento diferenciado, mas o medo falou mais alto, outra
vez! O que me mata é essa minha covardia...
- Sim, tem
ela, mas já a superei. Hoje a vejo com outros olhos. Sinto-me um quase irmão
dela... – dessa vez sou eu que o interrompo.
- Não se
iluda seu velho descarado... - Tive ganas de perguntar-lhe se já havia comprado
umas borboletas azuis, mas o meu bom-senso achou melhor deixar isso prá lá... Me
arrependi de tê-lo xingado. Pude ver mais um futuro-pretérito desfazendo-se à
minha frente. Lá se ia o sonho do casamento, da família, do Juninho, do labrador chamado Bonifácio,
a criação de curiós... Tudo se desfazia...
Do cenário idílico só sobraram os pombos voando sob um céu que há pouco
tempo era azul, era promessas, era um mundo que... Poetizo, deliro, viajo
nesses momentos... Sou um sentimental incurável! E há quem diga que não tenho
coração...
Ficamos em
silêncio por um tempo...
Ele olhou
para o teto, achei que fosse reclamar das rachaduras, das paredes descascadas,
das sujeiras das janelas, quando ele me sai com essa:
- Hora de irmos
ao quinto andar!
- Voltou a
fumar passivamente?
- Não sei
como consigo viver nesse mundo sem o seu cigarro!
Eu ia tocar
no assunto das borboletas azuis, mas resolvi deixar esse assunto pra lá...
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