2011/08/30

UMA NOITE NA TABERNA ”A PORCA QUE RI”



       Um marinheiro musculoso, de camiseta azul marinho, ruivos cabelos desgrenhados e olhos vermUm marinheiro vigoroso, de camiseta azul marinho, cabelos ruivos desgrenhados e olhos vermelhos injetados, já completamente bêbado, estava sentado à mesa esperando pelo centésimo copo de cerveja. À sua esquerda, uma viúva histérica chorava e ria ao mesmo tempo, enquanto entornava copos e copos de uísque; à sua volta seus parentes mais próximos a acompanhavam bebendo cervejas, enquanto uma ou outra lançava olhares lúbricos para ele que, a cada gole, olhava aflito para a porta de entrada da taberna. Parecia aguardar alguém. Alguém que, pela quantidade copos, estava muito atrasado...
Sobre o balcão, na falta de um palco, um mágico apresentava espetáculo, anunciando que seria esse o último de sua carreira, já que completava nesse dia seu ducentésimo aniversário e se encontrava cansado demais, prometendo a todos que, após o espetáculo, se aposentaria e sumiria junto com a sua jovem assistente, uma dinamarquesa de vinte e cinco anos de idade. Jovem sim, embora aparentasse setenta e dois anos, dez meses, vinte e dois dias, dezessete horas e quinze segundos...
A dona da taverna, uma senhora gorda, rosada, simpática, rotunda e levemente assemelhada a um suíno – que emprestava o nome à taberna -, mais guinchava que ria um riso agudo e estridente, enquanto atendia a freguesia.
Mas assim como o marinheiro, ela também não tirava os olhos da porta de entrada, que se encontrava fechada por causa da chuva fina e fria que assolava a rua.
Duas gêmeas cobrindo a boca escondiam os dentes encavalados e sujos. Riam das piadas que o mágico contava entre um truque e outro, mas na verdade esperavam pelo fim do espetáculo, quando ele iria presentear a assistência com os coelhos que sairiam da velha cartola.
O ar estava turvo de fumaça de cigarros, charutos e do cachimbo - de espuma - que o velho lobo-do-mar pitava entre um gole e outro de cerveja.
As parentes da velha viúva não tiravam os olhos de cima do marujo e cutucavam-se umas às outras entre risinhos débeis, comentando que poderia ser impressão delas, mas, a medida que o marinheiro bebia, as tatuagens moviam-se em seus braços.
Os arpões atacavam os dragões, o coração de mãe já não sangrava mais, mas juravam que ele estava soluçando e chorando. Enquanto isso, a loira tatuada no braço esquerdo tirava a roupa.
- Uma pouca vergonha! - dizia a mais velha de todas, bebendo mais um cálice de absinto.
Os aplausos para o prestidigitador espantaram os pombos que, saídos anteriormente de seus punhos e pousados sobre os caibros, voaram assustados sobre os fregueses. As gêmeas, numa demonstração de inconcebível agilidade felina, pegaram dois deles no ar, arrancando suas cabeças...
...e rindo histericamente, devorando como se fossem duas gárgulas famintas.
No canto mais escuro da taberna, sob uma escada, um chinês amarelo e enrugado pelo tempo e pelo vício fumava ópio e mendigava um copo de bebida.
Mais aplausos ao mago!
Lenços coloridos.
A assistente serrada ao meio, que, diga-se de passagem, não voltou mais ao palco, foi substituída por outra mocinha: uma árabe ruiva que recendia a couro de camelo.
Cartas de baralho encardidas, dobrões espanhóis que apareciam atrás das orelhas de velhinhas bêbadas e outros truques baratos entretinham os solitários frequentadores da taberna.
Lá fora a chuva engrossava..
As gêmeas olhavam para o relógio e se perguntavam:
- Quando os coelhos sairão da cartola? –pergunta a, cinco minutos mais velha.
- Quando os coelhos sairão da cartola? – repetia a caçula, salivando.
O marinheiro chegara ao ducentésimo copo de cerveja e começara a ficar tonto. Suas tatuagens, enjoadas de tanto álcool, saíam de sua pele em direção à porta dos fundos, alcançando a rua e respirando um pouco de ar puro, correndo o risco de serem apagadas pela chuva.
A fumaça de seu cachimbo misturava-se à do cachimbo do chinês, formando imagens de feras e criaturas fantásticas digladiando-se entre si (muitos frequentadores apostavam nos dragões do velho chinês!).
Mas a contenda não foi longe, pois o bater de asas dos pombos, assustados pelo rufar dos tambores chamando a atenção dos fregueses para o número final do mágico, espalhou-as no ar.
Rindo e esputando, as gêmeas esfregavam as mãos encarquilhadas, esperando pelos coelhos que finalmente sairiam da cartola. Já nem prestavam mais atenção aos columbinos que passaram em frente à mesa.
Ao fim do rufar dos tambores, todas as luzes se apagaram e um spot de luz vermelha focou o mágico. Ele repetiu que este seria seu último show e que, uma vez aposentado, se retiraria da vida artística, casaria com sua assistente e dedicar-se-ia a escrever suas vastas memórias.
Então tomou da cartola e dramaticamente olhou nos olhos de cada pessoa, em cada uma das mesas. Procurou pelo marinheiro e o viu em sua mesa totalmente bêbado, agora sem nenhuma tatuagem, olhou nos olhos da viúva, que agora nem ria nem chorava, parecendo aliviada de todas as dores. Olhou em direção às suas parentes, que antes choravam como carpideiras e que agora, mesmo alcoolizadas, pareciam mais sóbrias que antes. Olhou as gêmeas e vislumbrou a fome que as devorava. Olhou para a dona da taberna cada hora mais e mais rotunda, risonha e rosada. E como já sentindo saudades, olhou com nostalgia para seus pombos que voavam, tentando fugir tanto de dentro da taberna como da fome das gêmeas.
O mágico suspirou, pediu silêncio, olhou dentro da cartola, mostrou à audiência que ela estava vazia, virou-a de um lado para outro, colocou-a no chão, subiu em uma cadeira que havia pedido a uma das gêmeas e - espanto geral - pulou dentro dela e desapareceu para todo sempre com sua jovem assistente!
Epílogo.
Num átimo, as pombas que ainda revoavam dentro da taverna arremessaram-se para dentro da cartola seguindo seu mestre. As gêmeas furibundas e famintas entredevoraram-se aos gritos e maldições recíprocas. A viúva chorando clamava pelo falecido, que, de volta dos mortos a leva consigo para o além.
O marinheiro acorda com os gritos, resmunga e grita impropérios ao se ver nu sem suas tatuagens.
Nesse exato momento a porta da taberna se abre e da rua surge uma sereia molhada de chuva. Vendo-a, o marinheiro diz:
- Isso lá são horas de você aparecer? Olhe isso! – diz apontando para os braços sem tatuagens. - As outras se cansaram de esperar e foram embora.
Com dificuldade levanta-se da mesa derrubando as mais de duas centenas de copos no chão. De tão embriagado, tropeça nas próprias pernas e cai junto com os copos.
- Não sei por que ele bebe tanto! – desculpa-se a pobre sereia que, arrastando-se com dificuldade, carrega-o de volta ao seu navio ancorado não muito longe dali.
O chinês lá no fundo ri de tudo, acendendo outra vez o cachimbo de ópio...



2011/08/26

OUTROS TEMPOS OU OUTRO MUNDO?

Passei ontem pela rua em que moram meus primos. Não digo onde para que ninguém se sinta tentado a ir visitá-los e perguntarem sobre mim, como sou, se sou assim mesmo, se sou bonito ou feio ou sabe-se lá o que mais.
Caminhava e lembrava como era aquilo lá.
Era uma festa para um moleque como eu ir à casa de meus tios. Morava em cidade onde as ruas eram asfaltadas, havia grandes casas de alvenaria e já alguns prédios de três ou quatro andares, e lá onde moravam meus tios e primos as ruas eram de terra e, criança é mesmo besta, ainda havia valas!
Que alegria a nossa!
Ficávamos a tarde inteira nos sujando na rua, entrando nas valas para catar girinos, puxando sujeiras de dentro d’água.
Quando voltávamos para dentro, era hora de tomar café. Qual o horror dos nossos pais ao nos verem sujos, com os pés encharcados de lama e fedendo, fedendo...
Hoje aquilo lá é mais uma rua, uma rua dessas qualquer, de qualquer cidade, sem encanto nenhum, sem nada que deixe qualquer marca de saudade.
Nas ruas daquele tempo, outros tempos, a iluminação pública deixava muito a desejar, mas brincávamos nelas sem perigos outros que cortar um dedo, pisar num prego, cair duma árvore.
Aliás: 1- alguém tem visto criança subindo em árvores ultimamente?, queimar um dedo fazendo fogueiras nas noites frias de junho e julho?;
2- nem frio faz mais no inverno, sem contar que tínhamos árvores, muitas árvores, goiabeiras, caramboleiras, ameixeiras, jaqueiras...
E hoje?
Arrancam tudo para que as folhas não sujem o chão! Tsc, tsc, tsc...
Já que é para apertar os miolos atrás de velhas lembranças, alguém tem visto pessoas sentadas nas portas de casa, conversando com vizinhos? Cumprimentando os passantes?
Não.
Essas ruas não existem mais...
Não sou um saudosista xiita mas, noutros tempos, tempos de minha infância, as coisas eram bem melhores. Perdíamos feio na qualidade tecnológica, mas a qualidade de vida realmente era bem outra. Tive uma infância de criança pobre, mas posso lhes garantir que era uma pobreza menos miserável do que a que vivemos hoje...
Outros tempos ou outro mundo?
Quando criança, com os meus colegas, fazia planos de no ano 2000 ir á Lua, ir a Marte, e vejam só, parece que voltamos à Idade das Trevas...
O futuro daquele tempo era muito melhor.
Mas seriam outros tempos ou eu sou outra pessoa?
Sei lá, até as dúvidas que me assolam hoje são piores...
Somente Vadinho O Grande Memoriodo, Responsavel Pelas Chaves da Sabedoria poderia dirimir essas questões...

2011/08/23

A MUDANÇA


- Alô. Alô, está me ouvindo?

Silêncio do outro lado da linha.

- Alô! Sei que você está aí, vamos me responda, por favor, fale comigo. Por favor, preciso ouvir a sua voz...

Silêncio. Ela dolorosamente percebe que ele desligou o aparelho.
Torna a ligar, ouve o chamado, mas não atendem.
Começa a chorar convulsivamente. Torna a ligar para o mesmo número que continua teimosamente a chamar.
Nada.
Vai ao banheiro, toma uma ducha e suas lágrimas confundem-se com a água que cai.
Ainda molhada, torna ligar. Dessa vez ele atende ao telefone.

-Alô?

- Oi, sou eu. Estou te ligando há horas, há dias, mas você não me atende...

- Ah, é você? – diz com certo desconforto (nota-se que se ele soubesse que era ela não teria atendido). – Preciso de um identificador de chamadas – murmura quase como que para ela ouvir.

- Por que você não me procurou mais?

Silêncio.

- Não faça isso comigo. Olhe, não podemos terminar assim...

Silêncio.

-...eu vou mudar, você vai ver. Nada disso irá se repetir. Juro. Fale comigo. Juro que vou mudar...

Silêncio.

- Não posso continuar vivendo desse jeito. Fale comigo – grita desesperada.

Ele desliga o telefone.
Ela, ainda molhada, joga-se na cama, chora até pegar no sono.
Acorda com o telefone que toca.
Corre a atender.
Mas era engano.
Engano?

- Eu vou mudar – fala para si mesma –, eu vou mudar. Repete esse mantra até voltar a cair no sono.

Acorda horas mais tarde e vai para a rua. Precisa andar, precisa espairecer as idéias, precisa de ar, precisa ver-se livre de seus fantasmas e neuroses, precisa encontrá-lo de qualquer jeito.
Seus passos a levam ao shopping. Senta-se para um café, só agora percebe que ainda está em jejum. À mesa, liga outra vez.

-Alô?

Nada.
Dessa vez ele nem se dá ao trabalho de atender, deve saber que é ela.
Tomado o café, sai a andar sem rumo, move-se feito um zumbi, o olhar vazio, murmurando o mantra – "Eu vou mudar, eu vou mudar, eu vou mudar..."
Quadras à frente, resolve fazer uma última ligação para ele. - Já basta de ficar rastejando. Ao pronunciar tais palavras, percebe que realmente está começando a mudar e pela primeira vez em vários dias sorri. Procura o celular na bolsa e não o encontra.
Ela esqueceu o aparelho na mesa do Café no shopping. Mas isso não importa mais, ela mudou sim, mudou e percebe que a mudança é benéfica. Sorri mais uma vez.
Agora ereta, com a cabeça erguida e altaneira, segue a passos firmes para uma nova vida, livre da presença dele, da sombra dele, da necessidade de estar com ele. – Livre! - grita para si mesma, assustando as pessoas à sua volta. Ela ri da multidão que a cerca na rua, ri das noites mal dormidas, ri de suas lágrimas e seu pranto. Está livre da mulher que era até poucas horas atrás.
Mas, lá na frente, quem aparece abraçando outra mulher? Sim, ele. Ele que tem se recusado, não!, evitado atender aos seus telefonemas, ele que a tem desprezado, ele que a tem levado às raias da loucura, ele.

- Mas quem é essa mulher? – ela se pergunta, enquanto nervosamente arruma os cabelos. Tira os óculos de sol para melhor ver, compreender, entender o que está se passando. Como ele poderia fazer isso com ela? Era por isso que ele já não mais atendia aos seus telefonemas...

Sentiu-se traída e inclinada ao homicídio, quando – Mas não poder ser! – diz, sorrindo um sorriso histérico, nervoso e psicótico. Ela esconde-se do casal, entra num bar, senta-se numa mesa atrás das grandes janelas de vidro fumê e vê a mulher que o acompanha. Ela primeiro sorri, depois loucamente começa a gargalhar e a gritar. – Eu disse que mudaria, eu disse que mudaria por ele. E chamando a atenção dos garçons e fregueses, começa a falar feito uma possessa: – Olhem lá! Ele está comigo, olhem lá o meu namorado com a nova “Eu”. Vejam, vejam! Eu mudei, vejam como eu mudei!

2011/08/19

SURPRESA! SURPRESA!


Em meio à chuva, já dá para ver a Mansão no alto da colina, os limpadores dos pára-brisas vão e voltam freneticamente, e dentro a fumaça do cigarro atrapalha ainda mais a visão do motorista, que tenta limpar desesperadamente o vapor que embaça as janelas do carro.
Ele pensa no contrato que traz no bolso do paletó.

- Quem em sã consciência faria uma festa aqui? Estou achando que é mais uma roubada... – pensa, enquanto arruma a bolinha vermelha na ponta do nariz.

Faz uma curva fechada, o carro quase capota numa poça d’água e bate num carvalho, mas ainda assim fura o pneu traseiro esquerdo.

- Droga, droga, droga! Onde vou arrumar lugar para trocar essa porcaria agora? Se sair nessa água vai borrar a minha maquiagem! – resmunga, enquanto bate com as mãos no volante, assustando-se com a buzina.

Resolve seguir em frente assim mesmo, afinal não falta muito para chegar à mansão...
Enquanto isso, lá dentro a escuridão toma conta de quase todos os cômodos. Sim, quase todos, pois no Grande Salão Sul uma multidão está reunida. Hoje é aniversário do filho caçula do dono da mansão. Uma enorme surpresa está sendo preparada para ele, uma surpresa que na verdade é uma tradição que passa de pai para filho há gerações e gerações.
Um magnífico jantar, convidados, amigos da família, que também vêm de gerações...
Escurece, já é quase noite fechada; a chuva engrossa ainda mais, agora seguida de raios e trovões, trovões que fazem a estrutura da velha casa tremer. Mas a casa é tão velha quanto sólida, nada a derrubará, assim sempre foi e assim sempre será, sólida e eterna.
Com dificuldade, o carro lentamente faz a última e mais íngreme das curvas. - A roda já está comprometida – reclama o motorista, dando outro soco no volante e novamente tocando a buzina sem querer.

Dentro da mansão...

- Papai, você escutou uma buzina de carro? – pergunta a criança excitada, puxando a manga da casaca do pai.

- Sim, ele já deve estar chegando. Escondam-se para a surpresa.

Os convidados, com risinhos infantis, correm e procuram um lugar para esconderem-se. Em poucos segundos, reina o mais absoluto silêncio.
O carro chega ao portão da mansarda, que se abre automaticamente para dar passagem. Ao atravessar o carro, ele se fecha ruidosamente, provocando um calafrio nas costas do motorista. – Beleza, só faltava ficar resfriado agora- reclama, mas antes de socar outra vez o volante, lembra-se da buzina e soca o banco vazio do passageiro. Com dificuldade consegue soltar o sapato dos pedais do carro.
Ele desce do automóvel, corre para a porta da frente da casa e bate na aldrava, que produz um som seco que ecoa de forma fantasmagórica pelo interior da casa, provocando-lhe outro calafrio na espinha. – Pronto, estou mesmo resfriado! – reclama, puxando os suspensórios da larga e colorida calça, e não tendo o que socar, chuta a porta que se abre com um rangido triste e choroso.
Ele entra na sala, deixando atrás de si grandes pegadas molhadas, segue até uma grande mesa onde uma vela ilumina um bilhete.

- Siga até o Grande Salão. Entre sem fazer barulho - ele lê.

Enxugando com o bilhete as gotas de chuva em sua testa, ele segue para o Grande Salão Sul, tendo somente uma vela, a que ilumina a mesa, para guiá-lo naquelas trevas.

- Só falta ter manchado a maquiagem... – reclama e dá um soco na perna direita.

Seus sapatos grandes, largos e encharcados fazem um estranho barulho no chão que, ecoando pelas paredes, deixa a escuridão ainda mais assustadora. O silêncio o deixa preocupado, teria errado de endereço?

- Não! Impossível, só havia essa casa nesse lugar esquecido por Deus! – responde a si mesmo, enquanto arruma outra vez o nariz vermelho.

Enfim ele chega ao Grande Salão Sul. Encosta a cabeça na porta. Silêncio, não ouve nada, nadinha.
Ele bate na porta.
Ninguém responde.
Dentro do Grande Salão Sul, o pai coloca o dedo indicar sobre os lábios e olha para o filho pedindo silêncio, afinal era uma surpresa, não era?
Com outro rangido, a porta de carvalho do Grande Salão Sul abre-se e ele vê um enorme salão totalmente vazio, silencioso e escuro.

- Alô? Alô? Tem alguém aí? – grita, enquanto sente outro calafrio e amaldiçoa o pneu furado do carro. Alô, quem foi que contratou o palhaço aqui?

E, surpreso, antes que pudesse falar mais uma palavra, contar uma mísera piada, o pequeno aniversariante pulou em sua jugular e começou a sorver o seu sangue quente, manchando de vermelho a maquiagem branca da sua cara.
Orgulhoso, o vampiro-pai comenta com seus amigos, também vampiros:

- Ah! Essas crianças... Às vezes penso que eu o mimo demais. No meu tempo não tinha essa história de ter palhaços em festas de aniversários...

Os outros convidados, rindo, concordam com ele.

2011/08/17

GENRO & SOGRA

Porta do Banco.
Dia de pagamento, entra e sai contínuo.
O prédio mais parece uma colméia tanto o movimento, na calçada em frente, camelôs vendem de tudo um pouco, lanches, cigarros em maço ou unidade, balas...
Aos pés da escada de granito cinza na calçada numa cadeira de rodas, uma senhora pede esmolas, mendiga uma moeda aos prantos e com voz lamuriosa.
Não convence, as pessoas passam fingindo que não a vêem.

- Uma moeda, uma moeda, por favor, uma moedinha...

Nada. Ela ainda finge que chora, entorta a perna direita, encarquilha a mão esquerda – quase derruba o pratinho com meia dúzia de moedas e uma tampinha de garrafa.
De repente um carro estaciona em frente a ela.
Agora sim ela chora de verdade, soluça e pede aos passantes que não deixem que a tirem dali, tenta segurar as pessoas que passam, causando mais repulsa ainda.
Segurando-se firmemente aos braços da cadeira de roda, ela grita que dali ninguém a tira, mas seus gritos e choro não convencem ninguém...
Do carro sai um homem sorridente, simpático, que cumprimenta todos que saem do Banco e delicadamente pega a velhinha no colo e a coloca no automóvel.
Espanto geral!
Como alguém com um carro desses, sinal de posse, poderia deixar uma velha assim pedir esmola na porta de um Banco?
Percebendo o mal-estar à sua volta ele explica:

- Ela está senil, foge quando não estamos vendo e vem para cá, isso quando não senta na porta de restaurantes... É uma cruz que tenho que carregar. Pobrezinha... – Vamos para casa, vamos – diz-lhe sorridente, angariando a simpatia de todos.
Com cuidado extremo coloca a velhinha no banco traseiro, prende-a com o cinto de segurança, limpa-lhe o enrugado rosto com um lenço.
Parte sob aplausos.

- Achou que ia fugir de mim? – diz rangendo os dentes.

A velha afunda-se mais ainda no banco de couro, perde a cor, começa a tremer.

- Achou que eu não ia encontrá-la?

Ela tenta abrir a porta. Travada.

- Achou que eu não cumpriria a minha promessa? Olha lá fora. Veja o sol. Está com calor, esta?

A velha está fria, congelada de medo.

- Nem se preocupe com a cadeira de rodas. Tenho coisa melhor para a senhora lá em casa...

Ela entrega os pontos.
Relaxa o corpo, sabe que está perdida...
Chegando em casa, o carro estacionado, ela é levada no colo para dentro, sob o olhar penalizado da vizinhança.

- Pobre homem – comenta a portuguesa que mora em frente – como sofre com a sogra.

- Esse homem vai para o céu – concorda a paraibana que faz faxina na casa da portuguesa - vai pro céu! – e volta a varrer a calçada.

Dentro de casa, o homem joga a velha numa outra cadeira rodas – ele tem uma garagem cheia delas, comprada no atacado, só para se garantir – e empurra a sogra para o quintal.
Deixa-a no meio do jardim bem sob o sol que está a pino, o calor está fazendo murchar as plantas e derreter os brinquedinhos de plásticos do Nenê – o cachorro.
O homem deixa a velha e vai para cozinha tomar uma cerveja. Abre a lata lentamente de modo que o gás saia fazendo barulho. A velha ouve e seus olhos brilham. Ela está com sede, com medo e com raiva.
Com a latinha na mão ele vai até o jardim para que a velha o veja beber, chama Nenê e oferece um pouco da bebida ao cachorro que aceita prontamente. Enquanto bebe, brinca com o cão, joga a bola cada vez mais longe para o animal ir buscar, fazendo com que bata com a cauda nas pernas da velha.
Ela olha com mais ódio ainda para o genro.
O calor aumenta.
É fevereiro...

- Então a senhora tentou fugir outra vez – fala o genro protegido na sombra de uma jaqueira - Achou que esmolando iria conseguir dinheiro para fugir daqui de casa? Nenê! – chama o cachorro que estava indo dormir na sala, sob o ventilador – Vêm brincar coma vovó, vem...

A velha teme o cachorro, quase tanto como teme o genro.
O cachorro vem correndo e babando trazendo à boca outra bolinha, a velha para de respirar. Quem sabe assim o bicho não repara nela?
Mas o genro joga a bolinha no colo da sogra. Ela não conseguindo mais segurar, começa a chorar...

- O Nenê não – implora humildemente - o Nenê não...

O cachorrão lambe-lhe o rosto provocando um misto de asco e pavor.
Uma trovoada faz tremer o chão assustando o animal que assustado corre a esconder-se debaixo da mesa da cozinha. A velha olha para o céu, olha para o genro, e começa a sacudir a cabeça apavorada.

-Não... – suplica baixinho – não, outra vez não!

O genro sacode os braços, entra na casa, e após uns poucos minutos, volta com outra lata de cerveja e um guarda-chuva. Pega uma cadeira de praia e senta-se sob a cobertura de lona de faz sombra na lateral do jardim.
Senta-se, estica as pernas e olha o relógio.

- Não dou meia hora para arriar o molho, acho que ainda vai umas três ou quatro cervejas... – ri do pavor da velha.

Muda de horror a velha sogra arregala os olhos e murmura alguma coisa – talvez o nome do falecido marido, que teve, segundo o genro, a sorte grande de ir antes dela.
Outra trovoada, agora mais perto.
Não tarda a chover...

- Eu te avisei velha, eu te avisei – ri enquanto entorna a cerveja – quando eu viesse a tomar conta de vocês eu acertaria todas as nossas diferenças – ri a ponto de engasgar-se.

Outro trovão.
O genro olha o relógio, rir e diz:

- Vai começar a chover bem na hora de seu banho.

Ela sacode a cabeça a ponto de seus brincos de pérolas caírem no chão e perderem-se na grama do jardim. Começa a chuviscar, o genro protege-se indo para dentro da cozinha, diz que agora vai preparar um café, afinal daqui à pouco a esposa vai chegar e vai querer um lanche.
Enfim cai a chuva.
Forte.
Pingos grossos.
Lá fora as lágrimas desesperadas da velha misturam-se à chuva, e antes que possa rogar uma praga para o genro, escuta-lhe a voz que diz, vindo de dentro da cozinha:

- Se comentar alguma coisa com a sua filha, fico com os trocadinhos que a senhora conseguiu no Banco.

Com ódio, sua dentadura trinca.

2011/08/15

O COLEGA AO LADO

Chego cedo ao escritório. Não que eu seja mais trabalhador que os colegas ao lado, não, nada disso. Chego cedo somente para ficar mais tempo sozinho com meus pensamentos, enquanto eles ainda são meus, no pé que vai minha vida, logo, acho, nem isso será mais meu somente uns setenta por cento, se tiver sorte.
Estou sentado à minha mesa, olhando fixo para o monitor do computador, o silêncio, a sala vazia, somente o som do tráfego lá fora, e na cabeça as minhocas da preocupação. Não é bom, mas é o melhor para o momento.
Mas, passados poucos e maravilhosos minutos de silenciosa preocupação chega ele, o colega que se senta à mesa ao meu lado, i-me-di-a-ta-men-te ao meu lado, praticamente, ombro-a-ombro. Joga sua mochila na cadeira e quase gritando, pois, pensa ele que sou surdo, pergunta-me se vou almoçar na rua ou se trouxe marmita.
Volto à terra.
Pulo da cadeira com o susto.
Miserável.
Todos os dias a mesma pergunta, almoço-na-rua-ou-marmita? Seguido do tudo-bem-com-você?
A rotina.
Sentado com seus cento e vinte quilos de pura simpatia, começa a desejar bons-dias a torto e a direito para os colegas que vão chegando, falando de como foi a sua noite, o que assistiu na tv, o que jantou.
O que jantou é a senha para pegar uma fruta na mochila, e começar a roê-la.

- Runch-runch-crunf-russssh-chof-chof-smuffff…

Se um dia eu tiver que descrever como se escova um cérebro, direi que esse é o som - omitindo apenas o perdigoto que ele dispara enquanto fala.
Afundado em problemas financeiros - quiçá me preocupasse como antes com os existenciais, o fim do combustível do sol que se apagará daqui a vinte e cinco milhões de anos, de onde viemos? para onde vamos? – estou criando coragem para ir ao banco tentar um empréstimo. Para cada cálculo financeiro, uma mastigada com efeitos sonoros, para cada juro, um perdigoto, para cada ensaio de lamúrias ao gerente, uma bravata sexual do colega ao lado...
Resolvo ir ao banheiro. Lavar o rosto, olhar a janela, considerar em quantas parcelas pagar o dito empréstimo...

-  Vai ao banheiro? – fala ele mastigando a frutas junto com as palavras - Vou aproveitar a carona e escovar os dentes...

Rosno e pergunto ao “Bom Deus” o que fiz para merecê-lo. Tento responder que vou, que vou, que vou.... Mas desisto, onde quer que eu vá, ele irá me acompanhar.

Entro, e logo me tranco numa das cabines, crente que ali, por alguns segundos terei a paz que anseio para terminar meu discurso para enternecer o coração do gerente do banco, mas que doce ilusão!, de frente ao espelho, escovando os dentes, ele continua a falar, fala com a escova na boca, fala passando o fio dental, fala, fala, fala, fala, minha saída (não, minha saída não é o vaso sanitário, não ainda) e ficar dando a descarga continuamente. O som escatológico-borbulhante-trovejante da água azulada que rola encanamento à baixo, por alguns segundos bloqueiam o som de sua maldita voz.

Passado os rápidos segundos (sim, é um terrível pleonasmo o “rápido segundo”, eu sei) eu o ouço gargarejar:

- O negócio ta ruim aí hein? Que barrão! Barbaridade! O que você comeu...?

- Vou matá-lo, de hoje ele não escapa, nãoescapanãoescapanãoescapa, é só eu voltar do banco, que de hoje ele não escapa! – murmuro roendo as minhas unhas.

2011/08/10

O COLECIONADOR DE DEUSES


A fumaça do incenso deixava o ar da câmara opaco, quase sólido. Semântico ajoelhado orava, murmurando palavras antigas de línguas mortas e já esquecidas...

Suas mãos ainda recendiam ao sangue do sacrifício, e aos pés do altar, animais mortos acumulavam-se. Somente o forte odor dos incensos impedia-o de sentir o pútrido cheiro das carnes decompostas dos animais imolados.

Levantando a cabeça ele sorri, e andando de costas, Semântico deixa a câmara, fechando-a com uma chave lavrada em osso, na verdade o fêmur de Olegário Trípoli, seu mestre e guia espiritual, desaparecido a exatos trinta e dois anos, hoje.

Semântico, tranca a porta e segue pelo escuro corredor em direção a outra câmara, seus passos ecoam, fazendo com que o curto trajeto pareça infindável. Pelas paredes vê-se uma galeria assustadora. Lá estão exposta, para gáudio e satisfação de Semântico, pinturas de Aleister Crowley em posições comprometedoras e assustadoras...

- Thelema, Thelema... – murmura baixinho Semântico, enquanto tira o pó da moldura de seu quadro favorito, quadro esse que mostra um jovem Aleister Crowley vestido em trajes rituais. Quadro esse subtraído de seu velho mentor Olegário Trípoli, que passaremos a chamar de O.T. para poupar trabalho e seguirmos em frente com essa história.

Ao fim do curto trajeto pelo sombrio corredor, Semântico retira outra chave do bolso de sua túnica, essa lavrada no osso parietal de Olegário Trípoli.

- Quantas portas e quantos pedaços de Olegário Trípoli há nessa história?! – Sim leitor, quantas portas e quantos ossos de O.T.? Creio que jamais saberemos nessa vida! Mas sigamos...

Semântico ao abrir essa outra porta, despe-se se sua negra túnica pagã e vestindo um alvo hábito ele entra no recinto. Esse, em contraste com a outra câmara é branco, é claro, é límpido, é arejado e abarrotado de flores. Flores frescas, coloridas e perfumadas, das janelas de vitral uma luz multicor colore o ambiente e remete à paz celestial.

Celebrando uma nova vida, Semântico de joelhos, reverencia outro ídolo ali esculpido. Esse deus, não lhe pede nada de sacrifícios, não lhe exige sangue, nenhuma matança, esse é um bom deus. Contenta-se com adoração, velas e umas poucas orações.

Num ofício rápido, Semântico celebra uma homilia de poucos cantos, muito gesticular de braços e bater de palmas, coisa pouca para um deus pouco exigente e pouco afeito a pedidos excêntricos...

- Um deus ordinário esse! – ri de si para si mesmo, enquanto tranca a sala e retira o alvo hábito, e arrumando os vastos cabelos, ele segue mais fundo ainda no ameaçador corredor tendo por companhia somente o eco de seus passos e o tilintar das chaves de ossos do finado O.T. que ele trazia girando no dedo indicador da mão direita.

Ao final de poucos minutos Semântico chega a mais uma porta.

Essa é feita de ébano, negra, negra como uma noite que prenuncia uma borrasca que causará morte e destruição, negra como a alma de Semântico, negra como uma mancha de sangue coagulado de uma cerimônia pagã.

Antes de pegar a terceira chave, essa esculpida no osso da escápula direita de O.T., ele olha apreensivamente para trás. Ele tem medo, um medo secreto, um medo que ele nega até a si mesmo, um medo que lhe rói por dentro, rói até mais que a aquela velha úlcera tratada por ele com carinho e caldo de galinha.

Certo de estar só no corredor, Semântico abre velozmente a porta e entra, e ao fazê-lo, bate-a com força, fazendo com que o barulho ecoe forte e longamente pelo corredor...

Ele encosta-se na escura madeira e respira fundo.

De cima dum antigo aparador ele pega uma espada não menos antiga, runas de tempos remotos cobrem o couro de sua bainha com maldições e pragas bordadas em fio de ouro.

- P.C. eu também posso fazer meus milagres e tempestades – ri, sacudindo a espada no ar, mas logo se torna sério outra vez - um frio sobe-lhe pelas costas - esse deus, ao contrário do outro, não perdoa. É cruel e os sacrifícios oferecidos a ele são os mais caros. Onerosos em todos os sentidos...

– Que deus cruel eu sirvo!- lamuria-se.

De dentro da negra escuridão um ruído, parecido com um rugido de dor, fome e parto faz tremer o chão e a alma de Semântico.

Com o susto o molho de ossos cai, e uma das chaves espatifa-se no piso, angustiado ele grita:

-Não! De duzentas e seis chaves por que justamente essa foi quebrar-se? Por quê? – ele chora, e lá do âmago da densa escuridão o pavoroso rugido faz tremer as fundações da velha casa e leva Semântico para mais perto da perdição de sua já há muito hipotecada alma.

-Não! – grita de joelhos no frio piso manchado de sangue de inocentes virgens e pobres crianças rechonchudas como anjinhos barrocos.

– Não! – banhado em amargas lágrimas, Semântico recolhe os cacos do osso do cóccix de O.T. – Não tenho mais salvação, nunca mais serei redimido de meus pecados, nunca mais abrirei a porta do anjo. Perdi para sempre a minha barganha com ele...

Desesperado, Semântico foge da sala que ruge ferozmente, como um animal de outro mundo, um mundo de trevas eternas e sem salvação. Enquanto foge de seus demônios, Semântico recita uma velha oração:

- Paz sobre vós, anjos servidores ,anjos do Altíssimo, Do supremo rei dos reis , o Santo , bendito é ele, que sua vinda seja em paz ,anjos da paz,anjos do Altíssimo, do supremo rei dos reis, o Santo, bendito é ele, abençoe-me com a paz ,anjos da paz, mensageiros do Altíssimo, do supremo rei dos reis, o Santo, bendito é ele. Que sua partida seja em paz, anjos da paz, anjos do Altíssimo, do supremo rei dos reis, o Santo, bendito é ele.

Mas Semântico não chega ao fim de sua desesperada prece, fugindo pelo corredor escuro com seu coração ateu quase a sair pela boca, tropeça numa pedra. Ele tenta equilibrar-se, e tentando apoiar-se na parede úmida e cheia de musgos, sua mão escorrega.

Seu corpo cai como um boneco de cordas, e as suas mãos desesperadas, como as mãos de um afogado que tenta agarrar-se a qualquer coisa que possa ampará-lo, mas só encontra apoio na moldura do quadro de Aleister Crowley que, como um amargo escárnio, ficava exposta em frente ao quadro com a figura eqüestre de Paulo Coelho sorrindo.

Semântico cai, e na queda é seguido pelo quadro, que se arrebenta no chão. Em doloroso choro Semântico imagina ver, entre a cortina de lágrimas que lhe banha os olhos, a imagem de O.T. que, sorrindo, recolhi os seus ossos, agora espalhados de vez pelo chão...

- Meus deuses, meus deuses – clama Semântico em vão.

O espectro de O.T. agachado apanhando o último osso de seu corpo, o ísquio, diz baixinho ao ouvido de Semântico:

- Já sabias que não deverias servir a dois senhores, mas resolvestes servir a mais de dois...

Ouvindo o rugido terrível se aproximando, O.T. desfaz-se no ar deixando seu algoz entregue à própria sorte.

2011/08/09

mulher

mulher

assombro

paquidérmico

de mastodôntica

memória

nada esquece

nada perde

nada perdoa

ela não reconhece o manhã

guarda na geladeira da memória

suas faltas

erros

desacertos

e aquela olhada na gostosa de biquíni na praia (nas férias de 1982)

numa amanhã diferente

o sol a encontrará dando lustro

nos seus erros e pecados

mulher

esse monstro que não esquece!






[1] Data meramente ilustrativa

MUITO ESTRANHO

Não me lembro de muita coisa. Gente indo e vindo, pessoas estranhas, outras conhecidas que me cumprimentavam, outras que eu pensava em conhecer. Imagens, capas de revistas, manchetes de jornais, tudo muito vago, quase um borrão. Musicas que eu ouvia sem atenção. No ar aromas e cheiros algumas vezes conhecidos, outros não. Vozes, muitas vozes que não me diziam nada.

Acho que não prestei muita atenção quando me chamaram, aliás, se me perguntassem meu nome àquela hora - qual era meu nome? - teria que procurar na minha carteira de documentos... Tem horas que nem sei se me lembro a que espécie pertenço... Nem a que reino, se animal, vegetal ou mineral, embora algumas vezes me sinta um pé de alface, outra um peso de papel. Se me sentisse uma sombra ou ectoplasma, onde me classificaria? Quando ando dormindo, devo ser rotulado como um zumbi ou somente sonâmbulo?

Mesmo agora diante de vocês, não sei se estou realmente aqui ou se estou em casa sonhando dopado por algum sonífero, num bar bêbado com o Vadinho, ou sendo rascunhado por algum escritor medíocre.

Acordei uma noite e em vez de ver meu quarto – ou o que penso que deveria ser meu quarto – me vi perdido em um imenso branco, branco sem fim, branco infinito e claustrofóbico, um branco sem saída, um branco a ser preenchido ou rasgado feito papel – entende o que quero dizer? - assustado, corri de volta onde deveria estar a minha cama, cobri-me, fechei os olhos e trêmulo pedi a Deus para dormir outra vez ou acordar logo. Pela manhã tudo havia voltado ao normal, meu quarto estava lá com meu velho guarda-roupa, minha cômoda, meus livros – a única constante, somente alterando estilo e autores - espalhados pelo chão, o espelho trincado onde me vejo e me reconheço cada vez menos todas as manhãs, tudo estava lá, mas eu não acreditava mais na existência dele, duvidando cada vez mais de mim refletido naquele espelho.

Por favor, não me perguntem há quanto tempo venho passando por isso. Não sei. Não tenho um calendário marcando isso, nenhuma agenda marcando dia e hora. Mas vendo em perspectiva..., acho que minha vida foi sempre assim... Não tenho memórias de infância, nenhuma lembrança de escola, festas de aniversário, a única memória, quase uma foto, não, uma pintura impressionista!, é uma mesa de bar onde eu e –será essa uma memória plantada? – e Vadinho, não me perguntem quem é ele, somente o nome me vem à mente – bebendo até cair. A isso se reduz minhas lembranças, e tenho cá um fígado perfeito que desmente qualquer vício em álcool. Nome de pai e mãe? Claro, só um segundo para eu pegar meus documentos na carteira...

Não é possível! Os senhores hão de concordar comigo, isso não é normal, onde já se viu alguém procurar nome de pai e mãe nos documentos, essa é uma resposta automática, todo mundo sabe o nome dos pais, ou pelo menos da mãe...

Cada vez mais vejo que minha vida é uma fraude, uma mentira, uma ficção, Mas é claro que não sou e nem estou louco. Sou uma pessoa normal num mundo cada minuto mais anormal, mais confuso, mais bizarro. Vejam os senhores, meu dia começou, ou pelo menos me tornei ciente dele, com essa conversa:

”Não me lembro de muita coisa. Gente indo e vindo, pessoas estranhas, outras conhecidas que me cumprimentavam, outras que eu pensava em conhecer. Imagens, capas de revistas, manchetes de jornais. Musicas que eu ouvia sem atenção. No ar aromas e cheiros. Vozes, muitas vozes.”

Podem os senhores me explicar a razão de eu estar aqui diante de vocês prestando esse depoimento? O que eu fiz? Qual é a acusação? Cometi algum crime? Sou acusado de quê. Por quem? Como vim para aqui? Como? Os senhores não sabem de nada? Não foram os senhores que me chamaram aqui? Tão-pouco sabem como surgi aqui? Sim aceito um copo d’água.

Vejam senhores o que é a minha vida...

Onde trabalho? À essa altura creio que não trabalho em lugar nenhum, pois creio, nenhum patrão seria tão paciente para com minha situação, creio também ser solteiro e nem ter filhos, cachorro, gatos, papagaio ou mesmo baratas correndo pelas paredes de minha casa, apartamento, toca, buraco, ou seja, lá qual for o lugar que habito. Respondam-me os senhores, como lhes pareço? Sou branco, negro, asiático, loiro, careca? Alto? Baixo, gordo, magro, corcunda, gambeta?

A cada dia amanheço diferente do dia anterior, minhas roupas nunca cabem em mim quando um novo dia amanhece; meus pés vivem machucados, pois cada novo dia é um calo novo, um sapato com um número diferente do dia anterior. Essa é a razão de meu espelho estar quebrado, pois minha raiva matinal é dirigida a ele a cada novo amanhecer, a cada nova estranheza, a cada novo desconhecimento de meu novo eu.

Os senhores acham que sou um caso terminal de esquizofrenia? Por favor, antes de emitirem um juízo de valor sobre mim, tragam um espelho aqui. Agora peço que cada um de vocês se olhe nesse reflexo e me digam se são ainda os mesmo que estão me interrogando desde que cheguei aqui? Por favor, contenham seu espanto, é assim que me sinto, pois pela vossa reação vejo que já não mais se reconhecem, não são mais, pelo menos no aspecto físico, as mesmas pessoas.

Como? O senhor era uma vendedora de batatas ontem? Parabéns, pelo menos hoje o senhor é um delegado de polícia, já eu acordo o mesmo – ou outro, tanto faz – estranho todo santo dia... Nada muda na minha mutação diária.

Mas, agora junto aos senhores, me sinto mais aliviado. Vejo que a minha triste condição não é mais única, embora não nos reconheçamos mais amanhã, saberemos em nosso íntimo, que não estamos sós nesse estranho mundo.

Que Deus faria isso a seus filhos?

2011/08/08

TRAGÉDIA EM TRÊS ATOS


I

...e num ímpeto louco ele saltou da janela de sua sala interrompendo de forma radical a reunião de diretoria, a primeira do semestre, onde era discutida a participação nos lucros dos acionistas.

Os colegas levaram segundos para entenderem o que havia acontecido. Foi preciso que os últimos cacos de vidro da janela pousassem no chão para que se ouvisse o primeiro grito.

Foi de Dona Silmara, secretária executiva bilíngüe a primazia do primeiro grito, um: -“aimeudeus” – agudo, histérico e levemente afrancesado, que fez com que os colegas conseguissem sair do transe.

Seguindo os gritos de Dona Silmara vieram soluços e desmaios, mas a maioria ainda seguia pregada ao chão, pois não seria um grito que os despertariam para a realidade que os abatia, não seria o vento que vinha da janela arrebentada desmanchando cabelos e espalhando papeis, gráficos e estatísticas que os fariam entender tamanha tragédia.

Eles só se deram conta mesmo do suicídio do colega quando o alarme do carro lá embaixo disparou com o baque do corpo. Ai sim, todos acorreram à janela, e espantados viram o corpo inerme, flácido, destroçado sobre o capô do carro azul.

Dona Silmara, tampando a mão com a boca esquerda, soluçava e balançava a cabeça negativamente e baixinho murmurava – não, não, não...

Ninguém entendeu nada, nenhuma pessoa teve a curiosidade de perguntar-lhe nada, aliás, pouca gente notou ou percebeu a agonia de Dona Silmara, que lentamente dirigia-se em direção à janela. Como um fantasma, vagarosamente, foi se aproximando e quando chegou ao buraco onde deveria estar a janela, reclinou-se para fora e gritou:

- Altemar, é brincadeira, eu não estou grávida!

O alarme do carro azul abafou o suspiro do cadáver. Lá de cima ninguém percebeu o alívio do morto.

Altemar usava uma gravata de listras, também azul, presente de Dona Silmara...

II

Ou

O Diretor espalha papéis sobre a mesa, olha nos olhos de cada um e pausadamente diz:

- Estamos quebrados, falidos, não temos dinheiro para pagar os fornecedores, não temos um tostão para os funcionários, e o pior, meu cunhado, acionista majoritário, jura vir me matar aqui hoje.

Alvoroço, ninguém arruma posição nas poltronas, e o mal-estar instala-se na sala de reuniões.

Dona Silmara, esposa do dito cunhado que jurou matá-lo entra na sala. Assustada, trêmula e gaguejando diz:

- O Ernesto, digo, Dr. Ernesto chegou. Olha para o Diretor e para Altemar – Ele está armado.

E como no começo dessa tragédia, Altemar corre em pânico, tenta fugir a todo custo junto com os outros subdiretores. O Diretor executivo, o cunhado do Ernesto empurra todos à sua frente, e no efeito dominó, Altemar é empurrado contra a janela, que quebra e ele cai, só parando sobre o carro de capô azul, que dispara o alarme, etc, etc, etc...

III

Ou

Altemar está sentado à mesa de reuniões. Espera pelo resultado da pesquisa que dirá o que o público está achando do novo produto posto no mercado.

Que produto? Não interessa, aliás, nem o próprio Altemar lembra qual é. Hoje seu problema é outro, é pessoal, ele está passando por um inferno pessoal de proporções cósmicas, colossais, ele pressente seu próprio apocalipse, ele sente que o fim se aproxima.

Mas como será o seu fim, como será? – ele se pergunta olhando para o teto com o olhar vago e perdido.

Some-se a isso uma insônia de três dias e a mais completa falta de interesse de Dona Silmara por ele.

Um caso começado na sala do café, estendido até o almoxarifado, consumado no motel onde o porteiro do prédio fazia o papel de gerente à noite.

Agora ele se pergunta o que está havendo, olha para o relógio e constata que a reunião está demorando muito para começar, pelo telefone pede um cafezinho para Dona Silmara e volta a divagar.

Divaga tão profundamente que dorme.

Quando chega o cafezinho, Dona Silmara pega Altemar pendurado ao batente da janela.

Antes de gritar a bandeja de café cai, o barulho desperta Altemar do sonho já recorrente, e enquanto o negro líquido mancha o carpete, ele olha para Dona Silmara e vê uma mulher de cinqüenta e três anos, gorda, com seios tamanho cinqüenta e quatro, pernas cambaias e cheias de varizes, um canino de ouro, lenço colorido segurando os cabelos crespos e brancos, que de boca aberta pergunta-lhe o que ele está tentando fazer.

Altemar olha para Dona Silmara, e ainda tonto, tentando entender o que lhe passa pergunta-lhe o nome.

- Ô Seu Altemar, o senhor voltou a tomar aquele remédio de novo, né? Meu nome é Nívea, Dona Nívea do café, tá “alembrado” de mim agora?

Altemar, olhando em volta, encarando Dona Nívea, ou seria Dona Silmara, olha para a janela e salta para o espaço.

-Se for um sonho eu acordo, se não for, não perco nada.

Lá embaixo, um carro azul acaba de estacionar.



2011/08/05

UMA HISTÓRIA DE PELE

Fim de tarde andando pela praia, o rapaz é parado por um homem mais velho, que suspeitamente lhe diz:

-... então? Gostou dela? Vi de longe que você estava olhando para ela.

- Sim...

- Viu esse corpo, esses cabelos negros?

- Sim..., mas qual seria a cor dos olhos dela?

- A cor dos olhos? Hoje em dia é a cor que o freguês quiser. Verde, azul, castanho, olhos de gato, branco. Aqui o freguês é que manda! Se quiser, ela pode ficar loira, ruiva, cabelos crespos...

- Bom...

- Então?

- Ainda estou pensando...

- Aposto que você fará muito sucesso com seus amigos... Veja só os seios dela. Como diria o Chico, “peitinhos de pitomba”.

- Foi primeira coisa que reparei nela...

- Então?

- Não sei o que vão dizer lá em casa... Minha família é muito católica, e se minha avó me vir com ela é capaz de morrer, meu pai me põe de casa prá fora...

Começa a escurecer na praia. As pessoas que passeiam por ali olham para ele e para o comerciante, deixando-o ainda mais constrangido com a situação.

- E então vamos fazer negócio? – diz jogando as tranças jamaicanas para trás - Outra linda como essa aqui você não encontrará assim por ai, isso posso te garantir...

Ele pede mais uns segundos para pensar, e enquanto olha para ela ali, quieta, muda, quase assustada, imagina ouvi-la sussurrar-lhe: - “Me leve com você”!

- Então, vai levar? Aproveite que o movimento está fraco hoje e te faço um desconto, a moça aqui não arrumou nada e preciso comprar o leitinho das crianças... – ri da própria piada e acende um baseado.

- Não! – Diz entre decidido e já arrependido.

- Então está certo, até mais. – fingindo pouco caso - Tem certeza que não vai levar a garota pra casa? Pra sua cama? Pro seus amigos te invejarem? Veja bem esses olhos verdes, os peitinhos de pitomba, cabelos negros... Tem certeza? Não é todo dia que se encontra uma obra-prima como essa. – diz cobrindo a imagem com a fumaça do baseado.

O rapaz olha para a figura no papel e responde mais para ela que para ele:

- Não, não posso te levar na minha pele, não posso não...

Mais uma vez, na última hora, desistiu daquela tatuagem.

2011/08/02

A Não-Declaração


Quanto estava ali? Nem lembrava, estava ali encostado na coluna fumando um cigarro e olhando para os olhos dela. Mergulhado naqueles olhos, naqueles olhos que não o viam, não o enxergavam, que olhavam através dele…
Mas aqueles olhos, aqueles malditos olhos… Se ao menos conseguisse se livrar daquele torpor, daquele feitiço ele lhe diria tudo o que passava em seu coração. Da sua paixão, da sua idolatria, do seu beijar o chão que ela pisa, da sua…

- Ei! Você está ouvindo o que eu estou dizendo?

Por um segundo ele baixou à terra, olhou em volta como quem acaba de acordar e percebe a guimba do cigarro preste a queimar-lhe os dedos. Do quê ela falava? Mas mesmo assim, meneou a cabeça afirmativamente, e fez-lhe sinal que continuasse a falar.

- Lembra do Antenor?

- Vagamente- responde; e ele a ouve contar sobre uma cantada recebida há tempos atrás, contado a ele em segredo – Olha só te conto isso em segredo, não vá espalhar por aí - de um colega de trabalho, que sim ele conhecia também (não gostava dele). Parece-lhe, que vagamente ouviu os detalhes, mas as palavras entravam-lhe nos ouvidos como chumbo derretido, as palavras lhe queimavam por dentro.

Ela deu todos os detalhes sórdido, detestáveis, repetiu as palavras que o sujeito usara, descreveu as inflexões, descreveu-lhe até o hálito de hortelã da bala que ele chupava para disfarçar o bafo da marmita do almoço.
Em seu íntimo, olhando para os olhos dela pressentia seu mundo ruir, desmoronar, se acabar, e chegar ao fim suas pretensões de declarar-se hoje, abrir-lhe de vez o peito, contar-lhe da idéia de largar a mulher, os três filhos, os canários, a valiosa coleção de selos, tudo, tudo, tudo.

- Argh!

Gritou um grito de dor, mas foi da chama do isqueiro que queimou-lhe o dedo ao acender, com as mão trêmulas, outro cigarro.
Seus olhos marejados viam a boca dela mover-se, as mãos sacudirem-se fazendo desenhos no ar, a cabeça virando de lado para outro, mas já não conseguia concentrar-se me mais nada.
Em sua cabeça desenhava-se o quadro de sua infeliz e desgraçada existência sem ela. Tragava o cigarro de forma a sufocar-se na fumaça, mas só conseguiu deixar tudo mais enevoado ainda.
Ela continuava a falar, mas nada mais lhe importava, nem ela, nem o outro, nada mais, ou assim pensava até que para colocar o último prego em sua cruz ela diz:

- Afinal eu amo o meu marido, tão pensando o quê?

O zumbi acende mais outro cigarro…

2011/08/01

Ringue



estrelas cadentes

coriscos

raios de luz

a vertigem

a lona branca

(o beijo fatal)

o tudo preto

o nocaute

MEU NOME É ERNESTO

Meu nome é Ernesto. Mais que um nome, uma maldição para alguém como eu, um leitor compulsivo e impressionável...

Já tentei ser motorista de ambulância e tudo que consegui foi ser taxista por cinco anos em Buenos Aires, mas prefiro esquecer esse assunto, haja vista nunca ter conseguido dirigir “sentado de lado”, mas vamos esquecer esse assunto, embora nos meus delírios de escrever minha biografia, pense em dedicar dois capítulos sobre os efeitos de misturar vinho tinto, parrilla e tango.

Mas...

Depois resolvi ser caçador e munido de todas as espécies de armas fui ao Seringuetí.

Mas tudo o que consegui foi me tornar fotógrafo de grã-finos fazendo safáris fotográficos. E depois de anos e anos servindo de alimento aos mosquitos mais sanguinários desse mundo sem nunca conseguir publicar uma foto sequer na National Geografic, desisti de tudo e resolvi voltar para casa frustrado; se duvidam do que digo aqui tentem procurar alguma coisa sobre mim, digitem meu nome no google e não encontrarão absolutamente nada.

Voltei mais magro do que fui, vítima de cóleras, picadas de cobras, comidas intragáveis, noites e noites mal dormidas, o barulho ensurdecedor dos mais variados insetos e outras pragas noturnas. Sem contar uma nativa que se apaixonou por mim e, dizem meus poucos amigos, ainda me procura nas areias do Saara, segundo cartão postal enviado quando de minha fuga daquele inferno.

Vendi todos os meus poucos bens – incluindo aí aquelas fotos recusadas pela National Geografic, minhas peles de zebras e outros antílopes que comprei no aeroporto quando voltei da África do Sul e fui ser pescador em Cuba.

E seguindo a tendência de fracassos em série, tornei-me a piada de Valadero. Se um dia o nobre leitor for lá, procure nos bares do cais as minhas fotos – nenhuma batida por mim, é claro – enfeitando as paredes e servindo de piada e passatempo dos bebuns decadentes.

Vocês já viram em desenhos animados em que o pobre infeliz “pesca” botas, sapatos, pneus?

Pois as minhas são reais, lá estão imortalizadas – embora embale a esperança de que um dia esses bares peguem fogo – para todo o sempre. Já conversei com turistas recém-chegados que comentaram terem visto alguém parecido comigo “posando” para fotos ridículas...

Como dói em meu peito ouvir isso todos esses anos! Tenho ganas de arrancar a minha barba branca – tingida –, meu Deus, nem para isso sirvo, pois mesmo nessa idade avançada, ela continua preta feito carvão!

Cultivo uma rotunda barriga, tornei-me briguento, birrento, grande contador de casos, mentiroso – pois colecionar fracassos me tornou “impermeável” a amores, amantes e mulheres em geral – e um imbatível bebedor.

Para que ninguém diga que passei pela vida sem conhecer qualquer tipo de afeto, apresento-lhes Penélope, uma gata vira-lata de três cores e cega do olho direito – fruto de uma briga com outra felina -; é tudo que tenho como uma “âncora” emocional.

Encontrei Penélope numa noite negra depois de uma bebedeira que me fez vomitar as últimas tripas que guardava com algum carinho dentro de mim.

Ela aproximou-se de mim com aquele olhinho esquerdo arregalado e começou a lamber a minha mão que ainda recendia a sardinha - minha única refeição naquele dia. E desde então, ela me é a única companheira e herdeira de minhas derrotas – já imaginaram o que sobrará para essa pobre criatura?

Hoje acordei com dores terríveis nas juntas, e constato que o que faltava para a total decadência – o reumatismo – chegou.

O que tinham meus pais em suas cabeças quando me batizaram com o nome de Ernesto?