Chego cedo ao escritório. Não que eu seja mais trabalhador que os colegas ao lado, não, nada disso. Chego cedo somente para ficar mais tempo sozinho com meus pensamentos, enquanto eles ainda são meus, no pé que vai minha vida, logo, acho, nem isso será mais meu somente uns setenta por cento, se tiver sorte.
Estou sentado à minha mesa, olhando fixo para o monitor do computador, o silêncio, a sala vazia, somente o som do tráfego lá fora, e na cabeça as minhocas da preocupação. Não é bom, mas é o melhor para o momento.
Mas, passados poucos e maravilhosos minutos de silenciosa preocupação chega ele, o colega que se senta à mesa ao meu lado, i-me-di-a-ta-men-te ao meu lado, praticamente, ombro-a-ombro. Joga sua mochila na cadeira e quase gritando, pois, pensa ele que sou surdo, pergunta-me se vou almoçar na rua ou se trouxe marmita.
Volto à terra.
Pulo da cadeira com o susto.
Miserável.
Todos os dias a mesma pergunta, almoço-na-rua-ou-marmita? Seguido do tudo-bem-com-você?
A rotina.
Sentado com seus cento e vinte quilos de pura simpatia, começa a desejar bons-dias a torto e a direito para os colegas que vão chegando, falando de como foi a sua noite, o que assistiu na tv, o que jantou.
O que jantou é a senha para pegar uma fruta na mochila, e começar a roê-la.
- Runch-runch-crunf-russssh-chof-chof-smuffff…
Se um dia eu tiver que descrever como se escova um cérebro, direi que esse é o som - omitindo apenas o perdigoto que ele dispara enquanto fala.
Afundado em problemas financeiros - quiçá me preocupasse como antes com os existenciais, o fim do combustível do sol que se apagará daqui a vinte e cinco milhões de anos, de onde viemos? para onde vamos? – estou criando coragem para ir ao banco tentar um empréstimo. Para cada cálculo financeiro, uma mastigada com efeitos sonoros, para cada juro, um perdigoto, para cada ensaio de lamúrias ao gerente, uma bravata sexual do colega ao lado...
Resolvo ir ao banheiro. Lavar o rosto, olhar a janela, considerar em quantas parcelas pagar o dito empréstimo...
- Vai ao banheiro? – fala ele mastigando a frutas junto com as palavras - Vou aproveitar a carona e escovar os dentes...
Rosno e pergunto ao “Bom Deus” o que fiz para merecê-lo. Tento responder que vou, que vou, que vou.... Mas desisto, onde quer que eu vá, ele irá me acompanhar.
Entro, e logo me tranco numa das cabines, crente que ali, por alguns segundos terei a paz que anseio para terminar meu discurso para enternecer o coração do gerente do banco, mas que doce ilusão!, de frente ao espelho, escovando os dentes, ele continua a falar, fala com a escova na boca, fala passando o fio dental, fala, fala, fala, fala, minha saída (não, minha saída não é o vaso sanitário, não ainda) e ficar dando a descarga continuamente. O som escatológico-borbulhante-trovejante da água azulada que rola encanamento à baixo, por alguns segundos bloqueiam o som de sua maldita voz.
Passado os rápidos segundos (sim, é um terrível pleonasmo o “rápido segundo”, eu sei) eu o ouço gargarejar:
- O negócio ta ruim aí hein? Que barrão! Barbaridade! O que você comeu...?
- Vou matá-lo, de hoje ele não escapa, nãoescapanãoescapanãoescapa, é só eu voltar do banco, que de hoje ele não escapa! – murmuro roendo as minhas unhas.
2 comentários:
Ahh meu caro Ranzinza!!! Quem está livre de um ser desprezavel que insiste em ficar no seu pé?
Percebemos claramente que nesse mundinho estranho oq mais tem são pessoas que não se mancam!
kkkk
Adorei!
EXCELENTE!
Esse merece. Caramba. Quase pulei da cadeira aqui. (você escreve bem, viu?)
Ninguén merece.
Beijos
Mirze
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