2012/02/29

LOUCURA

vejo as janelas abertas
e uma vontade irrefreável de bater os braços
e voar me inundou
não fosse a camisa de força...

as paredes
as paredes de carvalho
as paredes sólidas
firmes, retas
o teto branco
alto
a luz clara do dia
o sol
e o azul do céu clamam por mim
mas essa camisa de força...

os passos na rua
a buzina dos carros
o barulho das motos
as vozes dessas pessoas à minha volta
sirene dessa ambulância...

as paredes brancas
as cortinas brancas
as moças de branco
os homens de branco
os lençóis brancos
o travesseiro branco
os comprimidos bancos em copinhos
igualmente tão brancos
e baba grossa
– que espuma em minha boca –
é também branca...

A QUEDA DE GERMANO


Vagarosamente, devagar, quase em camera lenta Germano cai. Como se estivesse numa gravidade lunar, sua cabeça aproxima-se vagarosamente do chão de pedras.

Numa vagarosidade vertiginosa Germano vê o chão vir em sua direção. Seus braços pesados como chumbo estão imóveis, não, não imóveis, mais parecem braços feitos de panos, balançando-se feito bandeirinhas ao vento, eles não mais obedecem a sua vontade. Germano não consegue faze-los amparar a sua queda.

O chão aproxima-se mais e mais.

As pernas, como arames, estão enroscadas uma a outra, os seus pés, parece, trocaram de lugar, onde deveria estar o direito, o esquerdo, e vice-versa.

O chão aproxima-se ainda mais.

O rosto de Germano estampa o desespero, a perplexidade, a impotência. O chão sujo está ainda mais próximo. Sua respiração está suspensa, seu coração bate tão rápido que parece que parou.

A paisagem á sua volta tornou-se um borrão multicolorido, enquanto cai Germano espanta-se com o repentino silêncio, tudo parece parado, estático, congelado.

O chão mais perto.

Germano voa, desliza pelo espaço qual um super-homem de história em quadrinhos, verticalmente flutua, cai...

O chão duro recebe o corpo de Germano.

Encabulado Germano levanta-se, amarra o cadarço de seus sapatos e segue em frente, embaraçado, envergonhado, com vontade morrer de vergonha.


2012/02/28

"TODAS AS 'PUTAS' VÃO PARA O CÉU"



Não me lembro onde foi que eu ouvi uma vez essa frase assaz interessante, "Todas as putas vão para o céu", aquilo ficou encasquetado na minha cabeça. Raramente se ouve falar bem de putas, deve ser, eu acho, por causa dos filhos delas, coitadas, afinal elas não têm tempo suficiente para educá-los, e eles acabam indo para Brasília, ou virando juízes de futebol, motoristas de taxi, caminhoneiros, funcionários públicos e outras pragas sociais...
Mas não vamos tergiversar, sigamos com as putas, digo o assunto.
Acho que ouvi essa frase num bar, num dos muito brindes¹ que se fazem a torto e a direito, quando os vapores do álcool sobe às cabeças. Brindamos a tantas coisas sem sentido... Que atire a primeira pedra aquele que em sua juventude, não freqüentou a zona de prostituição² . Que aprendeu o B-A-BÁ do amor carnal (de onde tirei isso meu Deus?). Que atire a primeira pedra, aquele que não saiu em matilha
Caçando feito um cão faminto, farejando de porta em porta, de puteiro³ em puteiro, entrando naqueles hoteizinhos de quinta categoria, todos tendo como fundo musical aquelas pérolas da música brega (recuso-me terminantemente a dar exemplos, até porque eu não freqüentava esses antros de perdição), segurando uma cerveja até ela esquentar, por falta de dinheiro para consumir outra.
È...
Essa era vida antes da internet. Eu tinha um colega, que era chamado de "O Pai da Zona*", aonde chegava era uma festa, as putas iam abraçá-lo, e ele pagava cerveja para elas (e ele sorria feito um coronelzinho de terreno baldio), parecia uma cena de livro de Jorge Amado. E olha que devíamos ter à época mais ou menos uns dezoito anos, nas loucuras da recém chegada maioridade. Lembro que tínhamos dois medos que nos perseguiam (e que temperava a aventura), a saber:

1. Que algum conhecido de nossos pais nos visse,

2. Gonorréia4

Vejam como as coisas pioraram de lá prá cá!...
Fazendo um tim-tim proponho um brinde às putas, afinal: "Todas vão para o céu".
Sei que vocês meus contemporâneos se lembram dessa época5 !










*Criatura citada forma pejorativa, patética e ridícula no conto O VELHO BILL, AS FLORES E EU pulicado nesse blog.

[1] Tim-tim
[2] A BOCA pros íntimos
[3] Espero não ofender o leitor com tais palavras.

[4] Blenorragia para os mais sensíveis
[5] Silvio, Memorioso, Besta-Cinzenta e outros tantos...



2012/02/27

O ZEN-BUDISMO RESOLVE?



Oito e cinqüenta e cinco.

O tempo passa e logo ela chegará.

Estou aperfeiçoando minha técnica zen-budista de concentração e de desligamento da realidade à minha volta. O meu mestre é severo e cobra caro, mas parece que sou um bom aprendiz, pois às vezes consigo realmente me desligar do mundo, só voltando quando sufoco. Essa é a parte ruim do negócio, me desligo tanto que me esqueço de respirar. Mas logo vou superar essa fase.

Nove horas.

A qualquer momento ela entrará...

Chegou.

“Ozérobertovaimorrerelevaimorrerjáestouatévendoquandochegaremcasaànoitevouencontrareleestiradonochãodacozinhaqueueacabeidetrocaropisoeaindaestoupagandoelevaiestarmortomortomasnãopenseelequeporcausadamortedelevoudeixardefazerminhaviagemhanãovoumesmovocêbemsabequejáestoupagandoaviagemfazseismeseseeuaviseiqueseelenãosecuidasseemorresseeulargavaelemortonochãodacozinhamesmoeuatéjáfaleiparaaminhafilhaqueseelemorrernochãodacozinhaeeulargoelelámesmoevouviajar...

Ela pega o telefone, começa discar e continua falando :

“...vouviajareelequesedanenãosouempregadadeleeusouaesposaesposaalôfilhaestouteligandoparadizerqueozérobertoquermorrerevaimorrerestouvendoahoraquevouchegaremcasaeencontarelemortonochãodacozinhaagoraqueueacabeidetrocaropisosimaquelepisoclaroquevocêgostoutantolembrapoiséelevaimorrereeuvouviajardequalquerformaestouteavisandoparadepoisnãodizeremqueeusouissoeaquiloelevaimorrerelenãoquertomarremédionãoquersetratarnãoquercaminharcomigonapraiaelevaimorrereeunãovoudeixardeviajarporcausadeleporfalarnissoprecisoligarparaacostureiraevercomoestáomeuvestidodenoitequeuemandeelafazerparaobaileànoitenonavioeleévermelhocomdetalhesemamarelorosalindolindoigualzinhoovesitodaeduardinhaelaestáaí?euquerodarumapalavrinhacomelaafinalelaprecisasaberqueoavôdelavaimorrervaimorrerlánacozinhaqueeutroqueiospioporessesdiashaporqueelefazissocomigomedigaafinalvocêconseguiuaqueleempregoquemestáfalandoorameninaeuestavafalandocomasuamãedizendoqueseuavovaimorrerparedechoraremechameasuamãeentãoestavafalandodovestidovermelhoentãomeninavocêprecisaverquelindoeleémeudeuseuaquiperdendomeutempocomvocêeassimacaboesquecendodeligarparaacostureira...”

Não sei como acabou a história. Lembram-se daquele meu problema com a concentração zen-budista?

Desmaiei e fui retirado da sala, voltando a mim lá na cozinha sob abanos dos colegas, que preocupados teciam comentários sobre minha pressão arterial, taxa de glicose, se teria ou não tomado café antes de sair de casa, se não seria aquele maldito cigarro que eu nunca tirava da boca...

Tudo isso me aconteceu às nove e quinze da manhã e o meu expediente termina às dezessete horas. Então, munidos de uma calculadora, vejam quantas vezes ainda desmaiarei hoje?

2012/02/23

Assim sou

Assim sou
Sou o que falo
O que não falo
O que quero dizer
Que nego o que disse
Que disse sem dizer
Sem querer
Sim, assim sou
Quem me conhece
Sabe
Ou pensa que sabe
Ou sabe e nem percebe
Assim sou
Assim pareço
Transpareço
E desapareço
Não explico
Não confundo
Mas sou profundo
Quando explico
Se explico
Sou claro
Nunca hermético
Nunca raso
Mas
Se assim sou
Nada espere
Nada cobre
Nunca chore
Pois se assim sou
E sou assim
Logo faço rir
Esquecer
Seguir em frente
Pois assim sou
Basta?
Não basta?
Não me importa
Pois sigo assim
Sempre assim
Pois só sei ser assim

AGORA É CINZA

A poeira já baixou
O batuque já parou
O bonde já estacionou
O silêncio
(ouçam)
baixou sobe todos nós
há confetes nos vãos das ruas
na raiz dos cabelos
nos bolsos
nas bolsas
o cansaço reina
onde antes reinava Momo
o carnaval já se foi
as fantasias também
(todas elas, todas elas)
Agora é cinza
Tudo é cinza!
Voltamos à rotina
Com vontade de dizer:

- Feliz Ano Novo!

Agora é cinza
Bato meu ponto
E volto ao trabalho
E tudo é igual
Sempre igual
Sem ilusões ou fantasias
Agora tudo é cinza

2012/02/17

FADO

fado
destino triste o meu
ter uma portuguesa
ainda mais triste e
infeliz
que eu
a cantar suas dores
(tantas)
do raiar ao entardecer
a mesma música
(que canta errado)
a me enlouquecer

2012/02/13

ILHA AMALDIÇOADA

(os corvos, crocitam)

ilha amaldiçoada
mentes tua nascença
e propagandeias essa falácia
(até no exterior)
humilhas teu povo
que paga os impostos em dia
ilha amaldiçoada
que o mar não te engole
que a terra não te devora
ilha amaldiçoada
poluis o mar que te cerca
cagas a água bebe
(e pagas por ela)
sujas a terra que pisa
tratas teus cidadãos
como se crustáceos fossem
deixa-os em mangues
doentes e sub-humanos
ilha amaldiçoada
pois sois sim, a bem da verdade,
o portal do tártaro
onde a cada quatro anos
elegemos um caronte novo
(isso quando não o reelegemos!)
para nos manter no rumo certo
direto ao inferno
ilha amaldiçoada
tens tuas vias expressas
com buracos, lombadas
crimes e mortes
ilha amaldiçoada
terra de mosquitos
doenças e vereadores demais
mentes em ser a primeira
quando na verdade sois a última
ilha amaldiçoada
das grandiosidades vazias
do farol inútil
(alguém me diga a que se presta aquilo?)
das ruas sem luzes
sem asfalto
sem higiene
ilha amaldiçoada
onde as crianças
são loiras por anemia
barrigudas por vermes
doentes do nascimento à morte
das jovens mães de tantos filhos
(de tantos pais diferentes)
ilha amaldiçoada
das palafitas
dos pés na lama
do horizonte tão curto
dos urubus em cada esquina
ilha mil vezes amaldiçoada
que o português após fundá-la
deixou-a para a esposa administrar
e foi ser capitão-mor do mar das índias
deixando cá seus silvícolas
ilha amaldiçoada
cujo o único bem
de real valor desconheces

- oh! memorioso...

bem que tentastes me mostrar
algo de valoroso por essa terra
mas hás de concordar
ainda não lograstes tal intento!
ilha amaldiçoada
te tantos hospitais e tão poucos médicos
ilha de obras grandes, vazias e inúteis
onde nem teu padroeiro dá remédio

- bebam pois em teu santo nome, em vão!

ilha amaldiçoada que já foi das vinhas
e hoje és de minha ira
ilha, que bem te fez assim o criador,
pois se fosses um continente...

(e os corvos, crocitam)

2012/02/08

O ÚLTIMO CAFÉ DO DIA

Sentando-se à mesa o velho poeta, pediu um café e acendeu um cigarro*, folheou erraticamente a revista à sua frente, seus olhos corriam as página mas nada liam, seus pensamentos voam longe deixando lá o corpo sonâmbulo, o café frio, o cigarro queimado e uma revista desfolhada e amassada.
O garçom olhava par o relógio de cinco em cinco minutos esperando a hora de fechar o bar, o chão já estava varrido, todos os copos e xícaras lavados, lixo recolhido e o velho ali sentado esperando sabe Deus o quê. No céu as primeiras estrelas começava a piscar suas luzes, os ônibus lotados levavam as pessoas de voltas para suas casas e ele ali esperando o sujeito ir embora.

- Hoje perco a hora, o ônibus e a minha novela. – resmunga para o velho na mesa ouvir, mas na da aconteceu, pois o velho agora começou a mexer o café frio com a colherzinha e acendeu outro cigarro.

O garçom olha para a placa na parede onde se lê “Só fechamos quando sai o último freguês”.

- “O último freguês pagante”! – completa rangendo os dentes.

O tempo passa, o chão é todo varrido, na rua o caminhão do lixeiro recolhe os sacos e latas de lixo, os ônibus agora passam mais vazios e esparsamente, as ruas esvaziam, e o velho continua sentado.

- Pelo menos agora ele fumou um cigarro inteiro! Fala o garçom para seu reflexo na prateleira do bar.

Ele já não tem mais o que fazer, e olha para o relógio; mais o que limpar, e olha para o relógio; mais o que arrumar, e olha para o relógio; coloca as cadeira sobre as mesas e põe-se a apagar as luzes – olhando para o relógio - pois assim, quem sabe, o velho levante-se e vá embora...
Uma a uma ele começa a apagar as luzes até que somente uma sobre a mesa com o velho agora frio, duro e com os dedos médio e indicador queimados pela brasa do cigarro...

- Meu São Jorge, mas era só o que me faltava hoje! – grita o garçom jogando a vassoura contra a parede.






* Lembrem-se, isso é ficção!

2012/02/07

PENSANDO NO ESTRANGEIRO

Com o calor de hoje, simpatizei um pouco mais com o “Estrangeiro” de Camus.
O Sol reverberava nas ruas deixando o ar dançando uma dança homicida/suicida, me deu medo!
Procurei uma sombra, não tinha...
Uma saída?
A mais temerária.
No escritório me esperava o ar-condicionado.
Quem é mais condicionado, eu o ar?
O termômetro sobe, o crime me espera.
Penso numa praia, e vejo as areias escaldantes.
Essa imagem me remete, outra vez ao Estrangeiro...
Isso vai mal...
Quando tudo der errado, direi somente isso:

- Foi o sol, o calor estava muito forte!

2012/02/03

O Meio e o Fim

(necessariamente nessa ordem)


Será que só eu desse lado do universo acho que o trabalho É o MEIO e não o FIM das coisas?
Cada dia mais que passo nesse plano de existência, mais me desespero com os bípedes-mamíferos que cruzam o meu caminho, trabalham comigo, que sou obrigado a dizer “bomdiacomovai?” no elevador.
Esse onívoros com quem sou obrigado a conviver estão me levando à loucura, antes vivia conformado que essas bestas bípedes não tinham mais salvação, mas agora cheguei à conclusão que elas querem que eu perca o (muito) pouco que resta de consciência e desça ao nível de animalidade em que elas chafurdam diuturnamente.
Elas perderam todas as características que as tornavam humanas, se é que por serem bípedes e mamíferas, já foram humanas um dia.
Não me cabe julgar! E tão pouco quero.
A doida com que tenho o (des)prazer de trabalhar é uma solteirona, que nada mais faz na vida além de trabalhar. Nada faz fora do horário de expediente. Não tem amigos, hobbie, passa-tempo, tara, mania, um cachorrinho para esperá-la abanando o rabo...
Vive única e exclusivamente para trabalhar.
Nada mais sabe da vida, que está toda encerrada entre as paredes dessa maldita repartição.
Hoje ela se excedeu, extrapolou, foi além, superou-se a ponto de conseguir tirar-me do sério, não que ela mereça uma medalha por isso, perco a cabeça por pouca coisa, mas por alguma razão, eu tinha por essa criatura, um misto de compreensão/piedade, (fruto de uma formação cristã, hoje de toda abandonada!) aquele sentimento nobre que temos por um animal largado na rua em dia de chuva, sabem como é?
Pois hoje perdi as estribeiras.
Falei o que tinha a falar, nem mais e nem menos. Não “lavei a alma”, mas disse o trazia há tempos no peito e engasgado na garganta.
A barra pesou. Mas serviu para eu ouvir, algum tempo depois um: “Por favor Roberto”- parece pouco, mas é uma vitória.
Logo ela voltará do almoço estressada, e alguma coisa me diz, que tudo voltará à estaca zero.
O que me dá uma certa pena, é que, quando ela morrer, não pararemos de trabalhar para irmos ao seu velório (eu por exemplo, não irei), embora o seu trabalho (de viver entre nós) tenha terminado, a (nossa) vida continuará, e um outro continuará o seu “tão importante” trabalho, que a afastou do mundo.

“Afinal a vida segue e os papeis procriam-se feitos ratos e baratas”.

Sempre tive para mim que o trabalho é o meio, e viver bem essa vidinha (às vezes de merda), o fim.
Posso estar errado, mas, e daí?


2012/02/02

JEREMIAS


Dezenove horas, está escuro e Jeremias, encostado no muro de sua casa mira o mar, que por já estar perto do inverno, está bravo. O barulho das ondas enche o ar, e gosto do sal chega à sua boca. Jeremias fuma, e solta uma longa baforada azul, deixando uma névoa bem particular à sua volta.
Estrelas brilham no céu azul e frio, alguns vaga-lumes renitentes ainda voam tontamente, talvez despedindo-se uns dos outros e comprometendo-se a se verem no próximo verão, ri e pensa Jeremias envolto em uma nova baforada.
De repente Jeremias fixa o olhar lá longe no mar (o que vê Jeremias?).
Ele coça a cabeça, pigarreia, dá outra baforada e força ainda mais o olhar, tentando ver a forma ainda sem definição no mar.
Ele pensa ser uma gaivota perdida de seu bando, - o som não é de gaivota – diz para si mesmo Jeremias.
Enquanto pensa nisso, Jeremias dá mais uma baforada, longa, bem longa e solta a fumaça lentamente, e outra névoa levemente azulada se forma ao seu lado.
Uma mancha branca aproxima-se dele voando, e como um raio, raspa-lhe a cabeça e quase arranca-lhe as tranças rastafari e grita:

- Abunda-me de ti, ó Senhor!

Jeremias, assustado sente a terra tremer sob seus pés descalços, ao olhar para cima procurando pela gaivota ele vê as estrelas tremeluzirem e começarem a se apagar, os vaga-lumes como num arco-íris em espiral sobem para o breu celeste e desaparecem também, aterrorizado com toda essa escuridão, Jeremias expira toda a fumaça de seu peito, joga fora o seu cigarro e pensa enquanto é envolvido pela azulada névoa:

- Preciso parar de fumar essa droga! - jogando o cigarrinho fora ele corre para a praia.

Entra n’água até a altura dos joelhos, olha para trás assustado procurando pela ave e mergulha. Enquanto o corpo afundava n’água ainda ouve a gaivota gritar outra vez:

- Abunda-me de ti, ó Senhor! – e dava outra rasante desenhando um risco n’água à procura de Jeremias.

Jeremias ficou no mar até o amanhecer quando o bando de gaivotas voltou com seus gritos anárquicos e estridentes, mergulhando no mar a procura de peixes, abafando assim os gritos da gaivota catequista que voando em círculos, ainda gritava:

- Abunda-me de ti, ó Senhor!