2012/07/31

PLAFT



A manhã começou muito estranha, muito estranha...
Saiu a toca, não cama, espreguiçou as patinhas - tantas – não as pernas e braços, saiu arrastando-se pelo chão e não andando como um homem, e quando percebeu as anteninhas na cabeça um chinelo extinguiu-lhe a vida – tão breve e desconhecida!
Nem todos tem por destino virar um livro famoso...



2012/07/30

CAFÉ & CHUVA




Caminhando na rua sob a chuva, sapato escorregando nas calçadas, o blazer fechado, me protegendo do vento frio, deixei meus pés me levaram ao Café.


Minha mesa lá estava lá e o local praticamente vazio, rápido atendimento. Ele quentinho na xícara, o aroma, a fumaça subindo em direção ao meu nariz gelado, ah se eu pudesse fumar ali dentro...

Próximo a mim as caixas de som tocavam Dianna Krall. Meu Deus jazz, chuva e um Café vazio, isso dói.

Sorvi o divino líquido pensando nos amigos que tempos atrás se sentavam ali comigo...

Sei lá, mas esse tempo húmido, as mesas vazias à minha volta, eu ali sozinho, tudo isso numa segunda-feira, me deixa numa melancolia do diabo¹.

Da minha mesa, perto da porta, mas atrás de um pilar que me deixa ver a rua sem ser visto por ninguém lá, mesmo só ainda escolho quem quero ver, essa dicotomia ainda me mata. Por um segundo, por um mísero segundo quase mudei de lugar.

Quase...

Pedi outra xícara, nem demorou muito e fui logo servido.

Lentamente o adocei, fiquei girando a colherzinha distraído e distante, ao lado o jornal do dia, mas por azar não levei os óculos de leitura. Mexendo o café continuei pensando nos amigos ausentes, lá fora chuva caindo, meus pés molhados, os cabelos desgrenhados e eu sozinho no Café.

Poucos minutos que me pareceram uma eternidade. Levantei-me, fui ao caixa, paguei os cafés e fui embora.

A chuva me pareceu mais fria e o caminho de volta ao trabalho ficou mais longo, acendi o cigarro e segui em frente...



 
 
[1] Quem disse que o Diabo é melancólico? Ora, o Magrão que responda isso!
 
 
 
 
 
 

2012/07/27

ESPERANDO RESPOSTA



Queria perguntar
              Indagar
              Inquirir
              Saber
              Perquirir
              Perscrutar
              Averiguar
              Verificar
              Saber mesmo
Assim – assim meio cheio de dedos...
Pisando em ovos
Se você gostaria
Se interessaria
Quiçá mesmo pro futuro
(nada muito distante, afinal os anos andam passando tão rápido ultimamente...)
Se estaria em seus planos
Se não estiver muito ocupado
Coisa assim de estudar com aprofundamento
Um lance de extensas reflexões
Um dia
Não muito longe
(vide 15º linha)
Distante
Remoto
Voltar a ser meu amigo...

PLANOS



Na mão direita a carta de demissão
na jaqueta um poema de amor que jamais seria entregue
no bolso da calça um par de alianças que...
amanhã, se der sorte, manchete de jornal




2012/07/26

FATO


As moscas pousam
(uma mancha negra)
Na cabeça
Da criança morta
Apoiada no colo da mãe
Magra e faminta
Ninguém faz nada mais
Além de fotografar
A miséria é feia ao vivo
Mas vende
Jornais e revista
Deixemos tudo como está
Assim é esse mundo
Pois se ela (a mãe) precisa comer
Suas migalhas
Eu também preciso
Da minha lagosta e caviar
Assim é a vida
Uns tem outros não
Essas são as regras do jogo
Clic clic clic
Veja ali naquela esquina
Um morto de crack
Clic clic clic
O mundo é cruel concordo
Mas faço a minha parte
Te mostro
O que tu finges que não vê
Sou cínico?
Talvez
Mas os outros (que não eu, não eu)
São os assassinos
Somente te mostro
O que tu finges que não vê
Assim é esse mundo
Somente te mostro
O que tu finges que não vê

CRIAÇÃO


Enquanto a poesia não vem
A caneta vai prá lá e prá cá
Riscando
Rabiscando
Esperando
Pela inspiração..

MISSIVA



Completamente sozinha comemorou suas suas bodas de ouro tomando cicuta numa taça de cristal da Boêmia.
Esperando pela morte, escreveu sua última carta de amor si mesmo. Mas não teve tempo de selá-la...



A corda
- afinada em dó -
Sustentou bem o corpo
Mas o pescoço
Quebrou...

O CIRCO DA VIDA


A dor de corno do engolidor de fogo fez da matinê de domingo um espetáculo ardente, o mágico só ficou sabendo do incêndio, à noite, pela televisão no motel onde estava com amante.

2012/07/25

RINGUE


estrelas cadentes
coriscos
raios de luz
a vertigem
a lona branca
(o beijo fatal)
o tudo preto
o nocaute

2012/07/24

VIDA DURA



Levava sua vida de cão tão a sério que antes de dormir (e apanhar do marido) sempre enchia um potinho com ração e outro com lágrimas.
E assim ia levando a vida à espera da carrocinha que um dia a libertaria.

2012/07/23

FOTO FANTÁSTICA



Gritei ao velho na janela:

- sorria!

e ao fazer cairam-lhe os dentes...



ODE AO TEMPO PASSADO


onde os bares de antanho
as conversas
os planos e projetos
as discussões filosóficas
os banhos de água mineral
nas mesas de bares
as cervejas ruins
o Ivan se metendo nas conversas
os pés-sujos cinco baratas
cachaças com patcholi
aranhas e escorpiões
onde a juventude meu deus
teu amigo petista roxo
sempre um passo atrás de nós
a lata de tinta azul-royal
(francamente!)
os ensaios
aquele monólogo para duas pessoas
os palcos
a plateia
aquela feijoada tarde da noite
(quando não alta madrugada)
o Lalá e sua indigestão
cadê tudo isso
cadê a Caxuxa
não, não me responda...
o “relativo”
o luso da “baca”
os balcões, tantos
o Terraço Itália...
(ok, choveu naquele dia...)
o mundo era nosso!
os anos passaram tão rápido
veja quanto ficou para trás
e nós seguimos em frente
e veja só Vadinho
num momento de distração
ficamos com barriga
sem cabelos
e nos perdemos numa encruzilhada qualquer


2012/07/20

O PIOR


Após o telefonema, anônimo, correu para casa esperando pior, o pior. Abriu a porta silenciosamente, segurando a respiração, olhos fechado - espera vê-la - com o outro, mas qual não foi a sua surpresa em ver o apartamento vazio. O outro levou sua esposa e todos os móveis.

- Esperar o pior não falha - suspirou

INVERNO


Dia frio
Céu azul
E dedos roxos

2012/07/16

PERGUNTA


Nas areias brancas
Sem fim
Um barco jaz encalhado
De que mar teria vindo?
Será que ainda o esperam em algum porto?
O vento sopra
E grão a grão
Esse barco singra
Em direção ao esquecimento

2012/07/15

ALMOÇO DE NEGÓCIO

O pimenteiro e o saleiro ali na sua frente, o sal, a pimenta, a conversa fiada, o falar muito, não dizer nada, o sal e a pimenta à sua frente, o cardápio com comidas impronunciáveis, sabores desconhecidos, o sal e a pimenta à sua frente, tomou um gole de vinho, quis esvazia a taça, mas o vinho era muito seco, a pessoa à sua frente falandofalandofalandofalando, tomou outro gole, tão ruim era o vinho que não conseguiria embebedar-se para suportar tal lengalenga, o cardápio não o atraia, a conversa tirara-lhe todo o apetite, o vinho lhe embrulhara o estômago, mas o sal e a pimenta no seu campo de visão o impedia, em parte de olhar para o seu interlocutor que não parava de falar, agora vinha com suas digressões sobre política, sua sempre bem colocada opinião sobre tudo, sobre todos, sobre economia, saúde, educação, religião, tudo estava no seu campo de conhecimento, nada. As horas passavam – seriam dias? - , a fome se foi, a sede insaciada e o sal e a pimenta à sua frente, as horas arrastavam-se, e ao menos pudesse acender um cigarro...

Olhou para o relógio, somente meia hora havia se passado!

2012/07/11

AMANTES


Naquele beco escuro
Um lugar comum
Amantes ordinários
Encontravam-se furtivamente
Para trocarem, como celerados,
Beijos roubados

MARGARIDA



Pétala a pétala
Uma a uma
Uma sim
Uma não
Pétala a pétala
Uma a uma
Sim
Não
Descobriu-se
Não amada
E o chão
Manchado de
Amarelo e lágrimas

FIM DE JOGO


- Vamos por as cartas na mesa!
Ele jogou quatro azes e um curinga
Ela, as cartas do Adolfo, seu amante.

2012/07/06

SONHOS NEM SEMPRE SONHOS SÃO

Alimentando-se de sonhos
Um dia engasgou-se com um pesadelo
E morreu engasgada

BENTO

Religiosamente ele aspergia de sua água benta. Um gole de cachaça
E uma cuspida no chão

PENSAMENTOS


Pensar no mar é lindo
Se está no deserto
Pensar na terra é maravilhoso
Quando estamos a nos afogar
Menu é literatura na Etiópia
E besteira quando a barriga está cheia
Assim somos...
Mas isso não quer dizer que me conformo, não, não, não
Pobre do Compañero Castro

                                                                                                                                                                                       (diz ai Silvio!)

FIM DE NOITE


Cigarro na bituca
Os copos largados sobe a mesa
Os pratos sujos, que logo o garçom vem buscar
A lua feito besta no céu
Positivamente a noite está no fim
Mas ainda tem conversa
Ainda tem casos
Causos
E tantas historias e mentiras prá se contar
(Né mesmo Vadinho?)
Só nos resta uma solução
                                                                           - Garçom, tudo de novo outra vez!
As garrafas chegam
Os copos se enchem
O céu vai ficando vermelho
Logo trocaremos as últimas cervejas
Pelo primeiro café...

2012/07/05

DESPEDIDA


Não vejam aqui nesse caixão o morto que estou
Mas o vivo que fui um dia
Não chorem sobre o corpo
Mas riam como riamos em volta dos copos
Não pensem
- Ele se foi!
Mas assim:
- Nos aguarde, vamos logo!

ESTRANHAMENTO


Ao entrar na casa me surpreendi em reconhecê-la por completo, mas havia um elemento dissonante lá, aquele quadro ali na parede, aquelas pessoas não eram da minha família, e juro, o patriarca na foto olhava para mim com olhos graves e reprovadores. Mas a mobília e tudo mais me eram tão familiares...
Então tocou a campainha!

2012/07/04

DUREZA


Ao cair duro e morto
Deixou em casa a família
Dura, faminta e endividada
Ninguém chora por ele
Mas choram diariamente
Para o gerente do banco

2012/07/03

CARINHO

Aliso tua coxa
Ela é lisa como uma seda
Se de cima para baixo
Mas de baixo para cima
- Que peixe és!
Só escama...