2017/07/24

PARANAPIACABA


na serra a névoa
densa, na grama,
o galinho vermelho

nos bares
sorveterias lá
reina o cambuci

da cidade alta
à cidade baixa
a névoa cobre a ponte

os trilhos de ferro
a história enferrujada
a decadência reina

cenário terrível
um doce pavor
já passa das duas.

um big-bem de fantasma
gente nas névoas
cidade doutros tempos

o trem já não passa
passa o tempo de devagar
e devagar rói tudo

sem sol
sem lua
sempre a névoa

APÓS O PASSEIO


sim companheiro minh’alma é
jovem ainda mas meus ossos ...
depois de ontem tudo me dói hoje


2017/07/17

BOBAGENS - GEOPOLÍTICA & TURISMO DO ONDESSESTÃO




Ondessestão – encravado em algum lugar da Ásia menor, mas bem menor mesmo, Capital – “Hmigrandoh” Principal produto de exportação: mão de obra barata.

População: 7:53 às seis horas da manhã de hoje. Até o fechamento dessa edição atualizaremos esses números.

Moeda; Tapah. 200 mil tapahs compram 1,99 real. (câmbio de 2010)

Curiosidades:

1. No Ondessestão por imposição imperial, o dia tem somente 15 horas, pois o soberano local o Marajá Abdul Ulla Vuga Amabibih Lexothanib Uvanish Uba Tuga Vulla Inaka, vulgo “Seu Nenê”, acha que vinte e quatro é muito tempo para um país tão pequeno. E que mais horas no dia só o deixariam mais cansado. A população não se rebela contra isso, pois acham que um dia com mais horas se serviria para o Imperador ser mais déspota ainda (embora ninguém  admita ou mesmo cogite em dizer isso!).  Assim sendo Ondessestão é uma nação satisfeita e pacífica, pois todos concordam com seu sábio Imperador.

2. Ainda por imposição imperial, nenhum habitante do Ondessestão pode abandonar o território nacional sem deixar pelo menos três filhos ou cinco sobrinhos – excluem-se afilhados – em idade reprodutiva, para que possam manter um número mínimo de habitantes no país. E àquele que oferece um cunhado e condenado à morte por lapidação.

3. Lá, nada é mais bonito que o por do sol, razão pela qual os habitantes do país constroem suas casas com janelas e portas viradas somente para o ocidente. Se paga ao imperador 150 tapahs para admirar o sol poente. Sem desconto em dias nublados ou chuvosos. Reclamações ou pedido de abatimento nos impostos e passível de lapidação.

4. Em Odessestão, país de tradição patriarcal, a população ainda cultiva o hábito de comunicarem-se através de pombos-correios, dispensando-se assim o uso de telefones, internet e telégrafos (por conta da regulação do CO² é proibido o uso de sinais de fumaça), ou qualquer outro método de comunicação digital. E, veja como roda o mundo, o Grupo Terrorista-Separatista-Ultra Nacionalista os “Filhos do Grande Tigre Branco”, usam gatos selvagens treinados (a humanidade é contraditória em todo lugar) para caçar os pombos, o que dificulta terrivelmente a comunicação em toda o região...

5. O imperador tem direito a possuir 696 esposas, e por imposição imperial, ele pode ainda, vender as sogras como mão-de-obra escrava para os países vizinhos. Mas o Mercado anda em baixa, em virtude de as ditas sogras serem postas à venda já muito velhas e mutiladas, o que as tornam pouco produtivas e/ou atraentes.  Há trinta anos o Congresso de Ondessestão – todos da situação! - está tentando criar coragem de notificar isso ao Imperador. Nutre-se esperança que o façam antes do fim da década.

6. Não visite o Ondessestão entre 01 de janeiro às 23:56h e 01 de novembro às 23:58h, este é o período sagrado em que todos os habitantes se voltam para o oriente e rezam em homenagem ao galo azul das colinas daquele país. Há algumas matérias publicadas sobre essa cerimônia na Revista National Geografic que descreve com uma verdadeira carnificina o ritual de despenhamento do pobre animal, o que os levará a extinção em uma geração. Mas por conta dessa reportagem esse número só encontrado em alguns sebos, pois é proibida a veiculação matérias, quaisquer que sejam sobre manifestações culturais, sociais e ou políticas sobre Ondessestão dentro e fora de Ondessestão. Nação fechada ao Oriente, Ocidente, Norte, Sul e qualquer outro ponto da Galáxia. A quem diga que o imperador já convocou uma reunião ecumênica para proibir Deus Todo Poderoso de olhar para Ondessestão sem a prévia aprovação do Imperador.

7. Pratos típicos – não há, mas você pode pedir alguma coisa pra comer no país vizinho. Bastando para isso ter a sorte de um telefone que funcione nas redondezas. Vide quarto item.

8. Música típica – todas as músicas cerimoniais de casamento, outras são proibidas. Assim como são proibida a gravação, reprodução e/ou mesmo assovio na rua. Pena: Lapidação, desmembramento, salgamento dos membros e pagamento de altos tributos, taxas e impostos.

9. Se você caro viajante intrépido e irresponsável decidir ir ao Ondessestão, faça por sua conta e risco, e importante lembrar: lá é vedado aos visitantes chorar sob pena de lapidação.

Em tempo, Ondessestão anda arrecadando muito com venda de pedras para lapidação.


Correndo o risco de perdermos leitores segue aqui uma infamidade para fechar a matéria: “Em Ondessestão, que atire a pedra primeira pedra aquele que...!








Texto com a colaboração do Sr. Alexandre Costa

DIA DE FESTA E DE ROJÕES



Caríssimo.

Ontem, domingo fui fazer meu passeio na praça, esticar as pernas, tomar um ar fresco, ver passarinhos, pisar na grama verde e tomar um sol.

Não sabia que haveria uma comemoração qualquer por lá. Essa minha vida peregrina, não me deixar guardar datas festivas, dias nacionais, estaduais e municipais... Havia barracas brancas espalhadas pela praça e arredores. A Matriz dava badaladas e mais badaladas, barracas de doce e barracas de tiro ao alvo, onde, modéstia às favas, arrebato o coração das mocinhas, gritos das criancinhas e bufadas de despeito dos marmanjos adonzelados.

O dia estava claro de romper retinas.

Postei-me à sombra de uma árvore e pus-me atentamente a ver a montagem dos fogos de artifícios feitos por uns ciganos de chapéus de abas larguíssimas, vastos bigodes e grandes adagas na cintura. Há muito tempo não vislumbrava essa gente. Por um átimo senti um misto de medo e louca apreensão, que logo passou. Afinal não sou homem de medo, loucuras ou apreensões. Procurei em meu bolso um cigarro.

Soltando fumaça pelas ventas voltei a caminhar. Chateava-me a ideia de esperar até a noite para ver os fogos...

Fui a um bar, tomei um café, comprei uma caixa de fósforos e um maço de cigarros. Ainda no balcão ouvi que os fogos seriam disparados ao meio-dia, pouco faltava para isso. Paguei e fui-me à rua.

De volta na praça lá estavam os ciganos reunidos. Não se ouvia uma palavra proferida por eles. Falavam-se por olhares, grunhidos e posição das mãos nas adagas. Tipos raros e perigosos, pensei.
Meio-dia em ponto.

Os ciganos estendendo as mãos deixavam claro que era para as pessoas se afastarem, e indo em direção a elas com olhares furiosos, elas iam  andando para trás.

Formado um círculo os ciganos dirigiram-se ao pequeno palco para começarem a queima. Caro amigo nunca em minha longa e cansativa vida já me deparei com tamanha maravilha. Nem o mar verde me espantou como esses nômades romani.

O mais velho deles, de calças largas, botas longas que lhe chegavam aos joelhos, olhos negros e fundos, feito duas cavernas, olhos para o público, puxou do bolso um isqueiro e sem mais delongas, sem qualquer outro ato dramático, acendeu o pavio dos morteiros e saiu correndo...

Lembre-se, o dia estava claro, sol a pino e era meio-dia quando o primeiro morteiro subiu aos céus como um foguete e, que espanto!, que maravilha!, coisa extraordinária!, em vez do bummmmmm a que estamos acostumados a ouvir, temer, tapar os ouvidos, o que ele fez foi – como escrever isso? – foi puxar todo o barulho da praça, puxar todas as vozes, todo o alarido para dentro de si e deixar por segundos – longos e que ecoavam dentro de nossas cabeças – um silêncio assustador. E não foi só a falta do barulho da explosão que nos deixou pasmo – veja bem não minto, nem exagero – foi que em vez do clarão, o rojão abria escuridão no céu. Escuridão que nos permitia ver a noite, as estrelas, os planetas. Houve até os que sentiram frio por alguns segundos. O sol sumia dando lugar a uma noite fora de hora, rojões que provocavam eclipses!

Após isso a praça esvaziou-se, as pessoas foram embora para suas casas, calados, ouvia-se o som de passos, quase se ouvia a grama crescer. A festa que deveria ir até a noite finou-se por ai mesmo. Acho que esses ciganos não voltam mais por aqui com esses fogos.

Fui para casa pensando nisso. Quando cheguei abri minha garrafa de absinto e pus-me a matutar sobre o mundo esse mundo...

P.S. Ouvi naquele bar um sujeito comentando sobre uma anta de trezentos quilos com enormes dentes de javali, um belíssimo horror da natureza. Imagino que o bom amigo gostaria de tê-la empalhada em sua sala...

Abraços desse escravo das maravilhas!