2010/10/29

PATIFES II

A VIDA REAL CONTINUA


Naquela casa de subúrbio outra vez.

Ela anda de um lado para outros roendo as unhas e olhando par o telefone sobre a mesa, na mão esquerda trás o celular. Já mandou os filhos para a casa da avó, colocou comida no pote do cachorro na esperança que uma hora dessas ele retorne ao lar, a cama já está feita,a comida pronta, passou até as cortinas, varreu a casa três vezes, colocou uma música suave para tocar – um pagode romântico- regou a plantação de tiriricas e samambaias nas frestas do quintal, já fez de tudo para manter-se ocupada, mas o telefone não toca.

Ainda segurando o celular pendura-se no muro de casa esperando alguma chamada, já são cinco e quinze da tarde, o sol logo irá se pôr...

Cinco e meia da tarde, as unhas da mão direita roídas, enfim o celular toca.
Angustiada e sem fôlego ela responde:

- Alô, alô, alô!

- Calma mulher, calma, o que é isso?, está fugindo de cobrador ou do ex-marido? Ta pronta?

- Claro que estou pronta, aliás, já estou pronta desde as dez horas da manhã. Achei que você não fosse me ligar mais hoje. Isso são horas... – interrompida.

- Não comece com cobranças. Será que você nunca aprende? Não me pressione, não me cobre, não me exija nada, não me dê diretas nem indiretas, quer que eu desligue esse telefone na tua cara? Quer?

Silêncio constrangido e magoado, quase se ouve um suspiro...

- Desculpe, é que fiquei preocupada...

- Preocupada com o quê? Por quê? Quando te dei liberdade de se preocupar comigo? Tá pronta ou não?

- Tô...

- Fala alto que não estou de ouvindo direto, ta cansada? Mulher preguiçosa.

- Estou pronta sim. Quando você vem me buscar?

- Olhe eu tive uma idéia genial, coisa de louco, de gênio, nem no cinema se vê uma coisa dessas. Lembra que você me perguntou qual era o meu sonho erótico?

- Lembro sim, qual é o seu sonho? – responde rindo de felicidade. A noite está ganha! - murmura para si mesma.

- Você está pensando alguma coisa?

- Eu...?

- Pois para com essas suas idéias ou passe a pensar mais baixo. Não tenho tempo para suas tolices e pare já com o choro...

- Desculpe...

- E deixe de tanta reticência...

- (silêncio constrangido)

- Por sua causa veja quanto minutos preciosos nós perdemos. Sua irresponsável. Sabe duma coisa? Acho que vou prá casa, se tiver que me aborrecer com alguém, que seja com minha mulher.

- Não – gagueja nervosa – não, não vá embora. Me conte sua fantasia, estou disposta a fazer o que você quiser.

- Ok. Preste bem atenção ao que vou te falar, se for preciso, anote prá não errar. Essa é a tua última chance. Pegou papel e caneta? Então vamos lá.

Quarenta e sete minutos depois ela sai de casa, o sol já se pôs, a noite chega e ela sai de casa vestindo uma mini-saia de couro preto, meia arrastão, rasgada nas coxas, sandália de saltos altíssimos – tropeçou algumas vezes – maquiagem supercarregada, cabelo Chanel, blusa vermelho berrante, batom combinando, cílios postiços – que pegou emprestado com uma prima - bolsinha de corrente dourada – emprestada da vizinha - e na mão direita a chave de casa que ela ia rodando pelo caminho. Já noite fechada chega ao centro da cidade.

Todo o comércio já fechou, aberto só os bares mais mal afamados de onde se ouve músicas de gosto duvidoso, pessoas as suspeitas circulam por lá. Ela rodando as chaves de casa anda para cima e para abaixo na rua escura. As “profissionais” olham-na com um misto de suspeita e pena, pois suas carnes “vazam” pela sua blusa e a saia de couro está prestes a rasgar. Sob um poste ela tenta ver as horas.

- Está ficando tarde, onde esse sujeito terá se metido? – nervosa pede um cigarro a uma mulher sentada na escadaria dum hotel.

Duas horas e várias cantadas depois, ela sabiamente deduz que ele não vem mais. A fome começar a bater, o cigarro deixou sua boca seca, sedenta ela entra num bar, encosta no balcão – sua maquiagem já está totalmente borrada - e pede um copo de água. Um marinheiro que bebia conhaque oferece-lhe uma bebida, a princípio ela sente-se insultada – Afinal quem você pensa que eu sou? – Mas o marinheiro é sueco e não entende nada de português e concluindo que ele nunca iria fazer fofoca para ninguém conhecido, sem qualquer relutância, aceita.

Mais tarde irá acordar na cama de hotel com um maço de notas de dólares na cabeceira da cama.

- A noite não foi uma perda total – consola-se.

Antes de voltar para casa passa no supermercado e faz compras para os filhos, antes de ir para a cozinha para em frente ao telefone para ver se há mensagens para ela...

2010/10/26

PATIFES - UMA HISTÓRIA REAL

CADA MISERÁVEL COM SUA MOEDA
Como
essa miserável é baratinha, basta uma florzinha, um aceno, uma promessa, um
“amanhã te ligo” e seu dia está ganho.
O sorriso bobo enfeita-lhe a cara
parva.
Tão bonitinha, mas...




Dez horas da noite sábado, num subúrbio um telefone toca.

- Alô.
- Vou passar ai. Te arruma que vou te pegar. É hoje o dia e nem tente me enrolar.
- Quem fala? – pergunta com voz histriônica e irritante.
- Ora, não banque a burra, sou eu. Estava esperando outra pessoa?
- Ah! É você... – desdenha.
- Claro que sou, estava esperando quem?
- Estava não, estou! O Ginno vem me pegar pra sair.
- Está me traindo, sua vadia?
- Traindo? Não tenho nada com você... O Ginno é meu namorado – ênfase no meu – Você não é nada prá mim.
- Não sou nem nunca serei, já te falei isso. Contigo só quero uma coisa, e você sabe o que é – ri com escárnio.
- Não me procure mais, o Ginno já está aqui na porta.
- De carro?
- Não...
- De moto?
-Você sabe que o Ginno é um duro... - responde entre magoada e arrependida da resposta.
- Você não presta nem para escolher namorado mesmo. Não presta.
- Então por que você corre atrás de mim?
- Justamente por isso, você não presta. Não presta nadinha...
- Você me magoa falando assim... – finge que chora.
- Engole esse choro falso, nem chorar você sabe. Mentirosa...
- Mentirosa, eu ?
- Sim. Se o Ginno tivesse chegado você já teria desligado o telefone...
- Vou desligar.
- Antes me responda.
- O quê?
- Vocês vão a um motel ou pra casa dele...?
- ... (silêncio)
- Safada.
- Prá casa dele...
- O duro não tem grana prum motelzinho?
- Não é isso, a casa dele é muito melhor que um motel qualquer, lá tem uma escadaria...
- Uma o quê? Escadaria?
- ... (silêncio) - Você não presta mesmo. A que horas vai voltar de lá?
- Uma ou duas horas da manhã, afinal tenho que ver meus filhos voltarem da rua...
- Você não presta mesmo, não presta mesmo!
- Você vai passar aqui quando eu voltar?
- Não posso, amanhã tenho que fazer a feira com a minha mulher. Se quiser me ver é agora, despacha o Ginno, diz que está com dor de barriga, diz que desceu antes da hora, diz que teu ex-marido quer discutir a pensão das crianças, minta, afinal mentir é muito natural prá você, ande, invente alguma coisa. Já estou saindo.
- Olha..., vou pensar em alguma coisa...
- É o seguinte, vou desligar e te chamo em cinco minutos, cinco minutos com uma resposta.

Dez minutos depois o telefone toca.

-Alô
- E então?
- Despachei o Ginno...
- Que pena, resolvi não te ver mais. Olhe, estive pensando, não me procure nunca mais, ok, nunca mais, me esqueça, apague meu celular, não me procure...
-... (soluços, ela chora baixinho)
- Alô? Você já cortou os pulsos?
- Não... Você me fez desmarcar com o Ginno prá quê? E agora quem vai arrumar a fiação da sala? As goteiras do teto...
- Te vira. Não é assim que você sempre faz? Te vira, liga pro Ginno, diz que mudou de idéia...
- Ainda te mato um dia! Bate o telefone.

Passada meia-hora...

Telefone toca

- Ainda está ai vadia?
- Mudou de idéia vem me buscar? Ainda estou arrumada – ri – Aproveita que o perfume ainda não venceu.
- Vou ai sim, mas nada de sairmos, pode ir tirando a roupa, meia hora estou ai. Mande seus filhos prá casa do pai. Solta o cachorro na rua que hoje não estou pra latidos.
- Tá bom. Vai querer jantar quando chegar?
- Você não vale nada mesmo...
- Essa é a tua sorte! – ri aliviada, pois pensa que a noite está ganha.
- Meia hora, esteja pronta, nada de me pressionar prá largar a família, e trate de chamar o Ginno para arrumar essa goteira, pois se chover durante a noite me levanto e vou embora.

Ele não apareceu, o cachorro fugiu, durante toda a noite choveu.

Pela manhã...

- Ginno...? Sou eu...

2010/10/18

NÃO...

- ... deixe que ele pronuncie seu nome, não deixe não! Aqui, veja, só os fantasmas me visitam e nenhum deles é da família ou amigos... Malditos sejam!
Por isso te repito, não deixe que ele pronuncie seu nome, não deixe não. Pois quando ele faz isso, tudo muda, tudo. Olhe pro lado, olhe, olhe nada era assim, nada, sai daí, sai daí. Odeio esses fantasmas desconhecidos, não que eu goste dos conhecidos, pois grito para todos “vade retro, vade retro”! Mas eles, como você bem vê, não vão e ficam aqui me incomodando o dia todo ora atravessando paredes, ora surgindo no pé de minha cama, todos chorando e reclamando...

- Vade retro, vade retro! – Mas não adianta nada, ele pronunciou meu nome e nunca mais nada será o mesmo...

2010/10/05

O CENÁRIO ATÉ AJUDA, MAS...

Contaram-me essa história mais ou menos assim:
O mar abriu-se à sua frente, ela abriu os braços também, mergulhou.
O mar a abraçou, ela se deixou abraçar, aos poucos soltou o ar em forma de bolhas, que como estrelas cintilavam e subiam em direção ao céu enquanto ela afundava na escuridão fria e salgada.
O sol continuou brilhando durante as buscas, mas as ondas apagaram suas pegadas...


- E depois?

- Depois o quê?

- Não vá me dizer que a história se limita a isso? Acaba assim?

- Sim. Isso é uma mini narrativa. Você lê o texto, “vê” a imagem e pronto, acabou!

- Só isso? Vê e acabou? Você acha que alguém quer ler isso? Uma imagem e acabou? E aquele começo, - "Contaram-me essa história assim". – Você não pode estar falando sério. Isso não é escrever uma história, não é não!

- O que mais você queria ler? O começo é gancho dramático para emprestar alguma veracidade ao texto. Isso não lhe bastou?

- Claro que não! Quero um começo, meio e fim. E necessariamente nessa ordem!

- Preguiçosa...

- Mau escritor.






Cai o pano! (click para ouvir)

2010/10/04

99

Acordo, hoje segunda-feira, dia 04 de outubro, com a sensação de ressaca e vergonha, e vejo pelas ruas que o sentimento é quase o mesmo. As ruas continuam sujas.
Os “santinhos” estão ainda colados no asfalto.
Conversando por e-mail com colegas vejo que votamos quase nos mesmos candidatos, todos perdedores, - graças a Deus! Repetimos.
Se tínhamos dúvidas sobre a verdadeiras função do Congresso, agora temos certeza, votaram num palhaço.
Um milhão de votos!
O que significa que existe em território Nacional pelo menos – com título de eleitor e muita cara-de-pau - um milhão de palhaços que se identificam com ele...
Vamos mal, muito mal.
Na minha zona eleitoral tive que mostrar um documento com foto, mostrei minha carteira nacional de habilitação, a mesária olha para a foto, olhou para mim, tornou a olhar para a foto – chovia, meus pés estavam começando a ficar molhados – ela ainda olhou para minha foto e para mim mais duas vezes, e por fim, perguntou-me à queima-roupa:

- Nome da sua mãe?

- Você está falando sério? – perguntei entre indignado e espantado.

A pobre criatura explicou-me que era obrigada a perguntar isso a todo mundo, - Ordens são ordens – rebateu.

- Declinei, então, o nome da minha mãe.

Entrei, fui à urna, encarei aquela máquina, puxei do bolso minha “cola” e pus-me a teclar o número de meus candidatos.
Poucos segundos depois saia de lá com certeza que poderia ter continuado a dormir, pois o domingo além de chuvoso estava frio.
E hoje, vejo que tinha razão.
Tudo está como era antes...
Nada mudou.