2011/10/31

PROFETA


- Sobre destruição? Ora, ela é a única saída, a verdadeira saída, a honrosa saída. Explicar? Ok vamos lá. De que adianta reformar, disfarçar a fachada, trocar a cor das tintas, mudarem os móveis de lugar? De que adianta fazer parecer que é, se não dá mais para enganar, disfarçar, mentir. Fazer que é, não fazer “para inglês ver”, fazer de conta que é... Mas sabemos que não é mais possível isso. Não, não é! Devemos então, destruir, arrasar, por abaixo, transformar em pó e depois varrer para longe, eu disse para longe, não para debaixo do tapete ou atrás da porta. Destruição, caos, bomba atômica/hidrogênio, fim. Fim, esse é o verdadeiro começo, o primeiro parágrafo, sem dois dedos. Temos que transformar tudo isso em terra arrasada, um monte de entulho, monturo de nada útil, para só depois, realmente começarmos a começar. Começar do zero absoluto, do nada, sem parâmetro outro que não aquilo que pusemos abaixo. Tudo novo, não de novo ou outra vez: do zero, com gente nova, com mentalidade nova, com vontade nova e útil, honesta e clara. Matarmos todos os velhos: velhos de idéias, velhos de manias, velhos de caráter, os velhos corruptos, os velhos malversadores do bem público. Acabar com tudo e todos para que sirva de lição para que, se não educar, assustar, se não for para respeitar ao menos para temer, temer muito. Destruição é o começo. Do pó ao pó. Aos homens o que é do homem, fim. Somente no fim, no fim mesmo, encontraremos o começo. Do ponto final ao travessão, parágrafo! Do Big Bum final ao Big Bang inicial! Que os mortos descansem de acordo com seus crimes, que o inferno se encha de pecadores e o céu aproveite e encere o chão para os novos-puros, se novos puros surgirem no novo começo. Sejamos implacáveis com o crime, penalizemos o culpado, premiemos os justos, não o contrário. Viva o fim! Bem-vindo seja o fim, te aguardo de braços abertos e mãos armadas, bendito seja aquele que apertar o botão vermelho do apocalipse. Toda honra e toda glória aos arautos do fim, o fim redentor, o fim de tudo que abrirá as portas do “segundo tempo” dessa existência estéril e fútil nesse vale de lágrimas. Bem alimentado estejam os cavalos dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse! Que sob seus cascos tudo sucumba! Quero ser o último a partir, mesmo que doa a dor mil, um milhão, um bilhão de dores, quero ser o último a partir, pois quero ouvir os ais e os ranger de dentes, quero molhar meus pés nas lágrimas amargas de arrependimento dos injustos, dos impuros, dos ladrões, dos vendilhões, dos corruptos, dos desonestos, dos que matam, dos que mandam matar, dos que morrem por pouco, dos que mentem para ter, dos que mentem para manter, quero ser o último a ir, pois quero subir na fumaça das últimas cidades, dos últimos impérios, e quero lá do alto ver as pilhas de ossos dos barões, dos falsos nobres, dos reis, dos presidentes, dos poderosos e seus lacaios, quero ver suas viúvas chorando pela perda de seus filhos, de seus bens, de suas jóias, de sua beleza, quero então ver a terra arrasada, calcinada, destruída, reduzida às suas devidas proporções e então, só então – ah! - nesse momento, sermos todos iguais. Iguais nas perdas e na agonia, sufocados no pó, no último e derradeiro fim. Deus dê-me somente uma graça: a graça suprema de rir por último. Isso é tudo o que te peço.

- Garçom, mais uma cerveja antes que comece o fim.

Amém!

2011/10/27

O NÃO ESCREVER

A folha em branco
Um desafio
Uma faca no peito
Que me deixa sem fôlego
Tremem-me as mãos
Coço a cabeça
Arranco os cabelos
Estalo os dedos
Perco minutos
(que não voltam mais)
Olhando para janela...
Mas a inspiração não chega
Não manda nenhum recado
email
Telegrama
Ou notícia
Positivamente
Hoje não escrevo mais nada!

2011/10/26

O ALMOÇO E A RUA

As praças estão para os mendigos como os céus para os urubus
Saio para almoçar com o sentimento de culpa a me roer por dentro
As ruas coalhadas de pedintes
De crianças que me dão medo
Nessa neurose afasto-me delas
(as leprosas de hoje)
De loucos falando sozinhos
Desvio do mendicante na porta da farmácia
(Me dá pena do cachorro que está com ele, estarei assim tão duro de coração?)
No restaurante sento-me ao fundo
Assim não vejo e não sou visto da rua
Escondo-me atrás do cardápio
E quase me desculpando, peço o prato do dia
Mal acabo de comer
(afinal tenho que voltar ao trabalho)
E antes de por os pés na rua
Uma mão magra e suja surge à minha frente
A comida nem bem digerida revolve-se no estômago
Sigo ao café
Para tirar o amargo que me subiu à garganta
Nem lá escapo
Outro, a guisa, de porteiro me estende a mão e sorri
Um sorriso sem dentes numa cara (suja) e já sem humanidade
Bebo meu café temperado com um misto de pena
Raiva e nojo
Por que eu me sinto culpado?
Que fiz para ter tal sentimento?
Nada tirei deles
Nada tenho de mim para dar a eles!
(como se dando o pouco que tenho algo fosse mudar)
O inferno se espalha pelas ruas...
Será que só eu penso assim?
Será que outros olhos não vêem o mesmo que os meus olhos?
Atravesso uma selva de mãos descarnadas
Olhos famintos
Lamúrias, choros e reclamações
Pragas e graças
Na porta de outra igreja um velhinho destroça uma gaita
Com notas desafinadas e um chapéu puído aos pés
Ele é velho
Seus pés são cascos duros e machucados
Olho meus sapatos e deixo para engraxá-los outro dia
Penso em tomar um sorvete...
Mas acabo deixando isso prá lá também
E, agora sim, acintosamente, acendo um cigarro!

2011/10/25

MEU SEGUNDO CIGARRO DO DIA


Essa me aconteceu logo cedo.
Estava na rua fumando meu cigarrinho, o segundo do dia - o primeiro foi dirigindo até o serviço – olhando para o céu e tentando adivinhar como seria o resto do dia, se com chuva, vento, chuva e vento, chuva, vento e frio, quando um sujeito de chinelos havaiana, gasto por sinal, aproximou-se de mim.
Antes que ele pronunciasse a primeira palavra, escolado que estou nessa vida, já fui lhe dizendo:

- Amigo, se seu negócio é dinheiro já te aviso que não tenho. Veja só, hoje é dia cinco, e ainda estou longe do pagamento, aliás, eu e todos nestes prédios aqui em volta dessa praça.

Ele olhou desconsolado e logo em seguida começa a desfiar a história triste de sua vida. Não pensem por essas palavras mal digitadas que sou um homem duro de coração, não, não sou, se sou duro é de bolso. Às vezes penso em invadir a seara dos pedintes para descolar mais alguns trocados, mas falta-me ainda a cara de pau para tanto. Mas sigamos.
Contou-me ele que vinha do norte, como quase noventa e nove por cento dos que vejo e encontro pelas ruas. Mostrou-me a carteira de trabalho, quase desfeita, disse-me que estava desempregado e que queria voltar para casa, mas para tal, faltava-lhe dinheiro.
Explicou-me que precisava de uma determinada quantia – que não declinarei aqui, pois por não ter a quantidade que ele precisava, não quero de forma alguma a piedade de meus leitores – para completar a passagem de ônibus.
Olhei bem para o sujeito, estava sujo, maltrapilho, e tenho certeza que se ele tivesse a tal “parte” do dinheiro para voltar, gastaria num pão com mortadela.
Não sou desumano, quero frisar bem isso.
Enquanto ele desabafava eu fumava meu cigarrinho que estava se tornando a cada tragada mais e mais amargo.
Após alguns minutos de conversa, ele se dispõe a ir embora, avança uns passos para a rua, e quando penso que ele vai-se enfim embora, ele pára, volta atrás e, como tentando uma última cartada ou o blefe final, fala:

- Sabe – disse-me olhando para o alto – eu não disse para o céu, eu disse para o alto – estou pensando em subir ali na passarela (passarela que as pessoas civilizadas, utilizam para atravessar a via férrea e a avenida lotada de caminhões e pegarem a barca para o outro lado do canal) e me jogar lá de cima...

Olhei para a mesma direção que ele, talvez para lhe dar um certo sentimento de cumplicidade, ou para medir a altura e computar o estrago, sei lá.
Passados alguns segundos, bem poucos por sinal, afinal meu cigarro já havia acabado e precisava voltar para a minha sala e encarar o serviço que lá me esperava, respondi:

- Pense bem rapaz, você quer pular para a morte, para o descanso final, mas pense bem, se ao invés da morte você ficar mutilado? Aqui passam muitos trens e nem sempre atropelamento por eles quer dizer que resulte em mortes...

Ele olhou-me entre espantado e horrorizado, ele esperava de mim talvez alguma compaixão, algum milagre que fizesse surgir alguns trocados em meus bolsos, alguma coisa ele esperava de mim, menos aquela resposta. E antes que ele completasse qualquer pensamento que estivesse lhe cruzando a cabeça, concluí:


- É ainda melhor pedir assim inteiro como você está agora, que ficar mutilado na porta de alguma igreja mendigando moedas, pense nisso.

Ele atravessou a rua, e quando chegou do lado olhou-me de uma forma que não consegui traduzir, não consegui mesmo.

Penso que salvei uma vida hoje.


2011/10/24

A BELA ARTE DE SER PESSIMISTA

Ser pessimista
É nunca ser pego de surpresa
Ser pessimista
É nunca querer chegar mais cedo
Afinal alguém já passou a noite na sua frente
Ser pessimista é
Não sofrer,
Afinal você não estava esperando nada mesmo
Tava na cara que aquilo ia dar errado
Ser pessimista
Tem seu charme, seu encanto
Aquele olhar vago
Aquela postura de quem não está nem aí com nada
Ah!
Ser pessimista é uma espécie de antibiótico
Contra o otimismo vazio e inconseqüente
Daquela postura “Poliana” de ser
Dos que dizem bom dia, quando está chovendo
Que quando você espirra dizem:

- Saúde!

Ser pessimista e saber que no fim
A única coisa certa é o fim
Ser pessimista
É não abrir com sofreguidão o hollerith
Afinal ele vai ser igual ao mês passado
Ser pessimista
É olhar para o céu claro e ensolarado
E ter certeza que no sábado chove
(e o diabo é que chove mesmo)
Ser pessimista
É ter prazer em argumentar com evangélicos
(Tentem)
Ser pessimista
É ter certeza que ninguém me lerá.
Ser pessimista
É ter medo de ficar prá semente...

FININHO


Fininho já não era muito robusto mesmo, daí o apelido. Mas estava muito magro agora, Chupado, triste, meio corcunda, olhos fundos, cabelos oleosos, mais empurrados para trás que penteados, os ombros caídos, não andava, arrastava-se sempre três ou quatro passos atrás da gente. Não falava mais, pouco interagia.
Era o primeiro a sentar-se à mesa e o último dela a sair. Não comia, via a refeição esfriar no prato, o arroz secar e amarelar-se.
Roubavam-lhe as misturas, bebiam seu vinho, falavam dele como se ele já não estivesse presente – e creia-me senhor, ele já não estava mais mesmo.
Com o tempo fomos nos acostumando com sua presença ausente.
Já não mais o esperávamos para as refeições, não percebíamos se estava à mesa conosco ou não.
Tornou-se, embora ali em corpo e alma, invisível para nós. Somente a garçonete o via, afinal via-o e a nós como fregueses, sem qualquer distinção, mas mesmo assim ele era o último a ser atendido.
Seu prato era trazido e posto à frente de seus olhos mortiços que ficavam fitando a comida, já a esse tempo não fazíamos mas chacotas ou qualquer brincadeira, pois já atinávamos que a coisa era séria mesmo.
O que poderia ser feito?
Perguntar-lhe o que sentia no peito, o que estava lhe acontecendo era bobagem, pois ele já demonstrava ser incapaz de falar ou de articular qualquer palavra, por mais simples que ela fosse tanto tempo estava sem conversar.
Sua pele - poderia ser impressão nossa - estava de branco-pálido, passando a transparente. Suas veias à mostra se expunham coloridas e pulsantes. Seus braços estavam que era duas varas finas, das suas pernas intuíamos somente os joelhos. Suas roupas sobravam sobre aquele esquálido corpo, que uma brisa, dessas de fim de tarde, poderia partir ao meio.
Tomávamos agora, muito cuidado para não esquecê-lo em algum lugar, pois houve uma sexta-feira que o deixamos encostado no balcão dum bar, e só demos pela sua falta horas mais tarde no bilhar, já do outro lado da vila. Não fosse a boa-vontade dum taxista primo dele, só buscaríamos na segunda-feira...
Depois desse susto passamos a prendê-lo numa espécie de coleira, presa a seu pulso e no pulso do “sorteado” do dia.
Mas mesmo com tanto cuidado, desvelo, um dia sumiu...
Procuramos em todos os lugares que freqüentávamos, fomos aos bares, botequins, bilhares, zona, até na peixaria, onde uma vez, para testar se “a ausência” era doença mesmo ou safadeza nós deixamos um sábado inteiro, da manhã à noite encarando um atum congelado. E nem mesmo lá ele estava.
Onde ele teria ido?
Ninguém tinha a menor idéia de seu paradeiro.

- Sumiu! – era essa a única resposta que ouvíamos.

Somente muitos meses depois, quando Fininho já havia se tornado uma lenda urbana, viemos a saber de seu paradeiro e de seu triste fim e mesmo assim a notícia veio do jeito mais bisonho possível.
Bebíamos como bebíamos todas as noites e todos os dias e fins de semana e dias de semana, para comemorar ou para chorar alguma besteira, quando ouvíamos por puro acaso - pois sempre fazíamos muito barulho nos bares – a também triste história de uma moça que havia se enforcado por conta de uma história de amor não correspondido.
A moça apaixonara-se um rapaz, mas esse tímido ou covarde nunca lhe correspondeu o sentimento limitava-se a vê-la à distância, enviando-lhe, de quando em quando breves bilhetes, onde prometia que um dia se aproximaria dela, e que nesse dia pediria sua mão em casamento.
O tempo foi passando e nada do dia dele se apresentar à sua frente, nada de ouvir-lhe a voz, abraçá-lo, enfim!
Contaram por fim que numa manhã dessas, uns meses atrás, a moça abriu a janela de seu quarto, e na calçada, ela viu um monte de pó e restos de roupas, onde ela reconheceu as roupas do Fininho, dele que nunca foi homem de achegar-se a ela, homem de dirigir-lhe a palavra...
Desesperada, varreu aquele monturo para dentro de um balde e o carregou para dentro de casa...
Agora, somente agora, sabíamos que fim ele tinha levado. Desfez-se de amor, de covardia, de impotência...
Então bebemos, bebemos como se todas as cervejas do mundo fossem se acabar nessa noite, bebemos aliviados, bebemos resolvidos a esquecermos de vez Fininho e sua história.

2011/10/21

CONVERSAS ENTRE O TERCEIRO E O PRIMEIRO MUNDO VIA E-MAIL

Conversava via e-mail, ontem, na minha hora do café, com um amigo que mora em Londres. Falava, não, descrevia como funciona minha repartição.
Explicava para ele o (des)funcionamento, pelo menos na minha seção. Há uma senhora, entrada em anos (e anos e anos) que não faz outra coisa que ficar pendurada ao telefone, da hora em que chega à hora em que sai, fazendo fofocas, reclamando da vida, dos regimes e do marido, necessariamente nessa ordem...
Ele de lá, do outro lado do oceano, e morando no primeiro mundo, não conseguia entender como ela continuava trabalhando aqui. Fiz-lhe ver que ela tem a garantia da estabilidade, não poderia ser mandada embora. Perguntou-me, já espantado se ela não poderia ser mandada para outra seção? Expliquei-lhe que não, não poderia ser enviada para outra seção porque ninguém a queria, já a conheciam e sabiam que ela não gosta de trabalhar e ainda tem a agravante de ser encrenqueira.
Logo ninguém mexe com ela por medo...
Por uns minutos ele não se manifestou do outro lado.
Pensei que havia desligado o computador achando que sou mentiroso. Mas logo depois tornou a escrever, estava incrédulo, e tentando entender essa situação.
Ainda perguntou como funcionava o serviço aqui na repartição.
Professoralmente volto a explicar-lhe o funcionamento (não riam, não riam) da máquina. Digo-lhe então que o que importa à chefia é que o serviço seja feito, não importa por quem/como/de que forma, e dane-se se para isso alguns trabalham mais e outros menos...
Outra vez ele ficou vários minutos sem me responder, aliás, mais tempo ainda.
Voltando, termina nossa conversa assim:

- É por isso que deixei o Brasil e só volto aí para as férias!

Despedimo-nos e voltei a encarar a mesa cheia de papeis, enquanto a madame discutia, ao telefone, um novo regime a base formicida.
Formicida, eu disse?
Não, não, não!
Eu já estava começando a surtar, discretamente saí para fumar, afinal os papeis ainda poderiam esperar mais uns minutos...

- Regime a base de formicida... – fumava e sacudia cabeça repetindo baixinho – regime a base de formicida...

2011/10/20

Um Conto de Dois Autores

Ou
O Resultado de Uma Obra Aberta
By Costa & Prado


Salto alto nº18, pernas finíssimas e cabeleira solta ao vento, cobre o rosto com a mão esquerda para proteger os olhos do sol. Encara uma montanha, olha-a de alto a baixo e começa a subida. Cada dois passos uma parada para puxar a saia curta para baixo.

O que leva uma pessoa a resolver escalar uma montanha? De salto alto nº 18? Mais ainda, como essa pessoa foi parar de fronte a uma montanha? Como ela pode pensar em proteger-se das intempéries vestida dessa forma.

O céu embora claro, azul, está frio, muito frio, vento cortante que fatalmente embaraçará seu longo cabelos louros e sedosos.

De onde teria vindo essa mulher?

Sinceramente não sei lhes responder. Nem sei como comecei a escrever essas linhas, e enquanto escrevo procuro por um começo, pois como pôde perceber o leito, esta história já está no meio.

Pensei por vários minutos, já digitei e apaguei várias vezes essas últimas linhas. Sei que enquanto escrevo, ou tento escrever, a pobre loira está subindo a montanha com seu salto alto, e sentindo frio.

Temo que ela morra antes de eu conseguir desenvolver algo mais...

O que fazer?

O que fazer...

Já sei, peço ao leitor (que lamentavelmente não se aperceberá do lapso de tempo) paciência enquanto transfiro o, senão desenlace, desenvolvimento deste texto pelo amigo Alexandre Costa.
Deixa a ele a criação de:

1. Motivo para ela estar onde está;
2. Razão (se uma razão houver)
3. Para estar vestida desse jeito ao pé de uma montanha;
4. O nome da montanha, haja vista que estou moendo os miolos e não me surgiu nenhum nome interessante

Caros leitores aguardem por mais, pois tenho certeza que o Sr. Alexandre Costa saberá encaminhar bem essa história

P.S. E pensar que enquanto envio esse texto por e-mail a pobre moça pode estar congelando...

P.S. 1 Sei que o Sr. Alexandre Costa implicará com a fonte que estou usando, Times New Roman, e só para me contrariar usar outra...

Não vejo motivo aparente. Nem nas profundezas mais baixas de uma mente perturbada e esquizofrênica poderia imaginar a criação de tal personagem. Mas, enfim, devo arrumar a confusão em que o meu amigo Roberto Prado colocou nossa personagem.
Motivos existem bastantes, aliás, são os motivos que nos movem, nos impele para frente (e às vezes para trás). Assim como há um motivo (mesmo que seja obscuro) para que esta personagem esteja ao sopé de uma montanha, também houve um motivo para meu caro amigo colocá-la lá. Mas, se não houve, cabe a mim inventar tal razão... E por que não? Tentarei dar um rumo à moça loira, ou desviá-la totalmente dele (sem saber ao certo o que se passa na cabeça de meu amigo Roberto) .
Penso que, antes de estar onde se encontra neste exato momento, nossa misteriosa loira partiu em uma busca solitária, busca por suas antigas e quase extintas raízes soviéticas ou suecas (já que ela é loira)... e penso que seja uma loira verdadeira. Provavelmente ela estava caminhando pelo centro da cidade e ao notar o caos que abraçava seu espírito, saiu em desatinada carreira para algum lugar tranqüilo, que lhe desse um pouco de paz, e nada como uma montanha alta e desconhecida.
Razão e sensibilidade, que palavras mais emblemáticas para um personagem. Talvez não houvesse razão para que ela fizesse o que fez, mas também poderia dizer que razões são como pintas nos braços: cada um tem a sua.
Mas existe uma coisa intrigante nesta história: por que ela estava vestida daquela maneira descrita por ele? Seria uma atriz pornô fugitiva de um set de filmagens? Seria uma figura importante da sociedade em fuga dos fotógrafos indecentes e fofoqueiros? Seria ela uma primeira ministra ou uma política famosa? Seria ela uma modelo tentando bater um recorde ridículo do “livro dos recordes?” Seria ela fruto de uma mente sexualmente ambígua e doentia, caminhando em direção ao seu grande fetiche: transar numa montanha gelada? Seria ela uma pessoa totalmente desimportante tentando a todo custo ser importante? Seria ela uma louca varrida? Seria ela uma maneira involuntária e subconsciente da mente criativa de um autor de contos de colocar suas fantasias bizarras para fora? Expulsar seus fantasmas? Seria ela apenas uma miragem? Seria ela a pergunta que não quer calar ou a voz que não pode gritar? Seria ela a metáfora da beleza feminina e a montanha a metáfora da vitória, num embate entre o êxito e a derrota? O que seria ela afinal?
Puxa, tenho mais o que fazer do que ficar quebrando a cabeça com essas coisas!Devo lembrar tanto ao amigo Roberto, quanto aos leitores, que a montanha que nossa personagem tenta vencer se chama: Pico Áureo.
Vamos ver se agora, com todas essas dicas que dei, ele embala essa história.
Em tempo: me faz um favor, troca essa fonte!

Não trocarei essa fonte!

Dito isso sigamos, mas não sem antes uma pequena observação assaz jocosa: “Acabo de descobrir que o Senhor Alexandre é fã de Jane Austin”.

Anoitece, o sol frio e frígido se põe por trás do Pico Áureo a névoa promete uma noite congelante, ao longe, onde a escuridão começa a dominar, ouve-se o uivo de lobos, e uma lua minguante mal se faz perceber no céu...

Angelina, só agora, passado o torpor do uísque drogado dá-se conta de onde se encontra, e grita, grita um grito primal, grito esse que vem de seus antepassados das cavernas, o grito de quem encara a fera feroz , seus gritos ecoam pelo ar frio e, creio eu, não chega ao topo da montanha. Ajoelhada como quem vislumbra horrorizada a estátua da Liberdade no filme O Planeta dos Macacos, ela soca o chão e chorando diz:

- Não, não, nããããããããão malditos! – que, garanto-vos, também não chegou ao topo do Pico Áureo.

Decidida a entregar-se á morte , ela estira-se ao solo e deixa-se congelar. Melhor morre que tentar entender o que estava acontecendo ali.

Enquanto adormece enregelada, sonha

Sonha com uma reunião de amigas do tempo da faculdade de comunicação, lembra-se de dançar, dançar como se o mundo fosse acabar às quatro da madrugada, de beber, beber muito, aceitar drinks de homens lindos, modelos e até mesmo de um senhor albino de óculos escuros, óculos escuros, ócul...

Então quando tudo mais parecia perdido, uma mão a cobre com uma manta confeccionada com couro de lobos. A madrugada fica menos fria.

Espero ter agradado ao Sr. Costa, sujeito culto e nervoso, independente de minha predileção pela fonte atual.

Acho melhor mesmo matar esta personagem, afinal de contas o que uma loira burra e semi-nua está fazendo tentando subir uma montanha congelada numa noite fria???? Que falta de imaginação!!!! E nem ela mesmo sabe o por que!
Provavelmente é mais uma história regada a vampiros e sexo animal do Sr. Roberto Prado. Meu caro amigo, pare de tomar esses remédios!!!!
Acho melhor dar outro caminho para essa loira.

Estava ela deitada de costas nas areias mornas de uma praia branca em algum continente menos frio, sonhava com as aulas de pára-quedas que haveria de ter um dia. Olhava para as nuvens branquíssimas no céu e tinha certeza de que o frio nunca passaria por perto daquele lugar. Bebeu seu Martini com uma azeitona que enfeitava a taça e decidiu entrar para a sua suíte no hotel e tomar uma ducha refrescante.


Assim é bem melhor, vocês não acham???

2011/10/19

O CARRASCO

Passos fortes e pesados de botas ecoava pelas escadas de pedra bruta que levava à masmorra, o verdugo deliciava-se com os gemidos e ais que subiam junto com o ar quente fétido lá de baixo.
Enquanto descia ia batendo com o látego nas botas. Esquentando o couro para a seção de tortura diária.

-Ainda me pagam para isso – ria consigo mesmo enquanto futucava a cárie de um dente com um palito e de lá tirava uma lasca de carne.

Com um chute violento abriu a porta de madeira maciça. Não estivessem agrilhoados, teriam pulado até o teto. O som tilintante das correntes agradou ao verdugo, sim ele era pago para isso...
Chicoteou o ar com raiva e prazer, e os condenados uivaram de dor, condicionados que estavam com as torturas brutais e diárias. O carrasco, vaidoso de seu mister, aprimorava-se agora na arte da tortura psicológica. Já nem precisava açoitá-los para que sentissem dor, o simples estalar do chicote no ar já os fazia contorcerem-se de agonia.

-Muito bom assim – gritava. Poupam-me de gastar o couro no sangue sujo de vocês. – O ar era açoitado sob gargalhadas e gritos de dor. Gritem, gritem. Quero ouvir vocês pedindo mais, peçam mais, vamos peçam mais...

Mas em meio a tanto berreiro um voz se fazia ouvir debilmente, uma voz chorosa, fraca e submissa:

- Sim. É assim que eu gosto - e unindo voz a ação passou a vergastar as costas do pobre infeliz. – Vamos peçam mais, peçam mais. Tenho lambada para todos, vamos peçam mais, quero ver todo mundo dançar...

Só parou a tortura quando o suor empapou-lhe o capuz negro de couro. Tomou de uma caneca de vinho que estava sobre um catre vazio, e entornou-se de uma só vez. Limpou a boca com as costas da mão e alisando o chicote começou a ponderar com os pobres coitados que lá estavam:

- Parece-me que vocês passaram a gostar da tortura. Há quanto tempo torturo vocês? Há quanto tempo?

Outra vez aquele débil miserável levanta o dedo indicador da mão esquerda – toda a mão direita já havia sido decepada e cauterizada com uma tocha que iluminava a masmorra – e tenta falar com um fio de voz:

-Senhor... - tosse num murmuro mais fraco ainda – senhor...

Seguido de uma violentada chicotada que arranca-lhe a orelha, o carnífice fala:

- A pergunta foi retórica, retórica – e com outra vergastada arranca-lhe a orelha direita agora. - Mais alguém quer falar alguma coisa?

Um silêncio covarde encheu a sala, só quebrado pela gargalhada selvagem do algoz que agora chicoteava de verdade e com vontade os prisioneiros acorrentados nas paredes verdes de musgo e umidade. Pouco ainda tinham forças para gritar ou mesmo chorar. Muitos já haviam padecido tanto que estavam imunes a dor, já não sentiam nem mais as articulações, eram pele, osso e apatia.
Por que estavam lá? Não mais se lembravam...
Quais crimes cometeram? Crimes? Fossem quais fossem os crimes, à essa altura já estavam todos redimidos, todas as culpas espiadas.
Para desgosto do verdugo já estavam acostumados à dor, à humilhação, aos maus tratos. Não sabiam os governantes que a maior tortura impetrada contra eles era justamente a falta da tortura. Nada era pior para eles que o domingo, dia em que o inimigo-irmão descansava. Um dia perdido, um dia sem utilidade, um dia em que “o dia não passava”, um dia perdido.
Tortura maior não era a tortura, mas a falta dela!

- Vamos confessem, confessem alguma coisa – mais que gritar, implorava o biltre torturador – me dêem mais razão para fazê-los sofrer. Vamos não me façam chicoteá-los à toa, me dêem motivo. Preciso de motivação, estou farto de ser chamado de sádico...

O maldito bárbaro não percebia que suas ameaças eram vazias, ele lidava com mortos-vivos, cujo único prazer agora era o sofrimento, a dor, a humilhação, a vergonha de tamanha fraqueza, e vontade de viverem mais um dia, para ter a garantia da dor de amanhã.

-Ainda vou acabar matando um de vocês qualquer hora dessas, vamos me digam alguma coisa!

E outra vez, aquele fiozinho de voz, impotente, quase sobrenatural, fez-se ouvir:

-Senhor –tosse – senhor...

-Sim infeliz, parece-me que só você está disposto a falar hoje. Fale logo antes que lhe corte a língua com outra vergastada.

Tremulo de felicidade por ter conseguido a atenção de seu carrasco, e olhando com superioridade para os colegas presos nas paredes diz com indisfarçável regozijo:

- Senhor – tosse - senhor...

Impaciente e temeroso que a confissão do infeliz acabasse com o seu prazer profissional, ele arranca-lhe a língua com uma certeira chibatada.

- Se alguém comentar que eu fiz isso eu peço as contas. Vocês querem isso?

E em uníssono, como que uma coreografia ensaiada à exaustão, todos, dançando presos às paredes, responderam:

- Não, não, não, não...

As palavras ecoaram para fora da masmorra, atravessaram as paredes e o teto chegando ao ouvido do rei, que satisfeito comenta com um de seus ministros:

-Esse carrasco é bom!

2011/10/18

Dona Denaide e Seu Abelardo


(Outro Drama Relâmpago)



Cenário: Uma repartição pública caindo aos pedaços.

Personagens: Dois velhíssimos funcionários, os únicos que sobraram, e que esperam pela aposentadoria, Abelardo e Dona Denaide.

Tempo: Um futuro, infelizmente, muito próximo.

O relógio quebrado há mais de vinte anos, na parede, indica que são 13h30minhs.

Abelardo fala::

- Oi mocinha, ô mocinha, vira pra cá, ô mocinha...

A mocinha vira-se, lentamente para ele, começando pelo pescoço, enrugado, alguns segundos depois, o tronco rijo feito um jatobá centenário, e finalmente a bacia, que já possui uma prótese de platina, o único bem que ela possui nessa vida.

Dona Denaide:

- O que é que você quer? Já esqueceu o meu nome de novo?

Abelardo:

- É que sem poder ver o crachá, não dá para lembrar o seu nome...

Dona Denaide:

- Denaide! Meu nome é Denaide, há quarenta anos que trabalhamos juntos, como você pôde esquecer o meu nome? O que é que você quer afinal?

Tosse, tosse muito, abre a bolsa, e tira de lá uma bombinha para bronquite.

Abelardo, muito nervoso, segurando um carimbo, que está de cabeça para baixo, resmunga:

Abelardo:

- O que é que eu quero? Foi você quem me chamou...

Passa o tempo.

Mais ou menos uns quinze minutos.

Abelardo:

- Mocinha, ô mocinha, será que você poderia me fazer um favor?

Dona Denaide, nervosa, procurando o óculos, que está sobre a sua cabeça, larga a revista que estava lendo, também de cabeça para baixo:

Dona Denaide:

- Abelardo, já te falei, meu nome é Denaide, Denaide, olhe aqui o meu crachá. - e falando para si mesma - Quarenta anos, quarenta anos e nada de sair a minha aposentadoria...

Vai até a mesa de Abelardo, com a bombinha na boca e aspirando feito uma resgatada de afogamento, e esfrega o crachá na cara dele, cheia de rugas.

Dona Denaide:

- Olha aqui Abelardo, lê o que está escrito aqui, lê!

Abelardo:

- Denaide! Mas que nome bonito a senhora tem, Denaide! Denaide...

Fica olhando para o crachá e esquece da vida. Os olhos fitam o vazio, o carimbo cai-lhe da mão.

Dona Denaide gritando:

- Abelardo! Você trabalha comigo a quarenta anos, pare de ficar olhando essa foto, eu tinha vinte anos aí. Acorda Abelardo!

Abelardo acorda de um sono de olhos abertos, e pergunta a Denaide o que ela está fazendo em sua mesa, gritando daquele jeito.

Dona Denaide:

- Abelardo você não tem mais remédio! Tá um velho gagá. Foi você que me chamou aqui duas vezes...

Abelardo, ainda com o crachá de Denaide nas mãos, os olhinhos brilhando, talvez de paixão, pergunta:

Abelardo:

- É filha, ou neta sua, essa mocinha tão bonita?

Dona Denaide, surta!

- Essa na foto sou Abelardo, sou eu!

Levantando as mãos aos céus, Dona Denaide grita:

- Meu Deus, se não podemos aposentar, por favor, me leve. Me tire daqui...

Vira-se e começa a voltar à sua mesa, tossindo, quando Abelardo a chama de novo.

Abelardo:

- Mocinha, ô mocinha, se você ver a dona Denaide por aí, por favor, peça a ela que me traga uma frauda geriátrica. Acho que me urinei de novo...

Dona Denaide, enquanto dirige-se ao banheiro, chora e aspira convulsivamente a bombinha para a bronquite.
Abelardo, molhado, sonha com a mocinha da foto.





(que)

FIM

DE PALAVRAS E PENSARES

Não somos assim
Tão herméticos
Secretos
Encriptados
Cifrados
Truncados
Que impeça a compreensão
De tudo o queremos dizer
Não usamos palavras arcanas
Tão-pouco línguas mortas
Descartamos o grego e o latim
Facilitamos o meio e a mensagem.
E nutrimos a crença
Que alguém ainda nos traduza
Facilite a compreensão
Amplifique a explanação
Espalhe aos quatros vento
Por todos os pontos cardeais
Nossas palavras e pensares
Mas paro e penso:

- Afinal escrever para quê?

Se ninguém nos lê?

2011/10/14

ARTE NAQUELE BAR

Tem coisas que só acontecem naquele Bar.

Vejam isso! Depois da proibição de fumar dentro do bar ou mesmo na sua marquise, os fregueses passaram a reclamar das músicas que o galego tocava lá. Era breganejo, pagode, forró, dor-de-cotovelo, dor-de-corno, dores-de-amores, e outras tantas misérias que rara era a noite que um ou outro não tentava cortar os pulsos com um caco de garrafa de cerveja. Pois cansado dos protestos, ele resolveu inovar e vejam só a encrenca que ele criou.
Entra um casalzinho, procuram uma mesa bem discreta nos fundos, perto da cozinha e ao lado dos banheiros – sim a vigilância sanitária parece que não passa lá há muitas eras. Ouso dizer, culpa do Senhor Vadinho – dão-se as mãos, olham-se nos olhos, pedem uma coca com gelo e limão e dois copos – no bar do Galego não tem canudinhos.
Ela, segurando a mão do rapaz começa a falar quando a luz se apaga, o galego trepado em cima a de uma pipa de chope começa a falar:

- Galego - Atenas. O pa¬lá¬cio de Teseu. Entram Teseu, Hipólita, Filóstrato e pessoas do séqüito.

E saindo dos banheiros, um homem e uma mulher com os corpos cobertos por lençóis e começam a falar:

- TESEU - Depressa, bela Hipólita, aproxima-se a hora de nossas núpcias. Quatro dias felizes nos trarão uma outra lua. Mas, para mim, como esta lua velha se extingue len¬ta¬men¬te! Ela retarda meus anelos, tal como o faz madrasta ou viúva que retém os bens do herdeiro.

- HIPÓLITA - Mergulharão depressa quatro dias na negra noite; quatro noites, presto, farão escoar o tempo como em sonhos. E então a lua que, como arco argênteo no céu ora se encurva, verá a noite solene do esposório.

- TESEU - Vai, Filóstrato, concita os atenienses para a festa, desperta o alegre e buliçoso espírito da alegria, despacha para os ritos fúnebres a tristeza, que essa pálida hóspede não vai bem em nossas pompas. (Sai Filóstrato.) De espada em mão te fiz a corte, Hipólita; o coração te conquistei à custa de violência; mas quero desposar-te com música de tom mais auspicioso, com pompas, com triunfos, com festejos.

O galego, com uma toalha xadrez verde e vermelha enrolada à volta da cintura, torcendo os bastos bigodes, diz emocionado:

Galego - Entram Egeu, Hérmia, Lisandro e Demétrio!

O rapaz que segundos antes interpretava Teseu, muda de lençol que antes era amarelo, para um lençol branco.

- EGEU -¬ Salve, Teseu, nosso famoso duque! - E mudando o lençol amarelo para branco novamente, - TESEU - Bom Egeu, obrigado. Que há de novo? – e mudando outra vez a cor de lençol - EGEU - Cheio de dor, venho fazer-te queixa de minha própria filha, Hérmia querida. Vem para cá, Demétrio. Nobre lorde, tem este homem o meu con¬sen¬ti¬men¬to para casar com ela. Agora avança. Lisandro. E este, meu príncipe gracioso, o peito de Hérmia traz enfeitiçado. Sim, Lisandro, tu mesmo, com tuas rimas! Prendas de amor com ela tu trocaste; sob a sua janela, à luz da lua, cantaste-lhe canções com voz fingida, versos de amor fingido, e cativaste as impressões de sua fantasia com cachos de cabelo, anéis, brinquedos, ramalhetes, docinhos, ni¬nha¬rias, men¬sa¬gei¬ros de e¬fei¬to de¬ci¬si¬vo nas jovens ainda brandas...

Nesse momento crucial, eles são abruptamente interrompidos, pois a mocinha que tudo via sem nada entender, assustada começa a chorar e pede para ir embora.

Mocinha – Você me prometeu uma noite romântica e me trás num antro de loucos? Cadê as músicas de amor, cadê os músicos seus amigos? Você me trás para ver essa indecência? Homens e mulheres semi-nuas vestida em lençóis...

O rapaz, intelectual achando que estava impressionando a namorada, fica sem graça, olha envergonhado para os atores - esses sim seus amigos, não os músicos citados pela namorada – chama o galego e pede a conta.

Levanta-se e segue em direção a saída, mas antes de descer para a rua grita pro galego:

- Eu falei que essa droga de William Shakespeare não ia dar certo, da próxima vez tem de ser Plínio Marcos, Plínio Marcos, o povão não quer arte, quer palavrão.

No dia seguinte o Galego escreve com giz na tabuinha na porta do estabelecimento:

Prato do dia: Buchada de Bode, lentilhas, batatas ao murro e à noite “Navalha na Carne”





2011/10/12

A NOITE SERÁ LONGA...


sobre a mesa
garrafas
copos virados
cascas de amendoins
sob ela
(a mesa)
dorme um cachorro
que
cansou de esperar
por uma porção calabresa com cebolas
risadas
gargalhas
um de cara feia
(vítima talvez dos risos)
um estalo de dedo
outra
garrafa
beber para ignorar
o telão
onde canta
(prá desgosto dos bem pensantes)
celine dion
o cachorro se incomoda
com aqueles agudos
lancinante
e ameaça ir-se de vez
mas ele sabe
que outra rodada de
tira-gosto pode chegar
um cigarro é aceso
olhares que convergem
uma pressão
(ou opressão?)
sem uma única tragada
vai o cigarro
ao chão
é pisado
num misto de raiva e frustração
chega o garçom
outra cerveja
o cão se lambe
enchem-se os copos
riem-se por nada
a noite chega
as garrafas
os copos se chocam
e alguém grita:

- um brinde ao Vadinho!

palmas
hurras
e vivas
copos
ao alto
alguém comenta soturno e sacana:

- e pensar que o Magrão não bebe cerveja...

Melancólico
embaixo da mesa
com o rabo entre as pernas
o cão
contenta-se em roer
o cigarro apagado

a noite será longa...



2011/10/08

O MONSTRO NA TABERNA

O som dos punhos batendo na mesa ecoava há algum tempo, o taberneiro fingia que não ouvia, assim como os outros gatos-pingados que ali estavam bebendo com a desculpa de fugir da chuva que caia lá fora.
Ao som dos punhos juntou-se o uivo do grande animal sedento e furioso.
Do barril de vinho tinto tinto, o taberneiro tirou uma jarra que foi pingando em direção à mesa, deixando no chão um falso rastro de sangue. O sedento animal bebeu o vinho tinto na própria jarra, mais banhando-se nela que saciando-se, ao fim despencou na mesa imunda de resto de comida e dormiu.
O taberneiro com um sinal fez com que os empregados retirassem de lá o monstro e jogassem na rua.
Dois dos empregados correram para cumprir as ordens do patrão, mas a força combinada deles nada conseguia movê-lo, chamaram então mais dois empregados, que nada conseguiram também.
Foi preciso o auxílio dos fregueses para derrubá-lo ao chão e com esforço empurrá-lo à rua.
O que teria comido aquela criatura para pesar tanto assim? - Perguntavam-se os bêbados entre si.
Passado poucos segundos, a porta da taberna abre-se com violência e o monstruoso bêbado torna a entrar gritando que quer mais vinho tinto.

-Mais vinho tinto não há. – Responde o taberneiro pressentindo a tempestade que se abateria sobre a sua taberna.

- Como não tem mais vinho tinto? – Urrou feito um urso o bêbado, estufando o peito como se feito um lobo de história infantil, fosse soprar todos à sua frente.

O taberneiro não se intimidando gritou de trás do balcão que não havia mais vinho tinto e que ele já iria fechar a taberna, pois como todos ali, estava exausto e queria dormir.
O urro do animal foi tremendo e fez até o mais empedernido dos fregueses temer pela própria vida. Mas nem isso fez o taberneiro mudar de opinião. Não serviria mais vinho tinto para ninguém. Ninguém, frisou, conseguindo assim perder a cumplicidade dos outros fregueses que bebiam ali.
Pensava o taberneiro que falando assim, faria com que os bêbados enfurecidos expulsassem o encrenqueiro de vez para a rua.
Outro urro, agora parecido com um rugido o fez repensar sua decisão de não servi-lo mais. Como um urso selvagem o monstruoso bêbado batia com os punhos no peito molhado e gritava que arrebentaria tudo ali se não fosse servido imediatamente.
Os fregueses olhavam para o proprietário implorando para servir logo aquele sujeito. O medo estava estampado nas faces vermelhas e alcoolizadas. Por um longo e interminável segundo o silêncio reinou naquela taberna, logo partido por uma cadeira que voou em direção a um pobre infeliz que bebia sozinho sentado num canto, quebrando-lhe o pescoço e levando-o a morte instantaneamente.
Passando a mão no rosto o pobre taberneiro falou para si mesmo:

- Eis a tempestade, agora não tem mais volta.

Enquanto todos acorriam para ver o morto, o taberneiro numa calma anormal para aquela situação, dirigiu-se para o balcão.
Em volta do cadáver que ainda mantinha preso a mão a caneca de vinho tinto, os homens agora refeitos da bebedeira olhavam com a respiração suspensa para o proprietário. O que ele faria agora? O assassino ignorando o morto, as testemunhas, a situação à sua volta, rosnava:

- Meu vinho tinto ou outra morte?

Ouviu-se o baque do corpo do morto caindo no chão outra vez, agora largado dos braços dos que o socorriam.

- O infeliz praticamente morreu duas vezes no mesmo lugar – lamuriar-se-ia a viúva durante o seu funeral, dias mais tarde...

Os passos do possesso em direção ao balcão fazia o chão tremer, e os homens que a gora queriam fugir do mesmo destino do morto, começaram a bater os dentes por puro terror. Atrás do balcão com as duas mãos espalmadas, o taberneiro olhava para o monstro que vinha em sua direção. Eles se olhavam nos olhos, não piscavam, não tremiam, não demonstravam medo, eram duas estátuas sem qualquer sentimento.
Os passos abafavam qualquer outro som. E que outro som se ouviria ali que não os de corações bombeando sangue? Passos fortes, pesados, furiosos, assassinos, passos de um animal pronto para o bote, passos que levariam o predador à presa.
O morte estava presente e tão faminta de cadáveres como a Besta estava sedenta de vinho tinto. Por fim o monstro chega ao balcão, bate com a mãozarrona no balcão e chegando sua cara ao rosto pálido do taberneiro rosnou?

- Vai me servir o vinho tinto ou não?

O hálito da fera era horrível. De quê se alimentaria esse demônio?, que criaturas ele já deveria ter devorado? Pegando outra cadeira, ele a jogou contra uma janela. O vento úmido de chuva que entrou apagou a maioria das velas, deixando o ambiente ainda mais assustador. Os bêbados tentavam, arrastando-se pelas paredes, chegarem à porta e fugir, mas adivinhando a fuga, o monstruoso bêbado empurrou a mais pesada das mesas com apenas uma das mãos na direção deles, deixando bem claro qual era a sua intenção.

- Ninguém sai daqui até eu mandar – rosnou.

Até o morto, que morto estava, encolheu-se ainda mais, quebrando a caneca que estava em sua mão.
O taberneiro via tudo isso impassível, inabalável, impávido. Era uma demonstração de coragem e virilidade que há muito não se via naquelas redondezas. Um dos bêbados chegou a cochichar que se saísse vivo daquela confusão, indicaria o nome do taberneiro para o alcaide da vila.
Mas com o bater das mãos do mostro no balcão todos voltaram à realidade, realidade que não oferecia nenhuma garantia de vida essa noite.
- Vai me servir o vinho tinto ou não taberneiro? – Gritou dessa vez.

Silêncio, corações disparados, a certeza de morte no ar e o taberneiro imóvel atrás do balcão.

- Vai me servir o vinho tinto ou não homem morto? – falou crispando os dedos e com a as unhas arrancando farpas da madeira do balcão.

O taberneiro olhando profundamente nos olhos do monstro, encarando cada freguês ali assustado, pigarreou, cuspiu no chão e chegando bem perto do ouvido direito daquela monstruosidade disse:

- O vinho tinto acabou, o senhor aceita branco?



2011/10/07

CAOS

“All I need's a Holocaust
To make my day complete”
Alice Cooper in My Stars




Em forma de impostos extorsivos, cobranças abusivas, falta de garantias e crimes mil, a população há muito tempo era penalizada. Para cada imposto, uma explicação descarada e sem sentido, a justiça ausente e venal, o crime presente e a descrença crescente.
As pessoas, por fim, chegaram ao seu limite de humanidade e regrediram à mais baixa e violenta barbárie, cortando todo e qualquer vínculo com a civilidade.
Passaram a viver no mais pétreo egoísmo e insensibilidade.
Matavam e se matavam.
Saíam às ruas como cães raivosos, atacando e destruindo tudo o que lhes aparecesse pela frente.
Nas ruas imundas pululavam as mais terríveis doenças, a peste arrebanhava multidões para a morte.
Mortes e mais mortes a cada dia tornavam as pessoas menos humanas e expunham suas mais torpes características animais.
O sinal de que tudo estava perdido foi sentido pelos banqueiros. Eles foram os primeiros a abandonar as cidades na calada da noite. Fecharam suas agências e, como ladrões, fugiram com os depósitos dos clientes. Grandes redes e distribuidoras de alimentos, que por anos e anos haviam explorado a população, sumiram como que por encanto, deixando prédios vazios ou quase, pois os ratos continuaram por lá, recolhendo cada farelo, cada grão, cada pedaço de comida que tivesse sobrado durante a fuga.
Nada sobrou para os humanos.
Sem dinheiro, sem comida e sem segurança, pois sem bancos e grandes empresas para protegê-los, a justiça foi-se também, largando todos à própria sorte e, largados à própria sorte, regrediram ao estado mais animalesco.
Inimigos de si mesmos, inimigos de seus vizinhos, vomitando a verde bílis da raiva há muito fermentada no coração, declararam guerra ao que restou de civilidade.
Na sanha cega, estúpida, atracavam-se mutuamente. Desrespeitavam com júbilo e prazer baboso tudo o que pudesse ser Lei ou Ordem.
Começaram com as leis de trânsito, parando em qualquer lugar, de preferência vagas de idosos e deficientes, depois em cima das calçadas, passando em seguida a atropelar os transeuntes que corriam pelas ruas carregando os saques feitos nas lojas e supermercados abandonados. E assim descobriram por acidente uma forma de descarregar seus ódios e frustrações e ainda arrumarem um pouco mais de alimento.
Pura matemática: menos pessoas vivas igual a mais comida.
Nas ruas, ouvia-se uma cacofonia de gritos e choros.
Passados os dias, o estado das coisas degringolava ainda mais e a insanidade alcançava novos patamares.
Depois de massacrarem-se a torto e a direito, passaram a matar-se. Matavam-se com requintes de cruel e desumana perversidade. Imaginavam formas de matarem-se, levando consigo o maior número possível de pessoas.
Roubavam caminhões e com eles arrojavam-se sobre as multidões que brigavam por um pedaço de pão, por um resto de comida, por um rato gordo. Tomavam velocidade e iam em frente, imaginavam-se bolas de boliche tentando fazer um strike.
A loucura grassava.
Em meio a toda essa demência, vê-se sobre a murada de um canal de esgoto um homem velho e sujo de barba branca, com o corpo magro envolvido em um cartaz de propaganda política arrancada de um poste de luz que, como que saído do Velho Testamento, clamava aos céus.
Feito um eremita possesso, gesticulava os braços arengando aos girinos seu sermão apocalíptico. Essa confrangedora peroração só foi interrompida quando um automóvel cantando pneu entrou na contramão, estatelando-se contra um velho galpão abandonado.
A patuléia ignara e famélica acorreu desesperada e sedenta para cima do infeliz motorista e de seus acompanhantes feridos que agonizavam nos escombros.
A pregação apocalíptica do senil profeta tomou um aspecto ainda maior diante de tão dantesca imagem. E rindo seu riso sem dentes descrevia, alucinado, os detalhes da escabrosa cena aos girinos:

- Vejam, meus filhos, quando vocês voltarem a essa terra, voltem melhor que isso! Por favor, voltem melhor que isso! – e de braços abertos em cruz, rindo, ofereceu-se em holocausto à multidão, pela qual foi consumido no violento torvelinho...

Um chão manchado de encarnado foi o que sobrou dele.
O caos, num crescendo, oprimia a cidade decadente...
Desesperançadas, as pessoas pulavam das janelas, jogavam-se sob trens desgovernados; carros batiam e se chocavam propositalmente com outros carros, como num demoníaco parque de diversões; corpos mutilados espalhavam-se pelas ruas e os urubus cobriam os céus como negras nuvens de tempestade.
A abóbada celeste já era um negrume só de tantos abutres e o ar pestilento disputava com os homicida-suicidas quem matava mais.



- Empate técnico! – comentavam entre si os primeiros girinos ao saírem da água...



2011/10/04

DONA ALZIRA E DONA LOLA

(Drama Geriátrico-relâmpago)

(sons de tosse, pigarro, espirros, lamentações)



Dona Lola - Quer um cafézinho?

Dona Alzira - Não! Prefiro um chá.

Dona Lola - Erva-doce?

Dona Alzira - Não. Mate com lima

Dona Lola - Quente?

Dona Alzira - Não. Frio.

Dona Lola - Bolachinha?

Dona Alzira - Pão.

Dona Lola - Com manteiga?

Dona Alzira - Geléia.

Dona Lola - De ameixa?

Dona Alzira - Goiaba.

Dona Lola - Que dia é hoje?

Dona Alzira - Terça- feira...

Dona Lola - Não é quarta não?

Dona Alzira - Não, terça. Ta aqui na folhinha veja.

Dona Lola - Mas essa folhinha é de 1964

Dona Alzira - E que diferença faz prá você o ano? Todos os nossos dias são iguais...

Dona Lola - Humpf! (tosse) Quase me engasgo com a dentadura



(pausa)



Dona Alzira – É o Gardel cantando?

Dona Lola - Gardel morreu ontem... Encontram ele com as perninhas prá cima durinho, durinho...


(chove)


Dona Alzira - Cadê o meu café?

Dona Lola - Mas você pediu chá mate.

Dona Alzira - Demorou tanto que agora café.

Dona Lola - Preto?

Dona Alzira - Com leite.

Dona Lola - Frio?

Dona Alzira - Não, condensado.

Dona Lola - Ainda vai querer pão?

Dona Alzira - Não, agora quero brioche...

Dona Lola - Que dia será hoje? Será que é já é quarta-feira?

Dona Alzira - Não, hoje ainda é terça-feira.

Dona Lola - Mas como você pode afirmar isso?

Dona Alzira - Você está esperando alguém?


(toca uma campainha ao longe)


(som de cadeiras sendo arrumadas, empurradas, caindo)



Dona Lola - Quem eu? Não. Não espero mais ninguém faz tempo. É que eu gosto de saber os dias da semana...

Dona Alzira - Prá que? Prá fazer docinho prá visitas?

Dona Lola - Mas que visitas...

Dona Alzira - Aquelas que você vive esperando nas quartas-feiras...

Dona Lola - Quartas-feiras, quintas-feiras, sextas-feiras.... Todos os meus dias são iguais...

Dona Alzira - E o chá, vem ou não?

Dona Lola - Mas o que você quer chá ou café?



(pausa)



Dona Alzira - O que vier primeiro... Ainda vai demorar?

Dona Lola - Cada dia que passa mais entendo porque a sua família deixou você aqui...

Dona Alzira (alterada, nervosa)- Só a minha me deixou aqui, só a minha? E a sua filha?

Dona Lola (nervosa e alterada) - E o seu filho então?

Dona Alzira - Era você quem vivia reclamando dos seus netos.

Dona Lola - Mas era você quem trocava o açúcar pelo sal e deixava as crianças doentes...

Dona Alzira - Mas nunca ameacei jogar nenhum dos meus netos pelas janelas.

Dona Lola - Mas isso nunca me passou pela cabeça, sua jararaca maldosa

Dona Alzira - Jararaca é a sua filha que nos colocou aqui.

Dona Lola - Café ou chá?


(pausa)


Dona Alzira - Formicida prá nós duas.

Dona Lola - Não é melhor guardar para quando nos filhos vierem nos visitar?

Dona Alzira - Besteira! O dia que eles vierem aqui, o veneno já perdeu a validade...

Dona Lola - Que dia é hoje?

Dona Alzira - Terça-feira ainda.

Dona Lola - Que um café?


(pausa)


Dona Alzira - Não. Prefiro um chá.

Dona Lola - Erva-doce?

Dona Alzira - Não. Mate com limão



(fade out)



Dona Lola – Tem certeza que hoje não é quarta-feira...?

Dona Alzira – Já falei, terça-feira, terça-feira, terça-feira

Dona Lola – Café ou chá?

Dona Alzira – Licor de Jenipapo...

Dona Lola – Copo ou taça?