2011/10/08

O MONSTRO NA TABERNA

O som dos punhos batendo na mesa ecoava há algum tempo, o taberneiro fingia que não ouvia, assim como os outros gatos-pingados que ali estavam bebendo com a desculpa de fugir da chuva que caia lá fora.
Ao som dos punhos juntou-se o uivo do grande animal sedento e furioso.
Do barril de vinho tinto tinto, o taberneiro tirou uma jarra que foi pingando em direção à mesa, deixando no chão um falso rastro de sangue. O sedento animal bebeu o vinho tinto na própria jarra, mais banhando-se nela que saciando-se, ao fim despencou na mesa imunda de resto de comida e dormiu.
O taberneiro com um sinal fez com que os empregados retirassem de lá o monstro e jogassem na rua.
Dois dos empregados correram para cumprir as ordens do patrão, mas a força combinada deles nada conseguia movê-lo, chamaram então mais dois empregados, que nada conseguiram também.
Foi preciso o auxílio dos fregueses para derrubá-lo ao chão e com esforço empurrá-lo à rua.
O que teria comido aquela criatura para pesar tanto assim? - Perguntavam-se os bêbados entre si.
Passado poucos segundos, a porta da taberna abre-se com violência e o monstruoso bêbado torna a entrar gritando que quer mais vinho tinto.

-Mais vinho tinto não há. – Responde o taberneiro pressentindo a tempestade que se abateria sobre a sua taberna.

- Como não tem mais vinho tinto? – Urrou feito um urso o bêbado, estufando o peito como se feito um lobo de história infantil, fosse soprar todos à sua frente.

O taberneiro não se intimidando gritou de trás do balcão que não havia mais vinho tinto e que ele já iria fechar a taberna, pois como todos ali, estava exausto e queria dormir.
O urro do animal foi tremendo e fez até o mais empedernido dos fregueses temer pela própria vida. Mas nem isso fez o taberneiro mudar de opinião. Não serviria mais vinho tinto para ninguém. Ninguém, frisou, conseguindo assim perder a cumplicidade dos outros fregueses que bebiam ali.
Pensava o taberneiro que falando assim, faria com que os bêbados enfurecidos expulsassem o encrenqueiro de vez para a rua.
Outro urro, agora parecido com um rugido o fez repensar sua decisão de não servi-lo mais. Como um urso selvagem o monstruoso bêbado batia com os punhos no peito molhado e gritava que arrebentaria tudo ali se não fosse servido imediatamente.
Os fregueses olhavam para o proprietário implorando para servir logo aquele sujeito. O medo estava estampado nas faces vermelhas e alcoolizadas. Por um longo e interminável segundo o silêncio reinou naquela taberna, logo partido por uma cadeira que voou em direção a um pobre infeliz que bebia sozinho sentado num canto, quebrando-lhe o pescoço e levando-o a morte instantaneamente.
Passando a mão no rosto o pobre taberneiro falou para si mesmo:

- Eis a tempestade, agora não tem mais volta.

Enquanto todos acorriam para ver o morto, o taberneiro numa calma anormal para aquela situação, dirigiu-se para o balcão.
Em volta do cadáver que ainda mantinha preso a mão a caneca de vinho tinto, os homens agora refeitos da bebedeira olhavam com a respiração suspensa para o proprietário. O que ele faria agora? O assassino ignorando o morto, as testemunhas, a situação à sua volta, rosnava:

- Meu vinho tinto ou outra morte?

Ouviu-se o baque do corpo do morto caindo no chão outra vez, agora largado dos braços dos que o socorriam.

- O infeliz praticamente morreu duas vezes no mesmo lugar – lamuriar-se-ia a viúva durante o seu funeral, dias mais tarde...

Os passos do possesso em direção ao balcão fazia o chão tremer, e os homens que a gora queriam fugir do mesmo destino do morto, começaram a bater os dentes por puro terror. Atrás do balcão com as duas mãos espalmadas, o taberneiro olhava para o monstro que vinha em sua direção. Eles se olhavam nos olhos, não piscavam, não tremiam, não demonstravam medo, eram duas estátuas sem qualquer sentimento.
Os passos abafavam qualquer outro som. E que outro som se ouviria ali que não os de corações bombeando sangue? Passos fortes, pesados, furiosos, assassinos, passos de um animal pronto para o bote, passos que levariam o predador à presa.
O morte estava presente e tão faminta de cadáveres como a Besta estava sedenta de vinho tinto. Por fim o monstro chega ao balcão, bate com a mãozarrona no balcão e chegando sua cara ao rosto pálido do taberneiro rosnou?

- Vai me servir o vinho tinto ou não?

O hálito da fera era horrível. De quê se alimentaria esse demônio?, que criaturas ele já deveria ter devorado? Pegando outra cadeira, ele a jogou contra uma janela. O vento úmido de chuva que entrou apagou a maioria das velas, deixando o ambiente ainda mais assustador. Os bêbados tentavam, arrastando-se pelas paredes, chegarem à porta e fugir, mas adivinhando a fuga, o monstruoso bêbado empurrou a mais pesada das mesas com apenas uma das mãos na direção deles, deixando bem claro qual era a sua intenção.

- Ninguém sai daqui até eu mandar – rosnou.

Até o morto, que morto estava, encolheu-se ainda mais, quebrando a caneca que estava em sua mão.
O taberneiro via tudo isso impassível, inabalável, impávido. Era uma demonstração de coragem e virilidade que há muito não se via naquelas redondezas. Um dos bêbados chegou a cochichar que se saísse vivo daquela confusão, indicaria o nome do taberneiro para o alcaide da vila.
Mas com o bater das mãos do mostro no balcão todos voltaram à realidade, realidade que não oferecia nenhuma garantia de vida essa noite.
- Vai me servir o vinho tinto ou não taberneiro? – Gritou dessa vez.

Silêncio, corações disparados, a certeza de morte no ar e o taberneiro imóvel atrás do balcão.

- Vai me servir o vinho tinto ou não homem morto? – falou crispando os dedos e com a as unhas arrancando farpas da madeira do balcão.

O taberneiro olhando profundamente nos olhos do monstro, encarando cada freguês ali assustado, pigarreou, cuspiu no chão e chegando bem perto do ouvido direito daquela monstruosidade disse:

- O vinho tinto acabou, o senhor aceita branco?



Um comentário:

Unknown disse...

AI QUE MEDO!

E ele aceitou o vinho branco da paz? Pelo que me pareceu ele bebia o vinho tinto como se fosse sangue.

Coitado do morto que precisou de mais um esforço para se tremer de medo.

Nunca vi uma fúria assim.

Palmas ao taberneiro!

Beijos

Mirze