2010/11/17

Basicamente acabou assim

...e então às cinco e meia da manhã do dia vinte e cinco de dezembro, natal, tia Tulipa saiu de fininho com o motorista da família, colocando um ponto final nessa festa dos infernos, da qual, tinha certeza, era a sua última com esse bando de abutres.

Foi-se, levando o que pode poucas roupas, uns pedaços de peru, dois figos, um punhado de cerejas, um engradado de cerveja e todo o dinheiro que conseguiu roubar dos bolsos e bolsas dos parentes.

Enquanto Tia Tulipa fazia a pilhagem, num suspeito fusca azul estacionado na rua de trás, que dava para os fundos da casa, Celinha, que se despedia do namorado traficante, tonta e alucinada, vomitava toda a comida consumida na noite anterior. O que, para sua sorte, a salvou de um envenenamento por cianureto, haja vista o prato que lhe foi servido, por engano, era destinado à Tia Tulipa, que naquele momento encontrava-se ao telefone recebendo votos natalinos de felicidades e bom ano novo.

Tio Zezinho, ao acordar, para seu desgosto - com a justiça divina, afinal sempre se sentiu perseguido pela má sorte, um fantoche do destino! - desgraçadamente percebe que ainda está casado e não viúvo, mas abandonado e trocado por um motorista semi-analfabeto. Maldita má sorte – pragueja para si mesmo...

Amaldiçoou Deus, a indústria farmacêutica, e os sobrinhos-netos, aqueles drogados inúteis, incapazes de uma simples troca de pratos. Em silêncio felino revirou a casa à cata de algo de valor, mas amargurado, constato que Tulipa não deixara nada de grande valor que valesse roubar.

Ouvindo passos no andar de cima Zezinho, silenciosamente voltou ao seu quarto e fingiu dormir, mas ficou de ouvidos atentos.

As crianças dormiam o sono dos justos e inocentes enquanto esse drama se desenrolava.

Os passos ouvidos eram dos donos da casa, Aurélio e Sarita que acordavam para contabilizar os estragos da noite anterior, velho hábito de família que passava de geração a geração. Todos os anos eles acordavam cedo, contabilizavam o que havia sido quebrado, estragado, roubado, e durante o café da manhã, cobravam dos parentes e convidados.

Com grande espanto, mesmo para essa família constataram que os estragos desse ano haviam passado da conta. Pois além dos eternos roubos de talheres, quadros, copos de cristal esse ano houve roubo de carteiras, relógios, jóias em geral!

Um abuso de confiança, mesmo para uma família como aquela!

Acusaram-se mutuamente por terem, mais vez, resolvidos comemorar outro Natal em família.

Aurélio depois de discutir com Sarita trancou-se em seu quarto – pois dormiam em quartos separados, segredo esse guardado à sete chaves - e telefonou para o amante.

Ela, chorando, com as mãos cheias de tranqüilizante, acorreu à garagem procurando consolo nos braços de Jeremias, e lá chegando, descobre um bilhete deste, explicando sua fuga com Tia Tulipa e pedindo desculpas pelo roubo do carro. Em choque Sarita deixa suas pílulas caírem de suas mãos e rolarem pelo chão, desesperada joga-se ao solo, e rastejando começa a catá-las uma a uma, sem prestar atenção à gritaria no quarto das crianças.

Pois elas ao acordarem, sorrateiramente vão ao quarto destinado à velha tia, e lá em vez de encontrarem o corpo duro, morto e envenenado da parenta, encontram isso sim, outro bilhete, na raiva cega de ex-herdeiros, e como de hábito nessa família, passam a atracar-se entre si, a se acusarem mutuamente, e no calor da discussão rasgam o bilhete sem ler.

E a missiva assim ao ser picada e jogada fora, priva essa história de uma boa dose de drama e conspiração.

Nem mesmo a competentíssima polícia, mais tarde, tomará conhecimento dessa peça de grande interesse literário e policialesco.

Os outros convidados que ainda dormiam foram acordados pelos gritos que agora vinham de todos os cantos da casa. Aurélio, ao telefone num misto de choro, desespero e palavrões – pronunciados em alemão com forte sotaque da Bavária - gritava com o amante, não querendo conselhos, ou palavra de apoio, queria vingança, sair daquela hoje mesmo, queria ser feliz, tudo dito entre soluços, socos nas paredes, chutes em Estácio III, seu poodle cor-de-rosa, que nervoso com tantos gritos, latia histericamente; Sarita, na garagem, gritava pela perda de Jeremias, das pílulas, pela vergonha de, agora, todos saberem que seu marido tinha um amante, e pela receita de seus calmantes que estavam no porta luva do carro; as crianças continuavam brigando, e lutando rolavam escada abaixo, derrubando os vasos chineses, os quadros das paredes, e derrubando os resto de comida da mesa no tapete.

Aproveitando-se da confusão, Tio Zezinho tenta empreender fuga, levando consigo um quadro de Picasso, de sua fase azul, mas quando abre a porta da frente, Celinha entra correndo, aos vômitos, amparada por seu namorado chapado, que fugia da polícia...




EPILOGO
Agora Dramaticamente Resumido




Tia Tulipa foi feliz até uma parada na estrada para um café, quando foi abandonada no toalete, e Jeremias fugiu com todas as sacolas do saque da velha senhora.

Tio Zezinho, acusado pelos sobrinhos-netos - em troca de redução de pena - foi preso por tentativa de assassinato por envenenamento, sedução de menores – eles mentiram para a polícia, dizendo que eram molestados pelo velho safado – e, por fim, tentativa de roubo. (aqui um pequeno adendo - Tanto o velho quanto os policias, não souberam reconhecer a falsidade do quadro, que havia sido trocado pelo verdadeiro por Aurélio que presenteou o amante com o original).

Sarita, histérica em último grau foi internada num sanatório, e logo esquecida pelos filhos.

Celinha, posteriormente descobriu que vomitava tanto por estar grávida. Hoje se dedica de corpo e alma a uma seita neo-pentecostal. Largou o antigo namorado-forncedor, e também as drogas sintéticas.

As crianças foram enviadas para um colégio interno, onde dois dias depois, encontraram o ex-namorado de Celinha e passaram a traficar em portas de escolas. Esse cronista crê não durarão muito!

Aurélio hoje mora com o marido – casaram-se em Londres – mas ainda é infeliz, desconfia que é traído, toma calmantes cinco vezes por dia e corre o risco de ficar impotente.

E Jeremias com o dinheiro roubado de Tia Tulipa, criou uma Igreja Neo-Pentecostal para ex-drogados...

CONVERSA DE BAR E SUAS IMPLICAÇÕES

Na terceira mesa à esquerda de quem entra no bar do portuga, num canto sujo e infecto, sob uma lâmpada de quarenta watts, seis amigos, já altos, conversam, riem alto e bebem outra rodada de chope.
A peroração continua, até que de repente Zé Carlos, o fuinha, batendo a mão com força na mesa a ponto de jogar os amendoins ao chão grita com fúria nunca vista antes:

- Pelo menos eu não sou corno!

O silêncio cai sobre a mesa fazendo mais estrago que um container sobre um fusca. Todos se olham, baixam a cabeça e deixando os copos cheios, as rodelas de lingüiça com cebola e os amendoins no chão. Lentamente, colocam as mãos nos bolsos, tiram de lá uns trocados que deixam sobre a mesa e vão-se. Nunca mais se encontram.

Ou.

Todos se olham, dois pegam o Fuinha pelo colarinho e começam a sacudi-lo, Andrézinho, cobre o rosto com as mãos calejadas e começa a soluçar, num segundo pula sobre Fuinha e ameaça cortar sua garganta com uma tulipa de chope. Os outros dois que estavam ao seu lado ficam espantados com:

1. A violência de Andrézinho, e
2. Saber que ele é corno.

- Logo o Andrézinho o mais bacana de todos ali na mesa, que injustiça!

Os fregueses acorrem para apartar a briga, os garçons correm para cobrar a conta e o português puxa o bigode preocupado com os prejuízos.
O pau corre solto.
Após a briga nunca mais se falam, e dias depois lêem no jornal que Andrézinho foi preso por agressão, mas a mulher passa bem no hospital

Ou.

Entra o pessoal do “deixa disso”, pedem outra rodada de chope e mais amendoim salgado. Fuinha, explica que não sabe o que deu nele para falar uma coisa dessas, bebe três tulipas de chope de uma só vez, engasga, tosse e começa a chorar. Todos se olham sem graça.

- Será que ele é o corno? - Perguntam-se.

O garçom chega com os amendoins e quebra o gelo.
No balcão toca o telefone que o português atende com rápida presteza. Ele grita:


- Telefone “prú” Fuinha, ó Fuinha! É a Dona Emília.


Os amigos param de beber e com os copos a meio caminho entre a mesa e a boca, se perguntam:

- Quem é dona Emília?

Fuinha, calmamente acaba seu chopinho, enche a mão com os amendoins e levanta-se para ir balcão atender ao telefone.
O garçom traz outra rodada de chope.
A noite vai ser longa para explicar essa história...

Ou.

2010/11/11

ALMOÇO


Feliz é o Vadinho, pois com ele nada disso acontece!


Estava indo almoçar quando, de frente aos Correios um mendigo (qual é palavra politicamente correta para isso?) quase me abordou para me vender umas jujubas, diante de meu espanto, sim espanto, pois andava mergulhado em preocupações e elucubrações outras que comprar guloseimas. Com tal sobressalto ele se afastou e começou a gritar - sua boca possuía somente dois dentes -, que estava feliz, não, muito feliz, transbordante de felicidade, que estava até melhor que eu, pois trazia ele Jesus no coração.

- Mais para assombrar minha alma já tão atormentada...

Seus gritos de insana alegria foram ficando para trás á medida que seguia o meu caminho em direção ao restaurante onde eu deveria comer minhas folhas verdes em detrimento das adoradas massas e as deliciosas sobremesas – maldita diabetes.

Mas foi andar uma ou duas ruas e uma mocinha (ruiva, olhos negros e sardas) muito simpática me pára para fazer uma pesquisa “ultra-rápida senhor”, respondi de má-vontade, não deixei meu celular, pois como lhe disse; - “Não vou comprar nada” - segui sem ouvir-lhe qualquer outra explicação.

Já via meu restaurante e suas alfaces quando uma mão me segura o braço, fazendo quase cair meu cigarro (velho companheiro de desditas), e ouço a voz histérica que me diz:

- Pare de fumar! Eu consegui, faça o mesmo, esforce-se e largue do cigarro enquanto ainda é tempo. Siga meu exemplo, para de fumar!

Olhei para o sujeito de alto a baixo, era um fulano que trabalhava no mesmo lugar que eu, um sujeito a quem me limitava a dar um bom ou um até amanhã quando o encontrava no corredor do prédio. Nunca havia trocado outra palavra sequer com ele, nunca havia lhe dado qualquer liberdade, como ele poderia vir falar assim comigo?

Pelo meu olhar ele deve ter desconfiado do meu desagrado, largando meu braço pediu para que eu pensasse no assunto com carinho e seguiu seu caminho, talvez frustrado, pois não lhe dei nenhuma esperança de vir a pensar nisso.

- A salada de hoje vai me cair amarga! – matutei com meus botões.

Antes de atravessar a praça e entrar para comer vi um pastor evangélico começar a pregar seus apocalipses e antes que ele olhasse para mim, apertei o passo para o restaurante.

E pensar que ontem choveu tanto...