2011/03/31

FÉRIAS


Non abbiate paura


Estou de férias, ou deverei estar de férias quando essas bem traçadas e corrigidas linhas (viva o word e seu corretor ortográfico!) forem lidas.

365 dias foram trabalhados, de sol a sola, de chuva a chuva, de má vontade, vindo de ônibus, de carro ou de carona, sempre de má vontade, às vezes rindo (de escárnio), muito mais vezes que posso contar ou lembrar usando de cinismo para agüentar o tranco, fumando feito louco para suportar as pessoas ao meu lado...

Um mês sem emails, um mês afastado das besteiras, bobagens, insensatez desse mundo virtual em que vivo e enlouqueço...

Por curtos, absurdamente curtos e velozes trinta dias, darei sossego (não farei citações) ao Vadinho, ao Magrão, ao Sílvio e outras vítimas menos citadas em meus textos.

Longe dos infortúnios do cotidiano, longe dos miseráveis que cercam (e inspiram minhas crônicas cínicas e amargas) o prédio onde trabalho, longe das putas da Brás Cubas, Senador Feijó, General Câmara, dos mendigos, dos engraxates, dos pedintes, dos pregadores de apocalipses da Praça Mauá, longe dos pombos e dos urubus que ficam na janela da minha sala, observando nossa morte lenta com paciência e resignação (eles crêem que ainda nos comerão), dos caminhões buzinando para os trens saírem da frente deles...

Trinta noites fáceis de dormir sem chás calmantes...

Por que temos que trabalhar tanto? Indago isso ao Silvio, O Sábio; pergunto ao Vadinho, O Memorioso; inquiro o Magrão, O Apaixonado; mas ninguém, ninguém me responde...

Vou-me de férias, sim vou-me de corpo e alma, vou-me, mas gostaria de despedir-me dizendo:

- Até nunca mais! – Deliro, sim deliro, mas um dia, Deus ou a Loteria há de me libertar disso (posto que já desisti, há muito, de uma sinecura...)!

Até mais.

2011/03/30

Cristina


Saiu do banheiro em direção à cozinha. Preocupado, tremia e suava a camisa já estava empapada. Acendeu a luz e dirigiu-se ao armário. Olhou para dentro, tirou as latas de ervilhas, de milho verde, palmito, sardinha... Esvaziou o armário todo. Todas as latarias largadas e espalhadas pelo chão. Algumas ainda estavam rolando de um lado para o outro.

- Que diabo, onde ela foi se enfiar?

Foi à sala. Levantou os tapetes, empurrou os sofás, quase deslocou o ombro direito tentando empurrar a estante para outro lugar. Dolorido, resolveu retirar os livros, um a um, para poder procurar com mais cuidado. Nada encontra. Volta a sua frustração a TV, com um exemplar de a Divina Comédia (capa amarela, livro antigo comprado há muito tempo) joga contra o tubo de imagem, provocando grande barulho e sujeira com os estilhaços do vidro.

Os vizinhos debaixo preocupados com o barulho imaginaram:

- Estão de mudança!

No chão uma pilha de livros. De todos os tamanhos e cores. Ele estava no momento em sua “fase”¹ azul . Nada.

Vai ao quarto, levanta a cama de casal e a encosta na parede. Abre o guarda-roupa, retira de lá todas as peças, e as espalha. Camisas, cuecas, calças, paletós, tudo espalhado pelo quarto.

- Com essa bagunça vai ficar mais difícil achar alguma coisa.

Volta à cozinha. Abre as gavetas de talheres, joga tudo para o alto. Facas, garfos, colheres tudo voando como num furacão. As panelas seguem o mesmo destino, espalhados pelo chão. Volta à sala. Começa a arrancar as cortinas, pelos trilhos.

Mais barulho. Olhando para dentro do apartamento teríamos a impressão que ali houvera um incêndio, ou qualquer outro tipo de desastre.

Arrancando os cabelos do peito (haja vista que já era calvo), ele volta para no centro da sala e começa a olhar para os lados. Tentando imaginar um canto qualquer que ainda não tivesse sido revistado. Dando um tapa da cabeça ele volta para o banheiro. Com uma força sobre humana ele arranca o vazo sanitário. Chacoalha o vazo. Olha para dentro dele. E por fim arrebenta-o jogando contra a parede ladrilhada.

Embaixo os vizinhos começam a se preocupar.

Os ladrilhos começam a cair, a princípio um a um. Logo uma chuva de ladrilhos inunda o chão do banheiro deixando as paredes em petição de miséria.

Então no meio do entulho surge uma barata cascuda, suja, imunda e repugnante. Vendo isso ele grita:

- Cristina, onde você se enfiou dessa vez???

Abrigando-a carinhosamente em suas mãos, ele a banha com suas lágrimas

- Cristina, Cristina, Cristina...


 
[1] No mínimo aprendeu isso com o Vadinho!

2011/03/29

NÃO CORTE OS PULSOS

Não corte os pulsos
Desligue a Billie
Ponha o copo no chão
Lentamente feche a janela
Não corte os pulsos
Guarde a faca de volta na gaveta
Ponha o disco de volta na capa
A Billie não pode ajudá-lo nesse momento
A bebida só anestesia
Mas não o faz esquecer
Repita e repita
(a si mesmo)
Não corte os pulsos
Aquelas cartas
Aquelas linhas tortas de paixão
Aquelas folhas amassadas
Rasgadas
rabiscadas
Esqueça tudo isso
Esqueça
E lembre-se
Não corte os pulsos
Tente amanhã
Tente outra vez amanhã
Mas para haver um amanhã
É preciso muito que você
Não corte os pulsos

Momento propaganda.

Click na linha para ler & saber mais.
Por sinal, tenho certeza que Crepúsculo está empoeirado em algum canto na minha estante...

Constatação

De saudade, chora-se prá dentro
De arrependimento,
Prá fora e com platéia...

2011/03/25

"Agamenon Errou"

COLABORAÇÃO DO Sr. ALEXANDRE COSTA


Eu procurava por textos novos, revirava as gavetas do móvel do quarto, procurava na estante da sala por qualquer coisa, um bilhete, um recado, precisava muito de algo novo, já estava cansado de escrever sempre as mesmas coisas. Mas não seria eu que não escrevia há muito tempo, que encontraria nas minhas próprias coisas, algo novo, uma novidade, a intensidade de um belo texto – isso eu já não tinha mais. Lembro-me que Agamenon me advertiu sobre a morte das palavras, como se a desistência delas não fosse da vontade do autor.

Confesso que muitas vezes, dezenas delas, começava um texto baseado em uma palavra ou frase que havia escutado em algum lugar por onde passara, mas nada ultrapassava três ou quatro linhas – eu desistia com muita e apaixonada vontade. Paixão em desistir? Isso existe? Talvez exista em mim!

Continuava pela casa à procura do texto. Eu não sabia que não o tinha, eu tinha certeza de que o encontraria – era simplesmente uma questão de fé e não de fato.

Cansado, me deitei no sofá e tentei lembrar-me de onde havia abandonado algo que eu ainda não tinha – o texto novo!

Se ele estivesse camuflado no teto, escondido nas sombras dos quadros na parede, eu não sei, talvez o encontrasse, ou nunca, mas por um motivo que eu não sabia, eu não desistia de procurar.

Não sei se passei muito tempo assim, porque naquela hora eu não contava o tempo, mas ele me contava, como se eu tivesse um prazo de validade para encontrar o texto, ou escrevê-lo.

Então, não por minha vontade, mas por um espírito que me domina sem intenção e desejo, escrevo esta pequena narrativa e ponho fim ao motivo que me trouxe até aqui.



MANUAL

1. Não me convidem para festas:


• De crianças
• Batizados de crianças
• Aniversários de crianças
• Onde haja crianças:

Que chorem
Que corram de um lado para outro
Que se lambuzem de doces
Que fiquem pedindo
Que fiquem oferecendo
Que fiquem perto de mim


2. Não me falem de

• Cunhados
• Cunhados vindo me visitar
• Cunhados que se recuperaram de algum mal
• Cunhados que sobreviveram a algum acidente trágico
• De irmãs que vão se casar
• De irmãs de minha mulher que irão se casar


3. Se tiverem filhos e forem obrigados a ficarem sobre o mesmo teto que eu:

• Deixem vossas crias em casa, com um pote de água (fresca) e outro pote com bolachas, docinhos e outros barbitúricos.
• Imaginem que somente os pais amam seus filhos e que não sou, de forma alguma, obrigado a amá-los ou aturá-los.

4. Considerando o pior (que eu tenha sido levado, sob ameaças, ou tranqüilizantes) a algum evento social:

• Tentem falar o mínimo possível comigo
• Cumprimente-me de longe com um leve e discreto aceno (o qual prometo não corresponder)
• Me ignorem e me deixem beber um uísque decente (se por ventura uísque decente houver meu Deus!)


5. Uma vez saindo do dito evento social que fui sob coação:

• No dia seguinte não comente nada a respeito.
• Se, por azar, sacanagem, brincadeira de mau gosto ou mesmo pura maldade, me fotografaram (bebendo, brigando, judiando de alguma criança, envenenando algum bebê), por favor, para o bem de vocês, deletem tal foto.
• Ignorem-me.


6. Se você leu meus livros:

• Se gostou não precisa me dizer, para mim basta saber que você comprou.
• Se não gostou, ninguém precisa saber. Jogue-o fora!
• Não rabisque para marcar. Afinal nada lá é assim tão importante. Importante sou eu que o escrevi.
• Não o empreste, afinal ainda tenho que pagar a editora. Quem quiser me ler que compre seu exemplar.
• Não faça citações.
• Não faça comentários.

7. Se você chegou até aqui, está provado que:

• Você é um desocupado
• Masoquista
• Leitor de Caras
• Leitor de Paulo Coelho, e tem
• Tremenda baixa auto-estima.

8. Espero que:

• O editor desse exemplar coloque esse Manual no fim do livro
• Que você leitor descubra que literatura é outra coisa
• Que é fácil me entender
• Que é melhor jamais me convidar para coisa alguma
• Que é melhor jamais ter filhos
• Que se os tiver é melhor ficarem longe de mim
• Que batata engorda

9. Manuais não servem para nada

• Escrevam minhas palavras
• Tenham certeza absoluta sobre isso
• Pelo amor de deus parem de ler isso.
• Fechem o livro e vão assistir televisão.

10. Se eu estiver fumando:

• Porque quero ficar sozinho
• Se eu estiver sozinho é porque eu quero ficar sozinho & fumando
• Ou seja, fumo sozinho, quero ficar sozinho e, por favor, não se aproxime
• Façam isso e adiem sua visita ao Criador

11   Resumindo:

  •     Sou o único animal que hiberna no verão, pois não suporto calor!

ANIVERSÁRIOS

Está certo eu vou! – respondi contrariado e de má vontade. Detesto, ou melhor, passei a detestar ir a aniversários, aniversários e qualquer outro tipo de comemoração em que eu tenha que ver pessoas que não quero ver. Não suporto quando chegam para mim e dizem:

- Engordou hein? Barba branquinha já hein? Falta muito para aposentar? – e o pior: - Já viu teu cunhado ai? Francamente... Mas como ela insistiu muito, pediu, quase chorou e ameaçou, resolvi ir. Mas eu sabia que não deveria ter aberto esse precedente, eu sabia...

Da rua já ouvia o pagode comendo solto, os gritos, as risadas, e o pior, o que só parecia ser um pagode era na realidade um karaoquê. Quis voltar dali mesmo, mas uma força maior que a minha me segurou belo braço e me puxou para dentro. Entrei no salão como um condenado sobe ao patíbulo. Olhei para os lados, não havia nenhuma outra porta que eu pudesse usar, as janelas eram altas e pequenas para meu tamanho, pensei nesse momento: O primeiro que me chamar de gordo morre aqui e agora.

Dei o primeiro passo em direção a uma mesa, uma no canto, perto das caixas de som. Dirigi-me para lá em passos ligeiros enquanto a mulher ia cumprimentar as irmãs e as sobrinhas. Sentei de costas para o salão, era o único nessa posição e rezei para que ninguém percebesse minha presença.

O sacrifício humano, digo, o karaoquê prosseguiu ainda por muito tempo. Serviram cerveja quente, que recusei; uísque paraguaio, que recusei; empadinha empapadas de gordura, que também recusei, eu me recusava a admitir que estava lá. Será que ninguém percebia isso?

Passado algum tempo, começaram a apagar as luzes para os parabéns, pensei ser essa a chance de sair correndo, empurrar quem quer que estivesse na frente e alcançar a rua. Outra ilusão perdida, pois minha mulher, outra vez ela, me pegou pelo braço e levou-me à mesa.

Cantaram “parabéns prá você” três vezes seguidas, pois a criança assustada não conseguia apagar a velinha e chorava convulsivamente. Discretamente empurrei minha mulher para o lado e fui, de costas, me esfregando à parede na ilusão de conseguir, feito uma barata deslizar para a porta da frente.

Estava com sorte, pensei, pois até agora ninguém deu pela minha presença. Uma vez na porta, corri para a rua e acendi um cigarro. Me pergunto como podem falar mal de um companheiro tão fiel como ele. Enchi o pulmão de fumaça e a expeli com volúpia. Logo, vendo que a coisa seguiria longe ainda, acendi outro e fumei com mais calma e prazer redobrado... Olhei o relógio e me perguntei quanto tempo mais teria de sossego antes que minha mulher viesse me puxar pelo braço para dentro do salão outra vez.

Terminei o cigarro e fiquei vendo os carros passarem na rua, contei os ônibus e calculei em quanto tempo eles completavam o percurso da linha, fiquei vigiando os guardadores de carro, fui até o pipoqueiro, atravessei para o outro lado da rua e acendi outro cigarro. Nesse momento começo a sentir no meu íntimo que estava nos momentos finais de minha alegria. Mal terminei o pensamento e uma voz me chama para dentro da festa.

- Estão servindo o bolo!

Como se eu tivesse saído de casa para comer bolo regado a pagode, bebedeira e gente dançando bêbadas e descalças...

E lá estava eu com um pratinho de plástico azul, um pedaço pequeno de bolo com quilômetros de glacê derretendo, dois brigadeiros quadrados, um beijinho onde haviam economizado no côco e um cajuzinho sem o amendoim na ponta. Olhava em volta procurando um lugar para depositar o prato e toda aquela hecatombe açucarada.

Segui outra vez rastejando pelas paredes, pelas partes escuras e com cortinas do salão até porta. Precisava ir ao bar da esquina tomar uma água mineral.

Ao chegar à porta, agoniado, sinto outra vez minha mulher pegar meu braço, mas para meu alívio Ela me diz:

- Vamos embora, a festa acabou.

Aliviado entro no carro, dou a partida e antes de chegar em casa indignado desabafo com minha mulher.

- É prá isso que me leva nas festas da sua família? Todo mundo me ignorou lá dentro!

Acho que ainda tem mais uns dez aniversários daqui até o fim do ano...

2011/03/24

A Vaca

a vaca
fala
anda balançando a bundaça
fala
e ri
e chacoalha o úbere
telefonando
rumina as fofocas
da tv
das revistas
a vaca
diverte-se
com nada
com tudo
fala sem sentido
fala sem pensar
fala como quem muge
a vaca gorda
de tetas enormes
(que chegam aos joelhos!)
a vaca
tão sagrada na índia
tão profana nessa sala
essa vaca
que ninguém abate
que ninguém come
essa vaca
que pasta em minha sala
essa vaca
tão frívola
e vulgar
essa vaca
que não foi pro brejo
essa vaca habilitada
a bater carimbos
essa vaca parasita
essa vaca vagabunda
tão perto da zona
essa vaca
que se nutre da minha resignação...

2011/03/23

SOBRE A PAZ E OUTRAS REFLEXÕES

Cheguei cedo à repartição, adiantei meu trabalho e desci para fumar. Tudo certo para vocês? Responderam sim? Pois se enganaram.

Explico.

Na rua, céu limpo, sol que não ameaça com calor, os garis ainda limpando as calçadas e eu sob uma árvore acendo o cigarro. Curtia a delícia da primeira tragada quando uma mulher em “situação de rua” (houve um tempo em que se poderia dizer mendiga sem estar sendo politicamente incorreto) me pede um cigarro...

Respondi-lhe, fazendo contato visual¹, que só tinha aquele que estava fumando, pois não é que ela retrucou perguntando sobre o maço que eu carregava no bolso?

Francamente, um homem não pode mais fumar em paz sem ter que dar satisfação para os “homeless”, os desprovidos, os sem-alguma-coisa? Não bastam as placas que me proíbem de fumar em uma quantidade cada vez maior de lugares?

Diante de minha negativa ele olhou-me de forma belicosa, agressiva, e pensei:

- Lá se foi a alegria da primeira tragada...

Não dá, assim não dá...

Aqui me condenam por fumar, lá fora me condenam por não compartilhar meu cigarro, ô vidinha...

Daí para a pressão alta, infarto ou impotência, é passo²!

***

Hoje, por indicação do Silvio, eu iria escrever somente sobre a “geração coruja”, mas acabei divagando com meu cigarro.

Mas vou explicar-lhes sobre essa tal geração.
No domingo fui a uma festa de aniversário, onde me colocaram uma máquina fotográfica na mão para fotografar as crianças³.

Vocês já perceberam como as mulheres, de qualquer idade, conseguem ficar de costas e com o queixo totalmente reto sobre os bumbuns4? No futuro, sei lá uns duzentos anos, quando nossas tataravós virem essas fotos, vão pensar que essa era uma geração vítima de radiação, experiências genéticas malsucedidas, ou como diz meu cunhado, envenenadas por excesso de hormônio da carne do gado.

Impressionante como elas conseguem essa posição...

Os ortopedistas é que faturarão alto logo, logo, pois além das lordoses ainda terão que desentortar pescoços...

E pensar que quando jovem meu pai dizia que eu cresceria surdo por causa dos rocks que eu ouvia alto...

Mas, cada geração com suas mutilações!

Que sejam felizes com suas dores.




¹-Olhos nos olhos!
2-Tenho que parar de conversar tanto com o Rodrigo
3-Pergunto ao Criador o que teria Lhe feito para tal castigo, mas Ele é imperscrutável...
4-Seus pescoços fazem um giro de 360º, seria impressionante não fosse assustador!

2011/03/21

CASA DE CHÁ “A GUEIXA E O SAMURAI”

- “Acho que esse negócio não vai dar certo, esse povo aqui não tem sensibilidade (na verdade quis inteligência, mas achei melhor usar outra palavra) e perfil para isso.” - falei, mas ai já era tarde demais, como vocês perceberão. Antes de mais nada, outra caneca de saquê. Sigamos.

1. O Severiano demorou muito tempo para entender qual o papel dele naquele drama. Aquela roupa, penteado, tamancas de madeiras, aquele chapéu de bambu que mais parecia um funil era demais para aquele pobre e minúsculo cérebro desidratado e anêmico. Vivia reclamando pelos cantos, demonstrando seu descontentamento, tantos às meninas, ao patrão e pior, aos fregueses... Não poderia dar certo mesmo... Toda hora ruminando: - O que mãinha vai pensar se me vir assim? Cadê meu facão? Homem macho de verdade não se submete a essa vergonha... – Resumindo, demorou até que demais para isso tudo dar errado.

2. As meninas então. As quatro que o patrão convenceu a entrar nessa empreitada, Susaninha, a Yuriko; Das Dores, a Yushiko; Tiana (Sebastiana) a Tashiko e a Mariinha, a mais nova, chamada de Flor de Lótus, não tinham o menor perfil para a empresa. Elas nem sabiam o que estavam fazendo lá. Foi um inferno até o fim. Será que era assim tão difícil assim entender a diferença entre chá e prostituição?

3. A casa. Balancei a cabeça até ela quase cair do pescoço quando a vi. Não sabia qual pergunta gritar primeiro. Onde o patrão arrumou uma casa de bambu e paredes de papel ou quem foi o louco que construiu aquela obscenidade para ele? Detesto a miséria, não porque ela nos priva de muitas coisas, mas porque ela nos submete a muitas outras coisas piores... Via aquele sobradão, bandeirinhas na entrada, portas de correr – que tinha certeza seriam chutadas para frente quando entrasse o primeiro freguês. E aquelas paredes feitas de papel de seda com motivos orientais, aquelas borboletas, Monte Fuji, japonêsas de sombrinhas... Tudo ali cheirava a erro e prejuízo... Me consolava repetindo o mantra (aprendi isso com um velho careca vestido com uns panos cor de laranja que o patrão trouxe para conhecer a casa): “Isso não problema meu, esse não é meu dinheiro, meu salário está depositado no banco.” Aquilo tinha tudo para dar errado, mas por que só eu percebia isso?

4. Vistoriando a dispensa chamei a atenção do patrão para o detalhe das bebidas: - Saquê e chás!? Explicou-me o douto empresário que ele formaria uma comunidade, educaria uma geração, prepararia aqueles miseráveis para o mundo! – Arrogância! – sibilei. Nenhuma cachaça patrão? Nada de carne de sol? Neca de farinha? Sem sanfoneiro?

5. Música! Toshinori-San! Nosso tocador de berimbau¹ de arco ou coisa parecida com isso! Fracasso esperado e cumprido. Onde que, na nossa cidade, alguém ia sair de casa à noite, depois de um trabalho nesse calor dos infernos para ouvir um sujeito tocando berimbau e ainda por cima com arco, um óin-óin-óin de furar os ouvidos de qualquer cristão! Não ia dar certo, não ia dar certo, mas eu repetia: “Isso não é problema meu, esse não é meu dinheiro, meu salário está depositado no banco.”

6. Primeiro dia, quinta-feira: As pessoas passavam de outro lado da calçada com medo de serem visto diante daquela casa esquisita, tinham medo que com um vento noroeste mais forte ela viesse abaixo. Segundo dia, a mesma coisa. O cheiro do prejuízo começava a atrair moscas.

7. Sábado. O grande dia. Toshinori-San no cantinho dele tocando aquele instrumento amaldiçoado dos infernos espantava as moscas, Yuriko, Yushiko, Tashiko e Flor de Lótus, todas vestidas de quimonos com motivos florais, sentadas no chão de tatame em volta de uma mesinha esperavam pelos fregueses.

8. Severiano, travestido de Samurai, kataná à cintura, cajal reforçando seus falsos traços asiáticos e com cara de bravo (motivado pela briga na hora de maquiar os olhos; - Se mãinha passa aqui e me vê maquiado feito quenga?) não ajudava muito a atrair fregueses... Aquele cheiro me perseguia. Reclamando ao patrão sobre isso, tudo o que ele fez foi mandar queimar uns incensos...

9. Por fim, às 23:00 (precisei chamar as “gueixas que já haviam se recolhido com os quimonos, pois não havia modo de colocar naquelas cabecinhas que quimono não é roupa de dormir) entraram uns estudantes de Direito. – O cheiro de prejuízo nesse momento tornou-se insuportável, mas: -“Isso não é problema meu, esse não é meu dinheiro, meu salário está depositado no banco.”

10. Os estudantes sentaram-se à volta da mesinha de laca preta com motivos iguais às cortinhas e dá-lhes Monte Fuji coberto de neve (um estranho conceitos pra essas bandas que nem inverno tem), borboletas e as japonesas com sombrinhas (segundo estranho conceito, pois aqui não chove e nunca passou pela cabeça de ninguém por aqui fugir de sol), pediram cerveja; - Cerveja não servimos senhores, respondeu Yuriko sorrindo um sorriso de dentes amarelos e tortos causando a segunda má impressão.

11. - Uísque! Pediu o segundo. – Uísque também não servimos senhor, respondeu Yushiko solícita e medrosa – não sorrindo para não piorar ainda mais situação (o pivô do canino estava perdido desde ontem).

12. Toshinori-San entusiasmando-se com a presença de fregueses – alguém haveria de reconhecer seu fabuloso talento, segundo ele – e furiosamente começa a executar uma peça clássica do Japão Feudal, e o óin-óin-óin come solto!

13. Positivamente a música não acrescentou nada de positivo ao ambiente. Por via das dúvidas pedi a Severiano, o Samurai da tabuleta na porta, que vigiasse os fregueses enquanto ia lá escritório buscar mais incensos.

14. Nos fundos, lá no escritório comecei a ouvir uns risinhos, sorri junto e comecei a abanar o cheiro de prejuízo das minhas narinas, abri a gaveta da escrivaninha para guardar as varetas de incensos e voltei lá prá frente...

15. Esse é o momento em que tudo fica confuso, nebuloso, turvo, pois onde eu deveria ouvir risos e selvagens óin-óin-óin-óins reinou por longos e intermináveis segundos o mais profundo e negro dos silêncios. Mal tive de recorrer aos incensos, fui apanhado pelo cheiro do prejuízo e tudo começou a se acabar.

16. Yuriko, Yushiko, Tashiko e Flor de Lótus corriam descalças em direção à rua aos gritos, os cabelos soltos (que trabalho tivemos para alisar aqueles fios crespos e rebeldes), os estudantes de direito atrás delas e de facão na mão, esquecido de sua kataná de bambu, Severino com os olhos manchado de cajal. As paredes de papel de seda destruídas estavam espalhadas pelo tatame, pedaços de borboletas, de japonesas com sombrinha, restos do Monte Fuji por aqui e por ali...

17. Dizem que me encontraram andando pelas ruas murmurando palavras que ninguém entendia² e segurando uns pauzinhos que soltavam fumaça...




[1] Possivelmente uma Ekatara tenor, cordofone indiano, é constituído por uma caixa de ressonância redonda e um longo braço sobre o qual se pressionam as duas cordas obtendo diferentes sons. O que prova que tanto o narrado quanto Toshinori-San nada entendem de músicas tradicionais japonesa...
[²] Provavelmente: -“Isso não é problema meu, esse não é meu dinheiro, meu salário está depositado no banco.”

2011/03/17

BYE BYE VERÃO

O clima está como eu gosto. Verão acaba nesse sábado e, para a minha alegria, já está esfriando, esse chuvisco é a promessa de futuros dias lindos.

Sim dias lindos, pois as pessoas passam a ficar civilizadas - quase escrevi MAIS civilizadas - vestem-se melhor, perfumam-se e, até sorriem.

O problema, como sempre, fica nos transportes coletivos, se está calor, o povo entra suado, se chove, fecham as janelas e quem viaja em pé – sei bem o que é isso – sofre com o abafamento e no frio, passamos pelo – literalmente – sufoco, pois, novamente, fecham-se as janelas e uma névoa de embaçamento nos vidros nos cega para o mundo exterior que corre lá fora, nos fazendo muitas vezes descer no ponto errado.

Mas não estou aqui para escrever sobre ônibus, aqui estou escrevendo para comemorar o fim do verão...

Fim do ar-condicionado problemático do serviço, fim do ventilador barulhento, fim do barulho dos bebedores de cerveja nos bares – nada contra a cerveja, tudo contra os barulhentos.

Fim da camisa grudada no corpo, da pele brilhando de suor, nada mais de cumprimentar pessoas com mão úmidas, fim dos maus cheiros que sobem das ruas.

O fim do verão me trás a promessa de uma (curta, bem sei) época de uma afabilidade que nunca será de nossa cultura.

Anseio pelas mulheres bem vestidas!

Ah! A beleza do frio...

Os dias cinza, dos cafés quentes, das sopas, das reuniões com amigos, das cervejas bock (viu, gosto de cerveja. Ok! Não tanto quanto o Vadinho, aquele “Baco dos Trópicos”!), das conversas sem pressa regadas à vinho tinto & queijos, sem ninguém bufando e se abanando com falta de ar e reclamando do calor.

Minha alma é nórdica, não resta dúvida...

Nesses dias frios – ou assim espero que sejam – cutuco meu amigo Silvio perguntando pela sua Dacha1 na Ucrânia e das suas russas -que já delirando - as vemos servindo-nos vodka com caviar do Mar Cáspio...

Se nevasse aqui eu seria feliz, mas me contento com nosso friozinho humilde, pois reclamar não adianta nada e ainda me dá calor...

Verão! Já vais tarde 2!










1-Palavra russa que significa: casa fora da cidade; casa de campo; casa de veraneio

2-Vá esquentar o Rodrigo, pois aquela pobre alma ainda deve estar com ossos congelados do inverno de Londres!



2011/03/09

AS MEMÓRIAS DO PIRATA

Capitão Black, assim me chamam!

Chove.
No céu nuvens cinza escurecem o dia, na minha sala a fumaça de meu cachimbo escurece o ar. O mar está revolto, grandes ondas arrebentam nas pedras, o barulho faz o chão de minha sala tremer. As gaivotas voam atarantadas, hoje não haverá comida para elas...
Capitão Black, assim me chamam!
Não sou um marujo, mas meu sonho sempre foi ser um pirata. O mar me provoca enjôos Homéricos, me chamam assim por conta do tabaco que uso e pelos palavrões que profiro a torto e direito, dizem até que falo mais palavrões que um pirata.
Mais um relâmpago...
Me sirvo de um copo de rum – hábito de velhos marinheiro me dizem os amigos – sento-me em minha poltrona e fico admirando a tempestade se desenrolar. Minha vontade e de ir lá fora e sentir o vento e água na pele, mas essa tosse – segundo uns carolas culpa do hábito de fumar – poderia piorar muito...
- Sabina...
Preciso terminar de escrever minhas memórias antes que elas se tornem vagas lembranças... Não encontro minhas anotações, meus papeis, onde terei largado meus papeis?
Preciso de mais um copo de rum -“ho-ho-ho” - um copo de rum, uma perna de pau faria um som melhor nesse assoalho...
O mar está encrespando ainda mais, a maré vai subir até aqui perto de casa... Isso me lembra Veneza...
- Sabina...
Os dias são mais lindos, para mim, assim, chuva, raios, trovões, maré alta! Só assim me sinto vivo, da minha janela me sinto na proa de um navio enfrentando os mares todos os..., meu Deus quantos são os mares? Preciso beber mais, pois vejo que morrerei sem escrever minhas memórias, nem tudo está perdido, pois ainda lembro de beber e fumar...
- Sabina...
O sino da Igreja, o vento está badalando o sino da igreja, agora o clima vai incomodar os pombos do campanário... Padre, aqui estou pecador, peco e peço perdão, peco e peço perdão!
Pessoa dizia: - Navegar é preciso...
Minhas memórias, nunca serão escritas, onde deixei meu copo? A água está subindo rápido...
- Sabina...
Anoitece.
Agora sim à luz do lampião minhas lembranças aflorarão, memórias aos borbotões, poderei tocar o passado, sentarei com meus fantasmas à volta da mesa e beberemos, riremos, choraremos, falaremos mal dos ausentes, ho-ho-ho uma garrafa de rum!
- Alto lá! Quem me espreita pela janela? Vamos cobarde, apareça! Hahhahaha, velho tolo... Devagar com o rum, velho, velho, esse é seu reflexo na janela... Venham raios, venham relâmpagos! Esse velho lobo do mar não teme nada, venham e vos enfrentarei com minha espad..., ô diabo!, onde está minha espada..., venham que vos enfrentarei com uma garrafa de vazia de rum, venham...
- Sabina...
Esse vento! Com o badalar incessante do sino da igreja não consigo saber que horas são... As gaivotas sumiram da minha vista... Acho que o vento as levou para longe... Minha mesa está cheia de garrafas de rum e nenhum fantasma apareceu, estou abandonado pelos vivos e pelos mortos...
Essa chuva! Nunca fui a Veneza, mas pelo jeito logo terei uma a meus pés, a maré não para de subir...
- Sabina, que você estivesse aqui para ver isso... Pelo menos terias uma boa lembrança ao meu lado. Sabina, essa âncora não para de coçar, acho que a tatuagem inflamou...
Não sou um pirata, sou uma piada, bebo rum, e tropeço nas garrafas espalhadas pelo chão. Com minha luneta vasculho o mar à espera de meu navio, mas começo a me conformar em com meu exílio nessa praia que a chuva e a maré vão lambendo aos poucos. Quem chegará ao fim primeiro? Minhas recordações ou essa ilha?
- Sabina...
Minhas memórias se resumirão a:
- “O vento badalava os sinos da igreja incessantemente...”
Capitão Black, pirata e escritor assim me chamam! Bah!, sou uma piada de mau gosto exilado no fim do mundo...
- Sabina, bem fizestes em me deixar, sequer consegui ser um “mal pirata” e me sai pior como escritor!
Se alguma coisa agradeço a Deus? Somente os meus vícios e nada mais!
Capitão Black, assim me chamam...

2011/03/01

A ARTE PERDIDA

- Minha arte me abandonou me deixou. Preciso me conformar com isso, preciso aceitar isso como se aceita a morte, o fim... Ela me deixou, ponto! Ando pela minha sala, nos quartos, no meu escritório, na estante, a prova cabal! Meus últimos trabalhos, ele me olham e penso que eles riem de mim, dizem entre si:

-Olhem pro fracassado!

É isso mesmo que eu sou um fracassado, um homem abandonado pela sua arte, abandonado com um João esperando pela sua Maria que foi buscar e pão e fugiu pro Norte, olho para meu último trabalho de sucesso – e ele julga, ele pensa que não percebo isso, mas eu percebo sim! -, quantos anos faz? Dez anos, não, uns oito anos, depois, a decadência, cada um pior que o outro, mas pobre, mais miserável, até que por fim, a pausa, a parada, o desespero de saber-se impotente, incapaz de fazer melhor...

-Minha arte me abandonou... – me sirvo de um uísque. E me pergunto de que valeu tantos anos de pesquisas na Amazônia..., Eu, eu que auxiliei - para não dizer que carreguei sozinho nas costas - explorador polonês Edmundo Bielawski nos anos sessenta, as picadas de mosquitos, tantas anotações, para no fim da vida descobrir que minha arte me abandonou...

Já evito andar pelas ruas, meus poucos – cada vez menos – amigos me cobram:

- E aí, nada de novo ainda?

Acabrunhado, com os dentes trincando. Morrendo de vergonha respondo:

- Minha arte me abandonou me deixou...

Como um corno, um homem traído, me retraio e fujo pelas sombras. Em casa, entocado entre as paredes – Meu Deus! Há quanto não pinto essas paredes? – passo horas e fitar minhas antigas obras na estante... Como faço para reaver minha inspiração? Como falo para voltar a ser o artista que fui um dia? Olho minhas mãos, meus dedos finos, as unhas aparadas, no grande espelho que reflete minha e duplica minhas obras, velho um homem cansado, frustrado, de olhos azuis profundamente encavados, emprestando uma fantasmagórica imagem de caveira...

Onde e quando e perdi minha arte? O que fiz? Onde errei com ela?

Sinto ganas de chorar, mas não, não chorarei, não entregarei meus pontos, sou um artista! Sou um artista, está ouvindo isso meu Deus? Artista!

Volto às minhas ferramentas de trabalho, limpo-as, pulo-as, manipulo-as com afeição, como se fizesse carinho na mulher amada...

- Quantas cabeças terão de rolar até reaver a minha arte. Quantas?

Mas não resisto e me entrego ao pranto e choro como uma criança, um amante que vê a mulher com um amante.

- Sou um fraco! – poderia arrancar meus olhos tamanho o desespero. Nunca mais produzirei, nunca mais nada de novo, nunca mais uma obra nova em minha estante, nunca mais me orgulhar diante de qualquer reflexo meu. Sou um grande nada!

Eu, eu, eu que já fui um grande artista na arte de encolher cabeças...