2017/11/08

DONA FUINHA, QUEM DIRIA, FEZ CENTO E DEZ ANOS MESMO!



- Dona Fuinha fez cento e dez anos mesmo!

- Você vai cumprimenta-la?

- Por nada-nada-nada-nada nesse mundo de Deus. Alias, já chamaram a Saúde Pública, Defesa Civil, bombeiros? Para entrar na edícula?

- Pois é... Pela lenda hoje é o dia de seu passamento...

- Velha dos infernos, vai enfim encontrar o “Pai”.

- Deus? Ela?

- Que Deus! O pai dela é o demo, príncipe das trevas, o tinhoso, o coisa-ruim, o maligno, o diabo.

- Será que lá nos infernos ela se dará bem?

- Capaz... O fogo e o enxofre há de limpar o mau cheiro daquele corpo...

- Corpo? Que corpo?

- Humm... O receptáculo da alma, quiçá?

- Dona Fuinha e alma na mesma sentença? Não dá liga, não orna não.

- Tem razão...

- Minha avó, quando era pequeno, me contou a história dela. Nunca acreditei até me casar – o que nunca pensei também...  – e vir morar aqui no bairro.

- Sim, coisa de gente encantada, amaldiçoada, gente com o batismo vencido. Desde os sessenta anos amaldiçoada desse jeito... Mas nunca soube os detalhes. O que tua avó contava?

- A velha contava que Dona Fuinha, aliás, Dona Maria Amália Fiúza era uma velha, já na época, muito má. Morta-de-fome que só, gananciosa, ambiciosa do alheio, gananciosa madrasta de uma da pior espécie. Trancafiava o sobrinho do marido no quarto, só deixando a criança sair para comer e beber, longe dos olhos dela, bem longe. Não deixava a criança sentar-se no sofá, pois o lugar dele era no chão, onde os cães não ficavam, pois esses ficavam deitados no sofá.  No trabalho vivia a falar mal dos colegas. A roubar comida das marmitas na geladeira. Humilhava o marido, flertava descaradamente com os motoristas, ou qualquer outro funcionário subalterno, sempre falando: - Isso é que é homem, não esse traste que mora na minha casa, ênfase no “minha casa, minha comida, minha cama, minha geladeira”. Era desprovida de qualquer graça, beleza ou simpatia, baixinha, tinha gorda e enorme que era - como explicar isso? - dois pares de joelhos! Pernas tortas. Cabelos tingidos com uma cor criada exclusivamente para ela, só pode ser essa a explicação! Uma coisa entre palha ressecada e bosta seca. Dentes encavalados, sempre com comida presa entre eles, voz agudíssima, quase um grasnar. Bajuladora de chefes, de diretores, de gerentes de bancos, de qualquer um que ela julgasse que lhe fosse superior. Sempre com uma palavra ruim, cruel, desabonadora, venenosa na ponta da língua. Eternamente desagradável. Ate que um dia, num desses dias que em nada promete fazer alguma diferença na biografia do cristão sobreveio. Aconteceu nesse determinado dia de ela estar falando mal do “negrinho”, que se dependesse dela, comeria uma única vez por dia, dentro do quarto dele, poupando-a assim de olhar para aquela fuça preta que lhe causava nojo e repugnância, quando um senhor, à grande custo segurando sua raiva ouvindo tanta desgabo chegou-lhe de chofre e olhando em seus olhos de roedor preferiu-lhe essa praga:

- “A senhora é a pessoa mais desagradável que já vi e ouvi em toda a minha vida. E a senhora não faz ideia de quanto eu já vivi... Pois saiba que eu desejo, e assim será, que a senhora viva, a partir de hoje, mais cinquenta anos. Quero que a senhora viva com dores, viva sofrendo, quero que a senhora viva e veja todos ao seu lado morrendo, quero que a senhora sofra dores, quero que a senhora chore lágrimas de sangue, que a senhora se arrependa, e somente um dia depois dos cinquenta anos que agora lhe dou a senhora morra, não que descanse, mas que morra. Mas não pense que há de desfrutar desses anos, não, não há de. Seus dias serão de agonia. Fome, terás tanta fome, que usaras focinheira para não se auto devorar, pois, há de, quando ninguém estiver por perto, arrancar pedaços da própria carne para se saciar.   Quando então chegar perto do fim de seus dias, toda a podridão de seu corpo alma tornar-se-ão  podridão. Todos à suas volta afastar-se-ão de nojo. Terás por companhia nesses últimos dias somente os abutres e os comedores de carniça, pois é isso que és por dentro hoje, é assim que sairás desse mundo quando sua hora chegar.“

- Cinquenta anos sofrendo essa maldição e mesmo assim continuou má até o fim...

- Quantos gatinhos e cachorrinhos intoxicados com chumbinho, pardais, sanhaços, andorinhas, todas envenenadas naquele chafarizinho. Velha infeliz dos infernos vivia se arrastando feito assombração apoiada nas paredes. Meu pai dizia que sempre a via revirando latas de lixo em busca de restos comida. Roubava roupas dos varais. Mas o pior era quando ela começava a gritar...

- Estava esquecendo essa parte. Ela gritava por conta das dores de dente. Na praga ainda estava que ela sofreria de fome eterna e dores em todos eles. Mas quem a viu há uns anos atrás disse que já estava completamente careca e banguela. Cega, surda e cada dia pior de caráter. Essa morreu tão má como no dia em que nasceu... E não sobrou ninguém da família para chorar sobre a sua carcaça. Nem filhos, nem netos, bisnetos. Que a terra lhe seja muito pesada.

- Essa desgraçada vai ser enterrada mesmo é como indigente, mas o que me preocupa mesmo é o maldito cheiro de carniça que ficará no bairro por muitas e muitas gerações... Isso vai continuar desvalorizando os imóveis.

- Que Belzebu[i] e leve com todas as moscas do bairro!








[i] Belzebuth ou Belzebub ou Beelzebuth, príncipe dos demônios, segundo as Escrituras; o primeiro em poder em e crime depois de Satanás, de acordo com Milton; chefe supremo do império infernal, de acordo com a maioria dos demonógrafos entre eles o nosso demonólogo plantonista Doutor Vadinho Madeira.

2017/10/26

BAR, À NOITE


na toalha azul da mesa
um pires, vazio, de amendoim
depois de tanta cerveja, uma lua à mão


BLEM-BLEM-BLEM...


missa noturna, badalam
os sinos e enxotam
os morcegos ateus...

RALO



todos os dia as mesmas coisas
as mesmas coisas todos os dias,
a vida
          é
            mesmo
                         uma 
                                 espiral 
                                              descendente...


MANHÃ CEDO


da chuva ontem
um sabiá, molhado
reclama em minha janela


2017/10/25

MENINAS





F
oi um sentimento agudo no peito, uma pontada, fisgada, coisa rápida, de segundos. Logo passou, mas para Fialho, Antonio Fialho da Silva, era o aviso. Voltou para dentro de casa e dirigiu-se a seu escritório, lá ele sentou-se em sua poltrona de couro e ficou fitando o telefone. Ligaria? Esperaria que o aparelho tocasse? Olhou para a garrafa de uísque, pegou o copo de cristal, mas resolveu que não beberia dessa vez. Fizesse o que tivesse que fazer, o faria sóbrio. Passados minutos, poucos minutos, resolveu ligar.

- Alô? – atendeu uma voz feminina do outro lado.

-Sou eu... – falou reticente –, você também sentiu? Coisa de meia hora atrás?

- Sim, mas dessa vez esperei que você me ligasse. Por mais que isso me aconteça, não vou me acostumar jamais – disse num misto de tristeza e certa mágoa. – Minha situação aqui está insuportável... – queixou-se chorosa.

 - Mas o que você espera que eu possa fazer? Acha que eu tenho algum controle sobre isso? Pensa que faço isso de propósito? Que quero de alguma forma me vingar ou te prejudicar?

(silêncio ensurdecedor...)

- Como faremos? – ela perguntou friamente, como se essa fosse uma mera transação comercial. Acha que será primeiro comigo ou com você?

- Não sei, não sei o que acontecerá... – desculpou-se em vez de responder. Vamos esperar.

(silêncio escandaloso...)

- Está certo. Vou preparar um quarto e meu espírito para ter que explicar tudo isso outra vez. Não sei como isso pode acontecer a alguém, muito menos quatro vezes, quatro vezes.

Desligou o telefone sem dar outra chance de ouvir as desculpas de Fialho, o velho, desde sempre velho, Fialho.

Uma hora e meia depois um toque de campainha fez Mariana lembrar-se do “compromisso” forçado para o dia de hoje. Desde o telefonema de Fialho passara o resto da tarde preparando um bolo e biscoitos, pois seria uma tarde muito longa para conversar de estômago vazio e garganta seca. Por via das dúvidas, caso a conversa se prolongasse muito, sempre haveria uma garrafa de Porto para socorrê-la. Deixando os pensamentos de lado foi atender a porta.

Respirou fundo e preparou-se para o “choque anunciado”.

Arrumou os cabelos precocemente – segundo ela - brancos num coque, beliscou as bochechas e abriu, por fim, a porta. E lá estava uma mulher de seus trinta anos, magra alta, longos cabelos negros e – surpresa entre as surpresas – trazia no colo uma criança de uns três ou quatro meses...

- Meu Deus, seus delírios não têm limites? – quase gritou num espanto.

Sentadas, xícara de chá nas mãos, as mulheres se encaram, e esperavam o tempo correr para quebrar o gelo e começarem a entabular uma conversa com um mínimo se sentido e nexo.

Várias xícaras foram servidas...

(silêncio pesava, quase envergando os caibros da casa)

Foi preciso que a criança acordasse com fome para que enfim começassem a falar.

- Qual o nome dele? – perguntou a Velha Mariana sem jeito e quase sem ânimo.

- Antonio Fialho da Silva Neto – e completou – como o avô! – e riu.

- Sem dúvida ele se superou, ele foi além do imaginável, do bom-senso, ele enlouqueceu de vez. – Mariana falava e deixava a xícara de chá partir-se no piso frio da sala.

Com o grito da Velha a criança voltou a chorar.

- Mãe, você poderia me explicar o que está acontecendo?

Ao ser chamada de mãe, Mariana começou soluçar e resolveu socorrer-se com o Porto. Serviu-se generosamente sem oferecer à outra, e tomando as rédeas da situação começou a contar a sua história.

- Antes de começarmos a conversar permita-me somente dar um telefonema.

Sem esperar qualquer anuência da parte da outra ela começou a discar, errou três vezes o número, quando por fim começou a chamar, pareceu uma eternidade até que atendessem do outro lado.

- Mariana? – a voz denotava apreensão.

- A...? Como é seu nome mesmo? – lembrou-se então de perguntar à visita.

- Elisabeth – respondeu secamente a mulher que nervosamente chacoalhava o nenê.

- A Elisabeth chegou, é melhor você vir aqui. Desligou bruscamente, como costumava fazer quando falava com Fialho.

Cruzando as mãos Mariana começou a falar.

- Elisabeth..., pelo menos esse nome foi bem escolhido dessa vez, essa história começou a mais de quarenta anos, e como estou tão farta dela, serei o mais breve, sucinta, concisa possível. Poupe-se de me pedir detalhes! Eu era muito jovem quando conheci o homem que hoje você conhecerá como seu pai. Foi uma paixão dessas de mocidade que não deveria ter maiores conseqüências, não fosse eu ter conhecido o Fialho e ele ter se apaixonado por mim de uma forma que o mundo nunca viu, e espero que nunca mais venha a ver, pois isso poderia abalar as estruturas da sociedade. Mas acho estou indo longe de mais em minhas divagações, esqueça o que eu disse sobre abalar as estruturas da sociedade, à vezes esse assunto somado as doses de cavalares de Porto me deixam assim. Em outros tempos, no começo de tudo isso, eu me emocionava e chorava, agora teço teorias calamitosas...

Elisabeth pigarreia e Mariana volta ao assunto, a criança, ressona, voltou a dormir depois de mamar.

- “Pois bem”, me apaixonei pelo Fialho, na época um poeta parnasiano-tardio – que mais tarde enveredaria pelo concretismo sem sucesso também - mas nosso romance não tinha futuro, até porque eu não tinha pretensões de nada mais sério, minha inclinação sempre foi religiosa e por fim, pouco tempo depois ingressei numa ordem religiosa e esperava que minha história se acabasse por lá, longe de tudo, do mundo e assim terminar minha vida em contemplação sem complicações. Até que um dia, quinze anos atrás, apareceu a sua primeira irmã, na verdade a caçula...

Elisabeth engasgou-se com o biscoitinho.

-”Não me faça perder tempo com tapinhas nas costas” – rosna. Preste bem atenção, pois não consigo mais contar essa história sem-cabeça sem acabar o dia com uma enxaqueca.

“Um dia batem à porta do Convento procurando por mim, era uma moça, bem mais nova que você – afinal ela nasceu caçula, coisas de seu pai – contou-me que simplesmente havia dado por si ali, em frente àquela porta, sabendo que eu era a sua mãe e que precisava falar comigo. Imagine a minha surpresa, eu virgem velha – bem menos àquele tempo, claro – e com uma filha que eu desconhecia me procurando. Imagine o escândalo, e como foi minha expulsão.

“Não me peça detalhes, aliás, nada me peça. Depois de Clara, sim, Clara é o nome de sua irmã caçula, veio a Laura, a segunda, ela vem logo depois de você e a terceira é a Leonora. Mas para eu conseguir entender tudo isso foi preciso passar muito tempo, até que eu conseguisse encontrar e entrar em contato com Fialho. Resumindo, antes que eu esvazie meu Porto, seu pai me contou que nunca me esqueceu e sempre imaginou como teria sido a nossa vida, como teria sido a nossa família, e de tanto imaginar, ele estragou a minha vida, digo, criou vocês, fora de ordem, pois ele nunca foi organizado em nenhum ponto de sua vida...

“Hoje vivo da pensão alimentícia que ele me paga e só agüento mesmo essa situação graças às garrafas de Porto que ele me envia semanalmente. Não é nada pessoal, mas espero que você seja a nossa “última” filha, pois não nasci para a maternidade – olhando agudamente para a criança que agora dorme no canto do sofá –, tampouco para ser avó”.

Mariana emborca o resto do Porto, agora direto da garrafa, olha para o relógio, e diz:

- Logo seu pai chegará – suspira com forte hálito de vinho – junto com as suas irmãs. Por favor, segure o choro, senão começo a chorar junto, e não, não se engane, pois minhas lágrimas serão de desgosto, pois tudo o que eu queria era acabar meus dias no meu convento.

A campaninha toca e um cachorro late.


- Ah! Não! Cachorro, não Fialho!


2017/10/06

AQUELA SEMANA SINISTRA


(Revisada e ampliada)


Dia primeiro

Uma segunda-feira clara, fresca e azul de andorinhas e sanhaços, sabiás cantando e anjos voando, ela entrou na sala. Ai, nesse momento as cortinas deveriam ter descido e acabado o espetáculo. Todos lhe deram boas-vindas, beijinhos no rosto, tapinhas nas costas - tudo falsidade, tudo falsidade, eu sei, eu sinto, eu vejo, eu sinto o cheiro – mostraram-lhe a sua mesa, o serviço que faria, onde ficava o café - mas lógico que tudo isso seria para amanhã, pois hoje seria só festa. Faltaram os confetes e as serpentinas (que eu tinha em estoque na minha gaveta). Ela nem olhou para mim – sequer através de mim! - pois eu estava no canto da sala, canto direito onde batia o sol da manhã e o da tarde - as duas janelas sem persianas, o que explica o meu eterno bronzeado de janeiro a dezembro. Ignorado como estava, e sempre estive – e possivelmente sempre estarei - deixei que meu coração disparasse a bater, batia um tum-tum-tum louco e desenfreado, não fossem os colegas de sala tão ignorantes teriam a impressão de estarem a ouvir os acordes finais da Abertura 1812, onde sinos badalam e os canhões disparam e comemoram a vitória do exército russo sobre o exército de Napoleão Bonaparte... Mas guardei para mim toda essa impressão e segui batendo meus carimbos, escrevendo meus memorandos, minhas cartas, recortando trechos aleatórios do D.O.E. Mantive a minha eterna fleuma britânica – Deus salve a Rainha!, mas foi nesse dia que me apaixonei perdidamente por ela. Foi ai que começou meu inferno interior...

Segundo dia.

Cheguei mais cedo, tinha que ter certeza que a faxineira iria limpar bem a mesa dela, queria um serviço impecável, trouxe de casa um desinfetante importado, perfumadíssimo, o Chanel Nº 5 dos desinfetantes. Isso lhe causaria uma boa impressão da repartição.  Fechei as janelas, impedi assim que o mau cheiro da rua maculasse o ambiente. Liguei meu rádio, uma música suave preencheu todos os cantos da sala, quem resiste a um Frank (ah! aqueles olhos azuis!) Sinatra cantando FLY ME TO THE MOON? Ah!, mas o melhor, o melhor mesmo, o fantástico, o fabuloso, o incrível, o kafkiano em último grau, eu deixei para quando ela viesse me cumprimentar aqui no meu cantinho ensolarado. Às oito e trinta cinco – segundo dia e já se deixando levar pelo mau-exemplo dessas víboras da sala, pobre alma inocente! – ela chegou atrasada e sorridente distribuindo bons-dias e tudo-bens a todos, mas no caminho em direção ao meu cantinho ensolarado ela foi pega pelo braço pela rainha das víboras – a substituta da subchefe - e levada à copa. Volta uma hora e quinze minutos depois, sentando-se em sua mesa somente para ligar o computador e entrar no facebook. Fiquei entre chateado com sua indiferença por mim e triste pela surpresa que eu iria fazer-lhe, aliás, mais preocupado com o bem estar da surpresa em si. Mas aguardei tomando o sol que já me pegava pelas duas janelas de canto. Levantei-me para ir ao banheiro, era hora de renovar o protetor solar e falsamente, displicente passei pela mesa dela e dei-lhe o meu mais falsamente seco e indiferente “bom dia”. Mas acho que interpretei tão bem que ela me ignorou. Alguma coisa em mim sempre me dizia que eu estava me perdendo no serviço público. Agora ela deve achar que sou antipático, um arrogante, uma besta ou quem sabe, deve achar que sou pior que aquele Déspota do RH, aquele monstro insensível! Esses pensamentos me acompanharam ao banheiro e diante do espelho vi lágrimas em meus olhos, deve se a poeira, ou o cheiro do granel podre nas linhas dos trens, só poderia ser... Apliquei o creme protetor fator 200 que espalhei pelo rosto e principalmente no pescoço que pegaria agora todo sol forte da manhã. Suspirei, lavei as mãos e voltei para o meu cantinho no fundo da minha sala. Abro a porta e sinto-me violentado. O que ouvem meus ouvidos? Onde antes se ouvia Frank Sinatra, agora tocavam pagode, pagode, pagode! Pobrezinha, pensei, que má-impressão terá de nós. Como me preocupava com ela... Respirei fundo outra vez e fingindo indiferença entrei na sala, passei por sua mesa e perguntei irônico se estava gostando da “música” – (acho que consegui fazê-la ver as aspas) – e batucando com um lápis no copinho de café, respondeu-me que sim. Baixei minha cabeça, sentei-me à mesa e me afundei no trabalho até a hora do almoço. Não voltei à tarde, abonei.

Terceiro dia.

Entrei na repartição com renovadas esperanças e um jornal debaixo do braço.. Mas eu era mesmo um estúpido! A pobrezinha estava tentando enturmar-se, como poderia ela, recém-chegada dizer àquelas víboras que gostava de boa música, que Frank Sinatra tocava fundo o seu coração? Sim ela teve que fingir (e a que preço?) que gostava de pagode. Acho agora, em retrospectiva, que ela estava batucando no copinho até bem descompassada... Paguei à faxineira para usar mais daquele meu desinfetante especial importado na sala. Anonimamente mandei entregar-lhes rosas, vermelho-sangue, vermelho-paixão, vermelho quase negro. Isso deveria causar-lhe uma muito boa impressão e despertar-lhe a curiosidade de querer saber quem enviara tais flores... As oito e cinquenta cinco ela chegou - mais tarde ainda. Ah! a má-influência, ah! a má-influência... Jogou a bolsa sobre a mesa e foi à copa. Quando voltou, rindo muito e ajeitando os cabelos já passava das dez horas e enquanto ela entrava na sala eu saia para ir ao banheiro passar o protetor solar - em fevereiro aquelas janelas são um inferno – quando voltei as flores já haviam sido entregues, e as víboras ciciavam. Perguntavam histéricas quem era o admirador secreto, que a ela declinasse logo o nome do pretendente. Não fizesse “mistério” Nada de segredo entre elas, que contasse logo e contasse tudo. Percebi que ela sorria um sorriso de mistério, de cumplicidade, será que ela sabia que eu era o remetente? Não, ela não sabia que eu existia. Meu coração queria saltar do peito, ele ia arrebentar os ossos de meu externo, ele queria pular da janela, jogar-se sob o primeiro trem que buzinasse nos trilhos, batia tão forte que doía, doía uma dor horrível Passei como que invisível por todas elas. Desforrei minha frustração sobre o D.O.E.  Fiz dele um saco de confetes. Telefonei ao déspota do RH e o chamei para fumar- sou fumante passivo/agressivo – e subi ao quinto andar, de lá eu jogaria minhas frustrações em forma de minúsculos fragmentos de papel... Quando volto à minha sala, ao passar pelas mesas das víboras escuto comentários sobre o mau-cheiro do meu cigarro e que é uma vergonha alguém ainda fumar nos dias de hoje. Ela olhou-me num misto de pena e nojo. Demorou muito a dar a hora do almoço. Coloquei meus fones de ouvido e me entreguei ao Frank Sinatra. Almocei e não voltei outra vez. No dia seguinte era só assinar o ponto, pois eu era realmente invisível naquela repartição.

Quarto dia.

Cheguei vinte para as oito. Adiantei-me para encontrar o déspota do RH na rua e fumar passivamente um cigarro, estava tenso demais. Logrei encontrá-lo e desfrutei do seu fumo. Antes de entrar na minha sala pedi à faxineira que me devolvesse o desinfetante especial importado - minha mãe dera pela falta! Que ela usasse o que o Estado compra e já estava muito bom! Sentei-me à minha mesa, abri o D.O.E. e com o estilete pus-me a cortar qualquer coisa com mais de dez linhas, o resto picotei com minha mãos, rasguei, piquei, eviscerei o periódico e com as mão sujas de tinta comecei a rir e jogar tudo para cima. Parei quando a faxineira entrou na sala. Dei a ela dez reais e pedi-lhe que fosse discreta e limpasse tudo direitinho. Telefonei ao tirano do RH e fomos ao quinto andar fumar. Essa situação estava me fazendo fumar demais, daí para começar a beber era questão de tempo, de bem pouco tempo. Fumei e me acalmei. Arrependo-me do apelido que dei ao déspota do RH! Tudo por causa desses meus nervos! Mas acho que ele não liga muito para isso, sorte minha! Antes de voltar à minha sala fui ao banheiro passar o protetor solar, fevereiro parece que não vai acabar nunca! Nove horas, nove horas ela chegou, e ainda assim antes das outras víboras, deu-me um bom dia e vendo-se sozinha na sala, dignou-se a vir conhecer meu cafofo, digo, minha mesa. Sorri com muita polidez, embora por dentro estivesse pulando, gritando agitando a bandeira do São Paulo Futebol Clube, soltando fogos e chorando de emoção. Ela chegou-se a mim e perguntou se alguém havia telefonado e avisado que chegaria tarde hoje. Suspirei e – para não despertar nela nenhum sentimento de misericórdia por mim, omiti o fato de que ninguém me liga, nunca - e respondi-lhe que não, que ninguém me ligou, e expliquei-lhe a contragosto que esse era o funcionamento normal da repartição, ninguém chegava na hora aqui. Ela riu e comentou que “se esforçava muito para cumprir horário, e já que o negócio funcionava assim...” Não entendi a reticência, mas sabia que dali não viria nada que prestasse. Senti ganas de ligar ao  RH, mas pensei comigo mesmo, que se não conseguiria um dia deixar de fumar de vez, que ao menos me controlasse um pouco. Fui à rua comprar um jornal para rasgar, tinham atrasado a entrega do D.O.E. O resto do dia passei com o Frank Sinatra, Tony Bennet, evitei a Bilie - por medida de segurança -, só levantei da mesa para ir ao banheiro passar protetor solar no rosto e no pescoço. Assoviando baixinho esperei pelo fim do mundo ou do dia, o que viesse primeiro.

Quinto dia.

Sexta-feira. Metade das víboras não veio pela manhã e seguindo o padrão, a outra metade desaparecerá à tarde. Hoje descubro o caráter dela! Dez e vinte e cinco ela chegou! Mal me cumprimentou com um bom dia ligeiro e superficial, pegou o telefone e pediu café da manhã no bar em frente – isso é sinal de noite ruim e dia pior, reconheço esses sinais de longe - e foi ao banheiro maquiar-se, e essa foi a primeira e única vez que vi a de cara limpa. Para mim ainda era linda, mesmo sendo invisível a ela, ela ainda era linda para mim, emocionado e trêmulo com essa epifania liguei para o RH:

– Estou subindo! – e fui para o quinto andar.

Na volta, a caminho de minha sala no corredor, escutei choro vindo da copa, era ela, não poderia ser coisa boa e certamente ela não chorava por mim... Intui que passaria o dia sozinho na sala entre Frank Sinatra e telefones tocando sem parar. O vigia da manhã me trouxe a pilha de D.O.E.s de ontem – o passado não me dá folga. Agora minha sanha homicida será saciada, procuro pela minha tesoura – onde ela está? - não quero cortar papeis com estilete, quando estou com ele na mão sinto que não respondo por mim, preciso da tesoura, e quando abro a terceira gaveta para pegá-la saem de lá as esquecidas e ainda vivas borboletas azuis, a minha surpresa kafkiana para ela que até eu mesmo tinha esquecido. Elas começaram a voar atarantadas pela sala tentando sair pelas janelas fechadas e prestes a serem trucidadas pelos ventiladores, e então os telefones começaram a tocar, os trens começaram a apitar e os caminhões a buzinar para os mesmos trens saírem de sua frente, e a faxineira que tinha entrado na sala para me devolver o desinfetante importado, começou a gritar assustada com as borboletas. Ela era leptidopterofoba era só o que me faltava. Nesse momento, numa lucidez que há muito não vivenciava telefonei ao impiedoso do RH:

– Tô subindo!

Lá em cima entre uma tragada e outra segredei-lhe:


- Cara, o amor não presta! Acho que vou entrar com meu pedido de licença-prêmio ainda hoje...




2017/09/29

O QUE EU DISSE QUANDO CHEGOU MINHA VEZ DE PRONUNCIAR-ME


Depois de ouvir por horas dos cinco irmãos e cinco cunhados as mais lagrimosas desculpas, razões, motivos, “porque sins”, “porque nãos”, gritos, acusações, ofensas, ameaças, ranger de dentes, o mais velho dos filhos disse que agora era a minha vez [1]de expor minha opinião sobre o que fazer com os velhos. E quem me conhece, sabe que essa sempre foi “a minha praia...” O que faltou em apupos sobrou em silêncio e aversão por mim, mas sigamos.

Levantei-me dramaticamente devagar, aliás, os presentes não esperariam outra coisa de mim. Apoiei minhas mãos no tampo da mesa, olhei nos olhos de cada um à minha volta, pigarreei, tomei um gole de água, que bebi lentamente (quase gargarejando) e ao pousar o copo – coisa de segundos - bati fortemente com o punho na mesa fazendo, agora, por vontade própria, uma cena realmente dramática.

Pularam de suas poltronas, arregalaram os olhos, uns mais sensíveis (culpados talvez?) perderam o fôlego e os principais interessados demonstraram medo, medo de verdade. Alegrei-me, pois como podem ver, comecei bem.

- Vocês querem a minha opinião, pois aqui vai ela. Sou francamente a favor da internação imediata dos dois. Olhei para o velho casal, eles tiveram um calafrio, discreto, mas eu percebi.

– Vocês! – disse apontando o dedo indicador de forma dramática (detesto quando percebo que, contra minha vontade, agrado determinadas plateias), deveriam ser internados numa clínica imediatamente, para posteriormente serem transferidos para uma casa de repouso. Uma vez lá, deverão ficar em quartos separados em alas separadas, nunca mais se encontrando, nem em corredores ou jardins – quando forem levados para tomarem sol – nem durante as refeições. Deverão permanecer assim até que se esqueçam um do outro. Mas – lá vou eu ser dramático outra vez! – não pensem que faço isso por maldade. Não! – devo confessar que não fui muito convincente, mas os olhos marejados dos velhos já me bastavam no momento – Digo isso para o bem de vocês dois. Lá, os velhos – pronunciei os “velhos” olhando para os filhos, ignorando totalmente os interessados como se eles não estivessem mais lá – terão atendimento médico, enfermeiras treinadas, visitas de católicas piedosas, apoio psicológico e principalmente, nenhum motivos para se queixarem de nada! Juro que nesse momento senti a primeira praga da velha nas minhas costas.

- Mais ainda. Vocês terão pessoas para conversarem, para desaguarem esse mar de fel que os corrói por dentro.
Para a Dona Celinha vai ser como aquelas férias que ela sempre quis e o velho lhe negou. Lá terá casa, comida, roupa lavada e gente para conversar à vontade, não terá que pôr e tirar mesa, lavar louça, eles cuidarão de lembrá-los dos horários dos remédios, e quem sabe, visita dos filhos e netos saudosos (tá certo peguei pesado aqui) aos domingos...

Fiz uma pausa para mais um gole de água que bebi o mais lentamente possível. Na verdade essa pausa era uma provocação, sabia que a qualquer momento um dos filhos ou filhas pulariam em meu pescoço. Os importunava sim, mas é importante que os nobres leitores tenham em mente que eu nunca quis participar dessa reunião, mas o filho mais velho usou argumentos tão convincentes[2] que não o houve como eu recusar[3] e acabei vindo aqui. Sinto que vim não como mais um genro, mas como um artista que dá show em conferências e palestras, só para distrair os presentes, sem influenciar em qualquer resultado – e cá estava eu fazendo o que faço melhor, drama e palhaçada! Sorvido o último gole de água, voltei à carga.

- Agora vejam bem – apontei com esse dedo indicador que ainda haverá de ser item de colecionador no futuro - para o velho.

- Seu Bentinho, o senhor poderá se ver livre das tiranias da Dona Celinha, nunca mais comerá a gororoba ora insossa, ora salgada que ela lhe serve, poderá ler seu jornalzinho – esse momento foi meu ponto alto, por dentro, chorei por não estar sendo filmado – pois juro diante dos presentes que faço-lhe, de todo o coração, uma assinatura do Diário Oficial da União para que o senhor tenha o que ler pelo restos de seus dias. Pense nas enfermeiras que o atenderão, todas bonitonas, de uniformes brancos e justos, todas elas sempre sorrindo, sei que a princípio o senhor estranhará esse hábito das pessoas mostrarem-lhe os dentes todas as vezes que lhe virem, mas creia em mim, todas as pessoas, fora os dessa casa, fazem isso corriqueiramente. Logo o senhor se acostumará com isso. Imagine acordar e ver um dia claro, luminoso e, não se assuste, pois aquela grande bola de fogo no céu é o sol. Não me olhe assim tão espantado – não verdade ele estava era ficando apopléctico –.  E ao ser levado aos jardins pelas enfermeiras o senhor sentirá como é bom tomar solzinho da manhã. E logo irá sentir-se tão bem que perceberá como foi estúpido economizar tanto dinheiro por tanto tempo, que num átimo, pulará de sua cadeira de rodas – impagável a cara dele com os olhos quase soltando das órbitas – e saíra andando, andando não senhor, correndo...

Olhei para os lados enquanto o filho mais velho dava um calmante para o pai, e olhando para a velha vislumbrei satisfeito, que ela, com ódio desse escriba, tinha trincado o cabo da bengala.
Olhei para meu relógio e conferi as horas com o velho cuco na parede, dei a entender que tinha que ir embora e voltei ao pequeno e improvisado discurso.

- Não quero, e faço questão de deixar isso bem claro para os presentes, que não desejo nenhum mal aos seus pais, mas somente o melhor para eles agora que o fim se apresenta cada vez mais próximo e em cada esquina – “o fim se apresenta cada vez mais próximo e em cada esquina” -. Meu Deus, que momento de rara inspiração! – Tive vontade de dar tapinhas em minhas costas...

Os filhos olharam-se entre si, os velhos – pela primeira vez em muitos e muitos anos – fitaram-se nos olhos e procuraram por Deus naquela sala, mas posso afirmar-lhes, Deus não estava lá! E tremendo em suas bases perceberam que todas as suas maldades, suas maquinações e manipulações tinham cobrado um preço, muito alto, e EU estava lá cobrando...

- Quero, como já frisei anteriormente, unicamente o bem deles, um bem que jamais poderá ser encontrado aqui nessa casa, pois nenhum de vocês tem qualquer tipo de treinamento médico, com exceção é claro do Fred - marido da filha mais velha, veterinário com licença cassada –, então pelos motivos fartamente citados e expostos, voto por mandá-los imediatamente à uma casa de repouso, e nesse momento tiro de minha pasta 007 setenta e dois folhetos de clínicas de repouso e asilos,  sendo que sessenta e nove estão localizados em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Acre. De olhos marejados, jurei que era a melhor, bastava pesquisar na internet, outros em Maranhão, Rio Grande do Norte e dois ou três nas Guianas[4].

- Para terminar tão longa e cansativa peroração, quero ratificar os meus melhores votos ao Seu Betinho e Dona Celinha, e desejo do fundo de meu (raso) coração todo o bem e toda a felicidade a vocês e que seja feita somente a vontade do Bom Deus! Então abaixei minha cabeça em uma muda oração que confrangeria o coração de qualquer um com um mínimo de fé na humanidade.

Terminando de falar esperei que alguém entusiasmado deixasse de lado certas antipatias por mim e aplaudisse meu discurso, mas que nada, somente o silêncio temperado por um enorme e amargo desprezo me acompanhou até fora da sala. Saí sem que o filho mais velho me pagasse a velha dívida prometida. Mas, uma vez na rua, praguejei sacudindo meus punhos para o céu: - Espero que todos vocês morram quinze minutos depois de encontrarem a felicidade![5]

Esperei que um raio seguido de um estrondo cortasse o céu como se fosse uma confirmação do registro da minha praga, mas...






[1] O sexto cunhado.
[2] Ele me devia dinheiro. Estava, secretamente, quebrado, pois perdeu tudo o que tinha em jogos e corridas de cavalos.
[3] Eu precisava daquele dinheiro!
[4] Omiti a que havia em Maceió, muito sol e praia, que nunca desfrutariam.
[5] Vide a cena em que Scarlett O’Hara jura nunca mais sentir fome em  “...E O Vento Levou”

2017/08/29

RASTEJE HUMANIDADE, RASTEJE!



dois idiotas discutem
sobre os males
do cigarro enquanto
abanando-se  tossem & choram
encobertos pela fumaça (preta)
do óleo diesel dos caminhões
- e os pombos – há esses cínicos! –
se atracam no chão por uns
míseros  grãos




2017/08/11

CARTA ONDE ENSAIA UMA DESPEDIDA DESSE NOSSO MUNDO





Caríssimo, afasto-me.

Tomei enfim a definitiva e final decisão. Carrego minhas malas, baús, embornais e duas ou três sacolinhas com pão de queijo e mandioca. Vou-me afinal. Sopesei muito, pesei, medi bem e às favas com as consequências. Cansei-me, enfadei-me, enjoei mesmo de tudo nessa vila e arredores.

Sou um homem velho, sou caçador de feras e outras maravilhas. Não sou homem de arrumar encrenca, brigas, desaforos e desafetos!

Ah! Bom amigo tenho passado por poucas e boas ultimamente. Essa velha pensão cada dia mais mal assombrada/frequentada. Meus nervos já não são mais os mesmos, eu já não sou mais o mesmo, que o digam os meus espelhos... Mal penteio os cabelos, já não faço mais a barba, branca, que já me chega ao peito...

Sai da pensão de madrugada, feito um ladrão, aliás, como costumo sair de todos os lugares onde já morei. Saio como fugido. Mas sossegue, a senhoria há de encontrar meu aluguel num envelopinho sob a sua porta pela manhã ao despertar. Sou estranho, mas ainda continuo honesto como meu velho pai. Lembrei-me dele dia desses, depois lhe conto.

Ao sair da velha pensão recomendei que os anjos continuassem por lá por mais uns dias e que me mantenham informado de tudo que por lá se passe e dos que  passem por lá também.

Ando impressionável.  Ouço vozes, vejo vultos, imagino complôs, intuo traições, nada de bom passa por esse velho e calvo crânio.

Por isso se você ficar muito tempo sem notícias minhas tente não se preocupar. Vou afastar-me de tudo e de todos. Descobri um jeito de escapar dessa realidade de três dimensões...
(abro esse parêntese para que você velho amigo possa recuperar o folego).

Espero que junto com o folego tenha ao seu lado sua velha xícara de café, lembrança da sempre saudosa Dona Maria Amália.

Pois é, depois de muito estudo, muita pesquisa, queimar muita pestana em velhas bibliotecas e antigos alfarrábios, descobri como sair disso aqui (estenda bem seus braços e olhe para o horizonte, respire bem fundo, e entenda o que significa o “tudo isso aqui!”).

Percebi, enfim, que vivi num mundo de ilusões, fantasias, pesadelos, quimeras e miragens... – imagino-o balançando a cabeça e pensando que o absinto acabou comigo – mas engana-se, só a sobriedade me enlouquece.

Despeço-me aqui. Logo hei de dar-lhe noticias, quer por escrito, quer em seus sonhos – mas tome cuidado com os súcubos, muito cuidado!!

Até mais Velho Homem.

P.S. Duvido que do “outro lado” eu possa enviar-lhe alguma lembrança ou peças para sua coleção de maravilhas.