Agora
voltando do almoço, nada de muito serviço em minha mesa, resolvi tomar um café
na cozinha da repartição.
Para
meu desespero lá estavam Dorinha e a Conceição - “a eterna quase viúva de alguém”. Dorinha – sempre tão prenhe de
tantas boas intenções... - se queixando que a sua mãe que não aceitava as
orações que ela lhe fazia para um pronto restabelecimento de uma doença
qualquer. (Tão falsa é que a própria mãe não a suporta nem rezando pela sua
saúde, prefere ir para o inferno que ao céu pelas orações da filha!). Então,
nesse momento a magérrima Conceição- “a
eterna quase viúva de alguém” - perpetra essa pérola:
-
Haveremos de orar com muita fé e submissão a Deus do jeito que nós fizemos pro Seu
Zezinho, que Deus o tenha em bom lugar – e baixava os olhos num misto de rasa
pureza...
Lembrei-me
de você bom amigo Campos me contando do ocorrido com o (des)dito Zezinho e
fiquei num limbo entre cair na gargalhada ou vomitar de tanto nojo dela o peixe
degustado no restaurante.
...história
escabrosa, ficar em hospitais segurando a mão de moribundos, esperando pelo
último suspiro dele e uma pensão vitalícia. Não costumo crer em Deus ou
qualquer outro ser superior, mas se há uma entidade assim, ela soube tratar bem
essa vampira... Não há mão que ela segure que reverta numa pensão... Dá asco ver
aquela cara de Santa Tereza de Calcutá do Pau Oco da Área Continental.
Mais
falsa que nota de três reais.
Tudo
isso passou em minha mente em menos um décimo de segundo, mas que filme
horrível de se ver, mesmo que seja dentro de nossa cabeça, onde não adianta
fechar os olhos...
Desisti
de tomar café.
Voltei
à minha sala – nessa época do ano o sol bate mais forte em minha nuca e gasto
uma grana preta em protetor solar...
Do
corredor escuto alguém gritando.
Mais
uma tarde no paraíso (e olha que prestei concurso para entrar aqui, quiçá eu
soubesse...).
É
o Dijon (vulgo mostarda), o chefe, que está falando obscenidades escabrosas ao
telefone com alguma de suas amantes... Umas velhas decadentes que vivem de
explora-lo, aliás, explorar sua máquina de frangos assados (que ele vende fiado
a elas cobrando depois em “serviços”, não sei se você me entende...) se me
perguntarem não saberia responder quem explora quem nessa história sórdida,
suja, engordurada e mal contada...
Lembra-se
das minhas borboletas azuis, aquelas daquele caso...?
Devia
ter dado fim à minha vida naquele maldito dia...
Escrevo-lhe
essas linhas para que seja, ao menos, testemunha de minhas desditas nessa
repartição, antes que um dia (um dia...) o pior aconteça.
Mas
não respire aliviado ainda...
Ouvindo
o “Mostarda”, virei sobre meus calcanhares e tentei voltar à rua para um
possível cigarro, quando...
O
Barbosinha (140 quilos, 1m80 de altura e
1m50 de barriga) me viu, assustou-se comigo e engasgou-se tentando fazer
graça:
-
Marx! – tossiu.
(faltou a claque
rindo!)
O
único alívio cômico nesse hospício é ele.
Respondi-lhe:
-
Grande hétero! – só recentemente ele descobriu-se um, mas isso fica para outro
dia. – Soube, por via tortas, que você é tão hétero quanto à estagiária do
segundo andar, verdade?
-
Eu não sou hétero como ela não, sou diferente, eu não tenho as coisas dela,
tenho as minhas! Tá pensando o quê de mim? – e foi-se indignado chacoalhando a
pança...
Juro,
com a mão sobre a bíblia ou qualquer outro livro dito sagrado, que não
respondi. Guardei para mim e minhas tripas o que eu pensei. Mas não deixei de
remoer:
-
Esse entrou por cota de deficiência mental...