2016/04/29

SOBRE LEGUMES E FLORES




Brigavam. Qual casal não briga? Discutem, tem lá suas diferenças! Seus pontos de vista divergentes! Contrastantes! Brigam por uma parede azul que deveria ser verde, de irem pela direita quando ela (sempre ela) que ir pela esquerda, por muito sal, por pouco açúcar!
Brigaram. Discutiram. Sabe-se por que, qual a razão (se é que havia uma razão, um com razão, ou os dois errados). Disseram-se palavras duras. Feriram-se com terríveis pejorativos, feios predicados, lembranças deturpadas, vomitaram todo o fel.
Brigaram, viraram a cara um para outro, cada um seguiu seu caminho, tropeçando em cada pedra do caminho, errando as escolhas em cada encruzilhada, trocando Norte por Sul, Leste por Oeste, erraram enfim por caminhos outros...
Separaram-se.
Mas o tempo passa, às vezes passa por cima da gente, ora por cima dos problemas, mas o tempo passou...
O fulano (não declinarei o nome, não percam tempo ligando para a redação!) tornou-se mais amigo que antes. Andávamos juntos e eu a ouvir-lhe as lamurias, a ver-lhe lágrimas correndo pela cara, assistir seu lento desmoronamento – que começava pela corcunda recém-adquirida, sola dos sapatos gastos...
Mas o tempo passa. O tempo nos afasta dos bons e dos maus...
Um dia, anos depois reencontrei esse amigo. Abraços, tapinhas nas costas e a famigerada pergunta:
- Vamos beber?
- Vamos! (fomos)
Ele me conta que hoje estão casados, felizes, sem filhos, (talvez por isso felizes?) (cartas pra a redação!) ainda pressuroso. Cheio de dedos pergunto, com muito rodeios, como foi que acabaram se acertando (bem que poderia ter perguntado sobre o sentido da vida, mas não!)...
Ele ri. (achei bom sinal, há muito não o via sorrir, quantos mais rir à bandeiras despregadas), então ele me conta:
- Louco o negócio, muito louco, até para os meus padrões de loucura. Passamos meses separados ruminando ódios, pensando besteiras, aquela desgraça toda que nos passa pela cabeça quando estamos sós, sabe? (não, não sei!, garanto-vos!). Ela não respondia meus telefonemas, as cartas eram devolvidas... Aquela miséria desgraçada que você (eu) acompanhou, (nada disse – sou discreto como um cavalheiro inglês - mas ele acabou ficando meio curvado..., mas guardei essa má impressão, afinal ele me parecia realmente feliz) até que um dia ela aparece em casa trazendo uma cesta de palha (palha? Acho que era de vime, mas deixemos isso pra lá). Olhou-me nos olhos, aqueles olhinhos amendoados, apertadinhos, míopes, úmidos, e disse que aquilo era para mim. Olhei para a cesta entre espantado e encafifado, mas sabe como são as mulheres, não é (sim eu sei, não entendo, mas sei como são...) e não disse nada, mas evitava ficar olhando muito para a cesta, quando, passada a emoção de me ver (mulher é besta mesmo) ela disse:
- Dia desses, andando pela feira lembrei de você. Comecei a chorar, mas como chovia ninguém percebeu. Quanto mais chorava mais lembrava de você (quem as entende?) até que passei por uma barraca cheias de umas flores tão exóticas, mas tão esdrúxulas (e olha que essa mulher o amava...) que não me contive, comprei essa dúzia que tinha lá, fiz essa cestinha com amor e vim aqui te pedir desculpas e perguntar se você me aceita de volta...
Confesso que quase me emocionei, mas segurei a onda, antes de tudo sou um forte!
Contou-me que se abraçaram, se beijaram e, que emocionado confessou-lhe que hoje, sim hoje, hoje mesmo, naquele maravilhoso momento ele chegara à conclusão que ela era mulher de sua vida, sua alma gêmea, a outra metade da laranja!
- Catso! - Como você chegou a tal conclusão? (já estava me irritando com tanto drama!)
- Cara, ela tinha trazido para mim uma cesta cheia de alcachofras! Ela confundiu flores com legumes, mas fez isso por amor por mim. Chorei junto com ela!
Abracei-o fortemente, (quase o quebrei ao meio), desejei-lhe toda felicidade do mundo, olhei para meu relógio, dei-me um tapa na testa e disse-lhe que tinha um compromisso inadiável.
Fui-me.
Nunca mais o vi*.