2020/01/24

UM RÁPIDO RETRATO DESSE CALOR


um dromedário sou, em
minhas corcovas – que calor-
parece que carrego nelas, dois sois

Atualizando o perfil do autor...


roberto prado
feito a imagem e semelhança
                               do criador
único mamífero que hiberna
                                   no calor




Às vezes acho que todos nós nos sentimos assim...



plácido bovino
pasta,  e espera
há tanto espera, o quê?

2019/07/26

CARÍSSIMO MAGRÃO


Caríssimo amigo & sócio na “empresa sonhos e nuvens”, nossa cidadezinha fica a cada dia, a cada amanhecer mais “zinha” e mesquinha e vulgar.
Seguimos com as ruas sujas, com mais buracos nas ditas ruas, mais esgoto a céu aberto e a certeza que regredimos dia a dia.
Temos velhas doenças de infância de volta à carga aqui...
Nossas lajes e marquises seguindo em direção ao chão mirando cabeças e acertando calçadas, mas às vezes o jogo vira.
Estando no inverno, seguimos com calores senegaleses e vento noroeste de dar inveja aos moradores dos Saara.
Aviso-lhe: Acho que nosso prefeito não mora mais na cidade!
Tal abandono justifica minha afirmação acima.
Numa certa rua a casa onde (o decoro, e vontade de imitar o jornal da cidade, me impede de declinar o nome e que o senhor, assim como eu e vários, se não todos, os nossos contemporâneos frequentaram em verdes anos) onde as moças de vida fácil (é do tempo de nossos avós!) trabalhavam, simplesmente ruiu! Virou pó que o eterno vento noroeste espalha, e, como o símbolo ubíquo da cidade, está cercada por aquela fita zebrada preta e amarela.
Que, aliás, voto nela para o verdadeiro emblema da cidade! Poderíamos pô-la no brasão da cidade...
Pense nisso!
Como nossa cidade, portuária, pôde deixar seus puteiros ruirem? Pois é, aqui tal sucedeu!
Caíram antes de serem tombadas.
Não que fizesse alguma diferença...
Decaímos dia a dia.
Ou afundamos! Pois a cada chuva de verão, mais a maré avança lambendo nossas praias e subindo ruas e calçadas invadindo garagens subterrâneas...
Já penso numa fuga para a região de Bauru.
Nos cafés, que lástima meu amigo! Nos que enriquecemos com ele (sem nunca termos produzido em grão sequer!) somos bombardeados com a pior beberagem possível em nome da modernidade e “gourmetisse”!
- Café descafeinado, leite sem lactose, biscoitos sem açúcar! – assim exigem os turistas estrangeiros.
Ah a moda!
Imitamos o pior.
Consumimos do pior.
Que saudade da minha cidade onde eu era cidadão e não caseiro de turistas de fim de semana...
Abraços e um aviso:
- NÃO VOLTE, NÃO VOLTE!

2019/06/27

DE VOLTA PRA CASA


(mini história)


...então estávamos a “trocentos” metros de altura sobre o Oceano Atlântico saindo do aeroporto de Heathrow, em Londres, quando sobrevieram as turbulências.
Gritos de “aimeudeusdocéu”, juras e promessas de uma vida melhor e mais honesta, choros, gritos e desmaios.
Pareceu-nos que o incidente há via durado horas, dias, meses, anos, pareceu-nos o fim de tudo, e enquanto todos a bordo lamentavam a vida prestes a ser acabar eu só me preocupava coma bolsa, soba minha poltrona, cheia de CD’s e livros que nunca ouviria/leria... Não pedia a Deus para não morrer, só pedia a Ele, e bem discretamente, que me concedesse a graça de ter um pouco mais de vida para desfrutar deles. Não era pedir muito, não Lhe prometi nada, e nada mudaria em minha vida para Lhe agradar.
Nenhuma barganha, afinal.
Logo o voo endireitou-se, voltamos a ganhar altura, deixamos as Canárias para trás e seguimos o caminho de casa.
Tudo poderia ser bem resolvido, não fosse uma criança que continuava a chorar. Continuava a chorar desde que decolamos, continuava a chorar desde a turbulência, continuava chorar desde que jantamos, continuava a chorar durante a noite em que deveríamos dormir, continuou chorando o voo inteiro.
(11:45hs de voo...)
Estive prestes a fazer um trato com Ele, que derrubasse de vez o avião desde que aquela criança parasse de chorar...
A bendita criança chorava sem parar, já não conseguia distinguir quem estava nervoso por causa dela de quem estava nervoso com a Aduana...
Enfim chegamos a São Paulo, estava louco para descer, desejando nunca mais ouvir tanto berreiro para o resto da minha vida. A enxaqueca, fruto da noite mal dormida, mastigava minha cabeça, a brutal mudança de temperatura, lá inverno, aqui inferno, digo, verão. Pensamentos de morte cruzavam minha cabeça.
Tudo que eu queria era chegar em casa, me meter debaixo do chuveiro e dormir, dormir sem choro de criança.
As malas? Ficariam para calendas!
No dia que resolvemos desfaze-las dei pela falta da bolsa com os CD’s e livros.
Deus cruel!
Deu-me o tempo e tirou-me o prazer de desfrutá-lo!
Antes...

2019/05/08

FRUSTRAÇÕES MATINAIS


FRUSTRAÇÕES MATINAIS
(DRAMA RELÂMPAGO)
CENÁRIO
UM PRÉDIO ANTIGO, ALGUMA COISA ENTRE UMA REPARTIÇÃO PÚBLICA E UM HOSPITAL DECADENTE (TAMBÉM PÚBLICO)

Ouve-se no corredor um acesso de tosse muito forte.
Duas pessoas encontram-se à frente do quarto de onde vem a tosse e uma pergunta à outra:

- Ela ainda está ruim?
- Sim, muito ruinzinha...
- Acha que ela piora?
- Não, não piora não.
- Começo meu dia com mais uma frustração.


CAI O PANO

2019/04/30

REFORMA





36° anuncia o termômetro da rua!
Por via das dúvidas, desde antes de ontem, escondi as lâminas de barbear. Há anos tenho grades na janela, não dá para saltar no espaço entre o telhado de casa e o chão lá embaixo, não nasci para o verão, tenho tremores quando se anuncia a primavera...
O pedreiro chegou na hora, errada – para mim. Queria que ele não viesse hoje, obras, grande ou pequenas, me estressam, reformas me enlouquecem.
Tenho um texto para terminar de escrever. Dois cachorros a passear na rua...
Ele entra, suja meu tapete, e me avisa:
- É melhor o senhor recolher os tapetes e cortinas, hoje o serviço vai ser punk.
Respiro fundo.
Desde ontem estou com prisão de ventre, constipação proveniente dessa obra em casa...
 Sinto-me estufado feito um baiacu, e de mau humor. Já tomei iogurte grego, agua morna pela manhã, mamão, duas colheres de sopa de azeite extra virgem, óleo mineral.
Estou lubrificado e entupido ao mesmo tempo.
Sento-me à mesa.
Encaro o notebook, ergo minhas mãos como se fosse eu grande maestro a reger a Sinfonia 1812 de Tchaikovsky. Quando meus dedos estão quase pousando sobre os teclados minhas cachorras começam a latir a uivar como hidrófobas. Salto como se tivesse molas nas pernas, corro à cozinha onde elas estão e paralisado de horror vejo o pedreiro paramentado com o mais assustador traje de trabalho, com máscara cobrindo-lhe o roto, luvas sujas de tinta vermelha e uma marreta na mão direita fazendo gestos desesperados para que a cachorras parassem de latir.
Encosto-me à parede, tento recuperar o fôlego, gesticulo às cachorras, que não entendo minhas ordens põe-se a latir ainda mais – minhas cachorras são raça poodle! O pedreiro tranca-se na área de serviço.
Tornando-me, outra vez senhor da situação faço parar os latidos, peço ao pedreiro que volte ao serviço.
Olho o termômetro da rua, 38º...
Acho que a terra está mais próxima do sol que a lua de nós...
Deliro.
Volto ao notebook e ao meu texto:

... então no sétimo dia, baratas em volta daquela maçã perdida no escuro da noite...”
Sou interrompido outra vez.
Agora as cachorras começam a correr em volta das minhas pernas. Choram, fazem manhas, correm à porta e jogam-se ao chão aos prantos. Olho me relógio de pulso. Hora do xixi delas.
Penso no termômetro.
Penso no calor.
Penso:
- Que mijem no apartamento!
Penso na mistura de urina, cimento e cal...
Pego as coleiras para leva-las à rua.
Pego meu chapéu Panamá.
Meus óculos de sol.
Passo protetor solar.
Respiro fundo e vou à área de serviço, Lili, a poodle branca não conseguiu se segurar...
Limpo rapidamente o chão, pois sei que cada segundo que passa aumenta o perigo.
Tento não olhar para o termômetro.
Ando pela calçada como as baratas de meu conto a ser escrito, ando encostado nas paredes, esgueirando-me pelas sombras. Por duas ou três vezes pisei nas patas das bichinhas. Somos três lutando por uma fresta de sombra.
É quase meio-dia, diminuem as chances de encontrarmos sombra.
Elas não encontram um pedaço de chão que não esteja fervendo. Tento arranjar forças para leva-las a uma pracinha a dois quarteirões daqui. Antes de atravessarmos a rua elas acabam por urinar em mim...
No termômetro 39°.
Resignado volto ao apartamento.
Corro ao banheiro para tomar um banho. Enquanto esfregava-me furiosamente veio a primeira cólica.
Dobrei-me em dor.
- Essa não era uma boa horaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaargh – hurro.
Segue-se uma segunda e mais dolorosa pontada na barriga.
O desjejum começa a surtir efeito agora.
Escorrendo água e sabão pelo corpo, patinei em direção ao vaso.
Quase escorregando sento-me nele...
E quando começo a evacuar...
O pedreiro dá a primeira marretada para derrubar a parede de um quarto.
Com o susto o “fluxo” é, literalmente, cortado.
Sentado no vaso, encharcado, rescendendo a urina de cachorro e “interrompido” em uma necessidade das mais básicas...
Uso de meus conhecimentos de zen-budismo, tantra, enfim, rezo e faço promessas, minha situação é constrangedora e dolorosa.
Respiro fundo, aberto minha barriga com todas as minhas forças, dou soquinhos nos joelhos, fico roxo de tanto esforço.
Quando estou quase “conseguindo”, sentindo o relaxamento do esfíncter...
...outra marretada do pedreiro na maldita parede interrompe meus dolorosos esforços.
- Deus! – clamo por Ele em desespero de causa.

A HOMENAGEM


Homenageávamos uma querida amiga.
Antes de continuar essa narrativa devo, a bem da verdade, dizer que uma pessoa chamou-me a atenção desde que cheguei. Uma senhora de grande circunferência e peso, que trajando um vestido cereja-incandescente atraia as pupilas desavisadas daqueles que atravessavam o umbral da vetusta igreja.
Um ano de falecimento.
A ela eram-lhe feitos discursos, comentávamos a sua falta.  Testemunhos, demonstrações de grande afeto, depoimentos sem fim. “Hasta” que chega o (assim se apresentava o bufão) “quebrador de paradigmas” – o sem noção de costume, o ladrão do brilho alheio – e põe-se vomitar dialética, politizar a falecida, esquerdificar suas posições, suas declarações, suas ações, procurei, discretamente as bandeirolas vermelhas com foice e martelo, não as vi, mas devem ter esquecido em algum lugar por ali, ou - deliro, sei – planejavam para o fim uma passeata...
Apresentou-se como “adevogado” & poeta!
Ia começar a perpetrar um poema em homenagem à finada quando, enojado, saí da sala sentindo a triste vergonha alheia.
Estava sem tomar o meu omeprazol, logo começariam os refluxos...
Fiquei a zanzar aguardando acabar a cerimônia, pensando com meus botões que talvez a homenageada não estivesse curtindo tanto assim a tal preito.
Mas, quem sou eu para saber das coisas do além?
Acabada a cerimônia, fomos ao coquetel, propriamente dito, e à confraternização, pois estamos todos naquela fase da vida onde só nos encontramos agora em enterros, deixando para lá os aniversários, casamento e batizados.
Abraços daqui, abraços dali, fugindo de um ou outro, fotos e mais fotos. Estava já esquecido da chateação anterior quando, após fotografar um grupo de amigas, umas das presentes (nem tão amiga minha assim...) deu-me seu celular para que eu tirasse a mesmísima foto...
Peguei o aparelho e logo lhe disse que ele não estava funcionando, ao que ela me responde que o dito aparelho é ruim mesmo...
Mexeu daqui, mexeu dali e me devolveu o aparelho, foquei, apertei o disparador, e devolvi-lhe o aparato.
Brava ela me responde:
- Para quem se diz fotografo, você fez uma merda de foto.
Foi nesse momento que tudo o que estava azedando-me o estomago veio à tona.
- Antes de dizer que sou um mau fotografo, compre um aparelho que preste, cale essa boca e pelo amor de Deus, troque de roupa. Sua cereja hidrófoba!
Aliviado o estômago, parti para os salgadinhos.


2019/04/11

CURTA ALEGRIA


Segunda-feira chuvosa, úmida, poças d’água nas ruas, grossas gotas caindo das árvores, cães molhados sacudindo-se nos bares e marquises, um friozinho que acalenta uma quente poesia no peito...
Um carro passa, molha-o.
Da poesia ao crime, uma pedra.

2019/03/27

O ELEVADOR


Ding.
A porta do elevador abriu. Décimo terceiro andar, estava escrito em letras leds vermelhos na placa defronte.
Décimo terceiro andar, aqui estou. Sim, aqui, agora preciso sair do elevador, respiro fundo e...  Carrego nos braços um ramalhete de rosas vermelhas, paixão! Acho que ela vai gostar. Dou um passo à frente, a porta ameaçou fechar, mas minha perna esquerda a impediu. Doeu, é possível que o joelho inche à noite.
Permaneci imóvel, me sentindo ridículo, com aquelas flores que já começavam a me virar o estômago.
Estaria muito óbvio a quem me visse o que fazia ali?
Indagava-me se deveria seguir em frente, sair de vez do elevador, dar o passo decisivo, seguir pelo corredor, parar em frente ao apartamento número X, tocar a campainha e mostrar o meu melhor sorriso quando ela abrisse a porta...
Logo vai escurecer, constatei olhando o fim de tarde pela janela do corredor do prédio.
As promessas são quase palpáveis, sinto que posso tocá-las, pegá-las e guarda-las em meu bolso.
Isso me excita.
O coração dispara, se não me acalmar ele sairá pela boca.
O que ela deve estar vestindo a essa hora?
- Aquele tafetá verde? Quimono de seda branca com aqueles dragões vermelhos? Usando aquele coque preso com hashis de laca preta, preparando um sushi? – rio-me amargamente dessas perguntas.
Detesto sushi.
Saquê sim...
 Sua fragrância... Quase poderia senti-la nas paredes, no tapete, (ou seriam as rosas?)se eu estendesse a mão poderia tocá-lo, pegá-lo e conservá-lo dentro de meu lenço e desfrutá-lo com mais calma e prazer depois.
Ding. Ding, Ding.
Alguém está chamando o elevador.
Preciso me decidir.
Olho o relógio.
Tic-tac..
Ding. Ding, Ding.
Preciso liberar o elevador.
Desço.
Decididamente sou um covarde.
Lá fora um resto de sol ainda brilha, mas dentro de mim uma chuva torrencial desaba sobre minha cabeça e a água chega a escorrer pelos meus sapatos.
O sax da música do elevador segue em minha cabeça fazendo a trilha sonora do meu fracasso.
- Esse maldito Kenny G e suas músicas...
Deixo pela rua, que agora escurece de vez, marcas de pegadas úmidas pelo chão.
Chap-chap-chap
Ao dobrar a esquina, antes de pegar o ônibus jogo fora as malditas rosas e o seu endereço, sei que demorará me esquecer desse dia. Se ao menos chovesse fora de mim poderia derramar essas lágrimas que agora me afogam por dentro.
- Sabia. 13 nunca me deu sorte!


DESSA VEZ PASSOU PERTO...


na comida menos sal
esta semana a morte
veio brincar em meu quintal...