2019/04/30

A HOMENAGEM


Homenageávamos uma querida amiga.
Antes de continuar essa narrativa devo, a bem da verdade, dizer que uma pessoa chamou-me a atenção desde que cheguei. Uma senhora de grande circunferência e peso, que trajando um vestido cereja-incandescente atraia as pupilas desavisadas daqueles que atravessavam o umbral da vetusta igreja.
Um ano de falecimento.
A ela eram-lhe feitos discursos, comentávamos a sua falta.  Testemunhos, demonstrações de grande afeto, depoimentos sem fim. “Hasta” que chega o (assim se apresentava o bufão) “quebrador de paradigmas” – o sem noção de costume, o ladrão do brilho alheio – e põe-se vomitar dialética, politizar a falecida, esquerdificar suas posições, suas declarações, suas ações, procurei, discretamente as bandeirolas vermelhas com foice e martelo, não as vi, mas devem ter esquecido em algum lugar por ali, ou - deliro, sei – planejavam para o fim uma passeata...
Apresentou-se como “adevogado” & poeta!
Ia começar a perpetrar um poema em homenagem à finada quando, enojado, saí da sala sentindo a triste vergonha alheia.
Estava sem tomar o meu omeprazol, logo começariam os refluxos...
Fiquei a zanzar aguardando acabar a cerimônia, pensando com meus botões que talvez a homenageada não estivesse curtindo tanto assim a tal preito.
Mas, quem sou eu para saber das coisas do além?
Acabada a cerimônia, fomos ao coquetel, propriamente dito, e à confraternização, pois estamos todos naquela fase da vida onde só nos encontramos agora em enterros, deixando para lá os aniversários, casamento e batizados.
Abraços daqui, abraços dali, fugindo de um ou outro, fotos e mais fotos. Estava já esquecido da chateação anterior quando, após fotografar um grupo de amigas, umas das presentes (nem tão amiga minha assim...) deu-me seu celular para que eu tirasse a mesmísima foto...
Peguei o aparelho e logo lhe disse que ele não estava funcionando, ao que ela me responde que o dito aparelho é ruim mesmo...
Mexeu daqui, mexeu dali e me devolveu o aparelho, foquei, apertei o disparador, e devolvi-lhe o aparato.
Brava ela me responde:
- Para quem se diz fotografo, você fez uma merda de foto.
Foi nesse momento que tudo o que estava azedando-me o estomago veio à tona.
- Antes de dizer que sou um mau fotografo, compre um aparelho que preste, cale essa boca e pelo amor de Deus, troque de roupa. Sua cereja hidrófoba!
Aliviado o estômago, parti para os salgadinhos.


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