Depois de ouvir por horas
dos cinco irmãos e cinco cunhados as mais lagrimosas desculpas, razões,
motivos, “porque sins”, “porque nãos”, gritos, acusações, ofensas, ameaças,
ranger de dentes, o mais velho dos filhos disse que agora era a minha vez [1]de
expor minha opinião sobre o que fazer com os velhos. E quem me conhece, sabe
que essa sempre foi “a minha praia...”
O que faltou em apupos sobrou em silêncio e aversão por mim, mas sigamos.
Levantei-me dramaticamente
devagar, aliás, os presentes não esperariam outra coisa de mim. Apoiei minhas
mãos no tampo da mesa, olhei nos olhos de cada um à minha volta, pigarreei,
tomei um gole de água, que bebi lentamente (quase gargarejando) e ao pousar o
copo – coisa de segundos - bati fortemente com o punho na mesa fazendo, agora,
por vontade própria, uma cena realmente dramática.
Pularam de suas poltronas,
arregalaram os olhos, uns mais sensíveis (culpados talvez?) perderam o fôlego e
os principais interessados demonstraram medo, medo de verdade. Alegrei-me, pois
como podem ver, comecei bem.
- Vocês querem a minha
opinião, pois aqui vai ela. Sou francamente a favor da internação imediata dos
dois. Olhei para o velho casal, eles tiveram um calafrio, discreto, mas eu
percebi.
– Vocês! – disse apontando
o dedo indicador de forma dramática (detesto quando percebo que, contra minha
vontade, agrado determinadas plateias), deveriam ser internados numa clínica
imediatamente, para posteriormente serem transferidos para uma casa de repouso.
Uma vez lá, deverão ficar em quartos separados em alas separadas, nunca mais se
encontrando, nem em corredores ou jardins – quando forem levados para tomarem
sol – nem durante as refeições. Deverão permanecer assim até que se esqueçam um
do outro. Mas – lá vou eu ser dramático outra vez! – não pensem que faço isso
por maldade. Não! – devo confessar que não fui muito convincente, mas os olhos
marejados dos velhos já me bastavam no momento – Digo isso para o bem de vocês
dois. Lá, os velhos – pronunciei os “velhos” olhando para os filhos, ignorando
totalmente os interessados como se eles não estivessem mais lá – terão
atendimento médico, enfermeiras treinadas, visitas de católicas piedosas, apoio
psicológico e principalmente, nenhum motivos para se queixarem de nada!
Juro que nesse momento senti a primeira praga da velha nas minhas costas.
- Mais ainda. Vocês terão
pessoas para conversarem, para desaguarem esse mar de fel que os corrói por
dentro.
Para a Dona Celinha vai ser
como aquelas férias que ela sempre quis e o velho lhe negou. Lá terá casa,
comida, roupa lavada e gente para conversar à vontade, não terá que pôr e tirar
mesa, lavar louça, eles cuidarão de lembrá-los dos horários dos remédios, e
quem sabe, visita dos filhos e netos saudosos (tá certo peguei pesado aqui) aos
domingos...
Fiz uma pausa para mais um
gole de água que bebi o mais lentamente possível. Na verdade essa pausa era uma
provocação, sabia que a qualquer momento um dos filhos ou filhas pulariam em
meu pescoço. Os importunava sim, mas é importante que os nobres leitores tenham
em mente que eu nunca quis participar dessa reunião, mas o filho mais velho
usou argumentos tão convincentes[2]
que não o houve como eu recusar[3]
e acabei vindo aqui. Sinto que vim não como mais um genro, mas como um artista
que dá show em conferências e palestras, só para distrair os presentes, sem
influenciar em qualquer resultado – e cá estava eu fazendo o que faço melhor,
drama e palhaçada! Sorvido o último gole de água, voltei à carga.
- Agora vejam bem – apontei
com esse dedo indicador que ainda haverá de ser item de colecionador no futuro
- para o velho.
- Seu Bentinho, o senhor
poderá se ver livre das tiranias da Dona Celinha, nunca mais comerá a gororoba
ora insossa, ora salgada que ela lhe serve, poderá ler seu jornalzinho – esse
momento foi meu ponto alto, por dentro, chorei por não estar sendo filmado –
pois juro diante dos presentes que faço-lhe, de todo o coração, uma assinatura
do Diário Oficial da União para que o senhor tenha o que ler pelo restos de
seus dias. Pense nas enfermeiras que o atenderão, todas bonitonas, de uniformes
brancos e justos, todas elas sempre sorrindo, sei que a princípio o senhor
estranhará esse hábito das pessoas mostrarem-lhe os dentes todas as vezes que lhe
virem, mas creia em mim, todas as pessoas, fora os dessa casa, fazem isso
corriqueiramente. Logo o senhor se acostumará com isso. Imagine acordar e ver
um dia claro, luminoso e, não se assuste, pois aquela grande bola de fogo no
céu é o sol. Não me olhe assim tão espantado – não verdade ele estava era
ficando apopléctico –. E ao ser levado
aos jardins pelas enfermeiras o senhor sentirá como é bom tomar solzinho da
manhã. E logo irá sentir-se tão bem que perceberá como foi estúpido economizar
tanto dinheiro por tanto tempo, que num átimo, pulará de sua cadeira de rodas –
impagável a cara dele com os olhos quase soltando das órbitas – e saíra
andando, andando não senhor, correndo...
Olhei para os lados
enquanto o filho mais velho dava um calmante para o pai, e olhando para a velha
vislumbrei satisfeito, que ela, com ódio desse escriba, tinha trincado o cabo
da bengala.
Olhei para meu relógio e
conferi as horas com o velho cuco na parede, dei a entender que tinha que ir
embora e voltei ao pequeno e improvisado discurso.
- Não quero, e faço questão
de deixar isso bem claro para os presentes, que não desejo nenhum mal aos seus
pais, mas somente o melhor para eles agora que o fim se apresenta cada vez mais
próximo e em cada esquina – “o fim se apresenta cada vez mais próximo e em
cada esquina” -. Meu Deus, que momento de rara inspiração! – Tive vontade
de dar tapinhas em minhas costas...
Os filhos olharam-se entre
si, os velhos – pela primeira vez em muitos e muitos anos – fitaram-se nos
olhos e procuraram por Deus naquela sala, mas posso afirmar-lhes, Deus não
estava lá! E tremendo em suas bases perceberam que todas as suas maldades, suas
maquinações e manipulações tinham cobrado um preço, muito alto, e EU estava lá
cobrando...
- Quero, como já frisei
anteriormente, unicamente o bem deles, um bem que jamais poderá ser encontrado
aqui nessa casa, pois nenhum de vocês tem qualquer tipo de treinamento médico,
com exceção é claro do Fred - marido da filha mais velha, veterinário com
licença cassada –, então pelos motivos fartamente citados e expostos, voto por
mandá-los imediatamente à uma casa de repouso, e nesse momento tiro de minha
pasta 007 setenta e dois folhetos de
clínicas de repouso e asilos, sendo que
sessenta e nove estão localizados em Mato Grosso , Mato Grosso do Sul e Acre. De olhos
marejados, jurei que era a melhor, bastava pesquisar na internet, outros em
Maranhão, Rio Grande do Norte e dois ou três nas Guianas[4].
- Para terminar tão longa e
cansativa peroração, quero ratificar os meus melhores votos ao Seu Betinho e
Dona Celinha, e desejo do fundo de meu (raso) coração todo o bem e toda a
felicidade a vocês e que seja feita somente a vontade do Bom Deus! Então
abaixei minha cabeça em uma muda oração que confrangeria o coração de qualquer
um com um mínimo de fé na humanidade.
Terminando de falar esperei
que alguém entusiasmado deixasse de lado certas antipatias por mim e aplaudisse
meu discurso, mas que nada, somente o silêncio temperado por um enorme e amargo
desprezo me acompanhou até fora da sala. Saí sem que o filho mais velho me
pagasse a velha dívida prometida. Mas, uma vez na rua, praguejei sacudindo meus
punhos para o céu: - Espero que todos vocês morram quinze minutos depois de
encontrarem a felicidade![5]
Esperei que um raio seguido
de um estrondo cortasse o céu como se fosse uma confirmação do registro da
minha praga, mas...
Nenhum comentário:
Postar um comentário