(Outro Drama Relâmpago)
Cenário: Uma repartição pública caindo aos pedaços.
Personagens: Dois velhíssimos funcionários, os únicos que sobraram, e que esperam pela aposentadoria, Abelardo e Dona Denaide.
Tempo: Um futuro, infelizmente, muito próximo.
O relógio quebrado há mais de vinte anos, na parede, indica que são 13h30minhs.
Abelardo fala::
- Oi mocinha, ô mocinha, vira pra cá, ô mocinha...
A mocinha vira-se, lentamente para ele, começando pelo pescoço, enrugado, alguns segundos depois, o tronco rijo feito um jatobá centenário, e finalmente a bacia, que já possui uma prótese de platina, o único bem que ela possui nessa vida.
Dona Denaide:
- O que é que você quer? Já esqueceu o meu nome de novo?
Abelardo:
- É que sem poder ver o crachá, não dá para lembrar o seu nome...
Dona Denaide:
- Denaide! Meu nome é Denaide, há quarenta anos que trabalhamos juntos, como você pôde esquecer o meu nome? O que é que você quer afinal?
Tosse, tosse muito, abre a bolsa, e tira de lá uma bombinha para bronquite.
Abelardo, muito nervoso, segurando um carimbo, que está de cabeça para baixo, resmunga:
Abelardo:
- O que é que eu quero? Foi você quem me chamou...
Passa o tempo.
Mais ou menos uns quinze minutos.
Abelardo:
- Mocinha, ô mocinha, será que você poderia me fazer um favor?
Dona Denaide, nervosa, procurando o óculos, que está sobre a sua cabeça, larga a revista que estava lendo, também de cabeça para baixo:
Dona Denaide:
- Abelardo, já te falei, meu nome é Denaide, Denaide, olhe aqui o meu crachá. - e falando para si mesma - Quarenta anos, quarenta anos e nada de sair a minha aposentadoria...
Vai até a mesa de Abelardo, com a bombinha na boca e aspirando feito uma resgatada de afogamento, e esfrega o crachá na cara dele, cheia de rugas.
Dona Denaide:
- Olha aqui Abelardo, lê o que está escrito aqui, lê!
Abelardo:
- Denaide! Mas que nome bonito a senhora tem, Denaide! Denaide...
Fica olhando para o crachá e esquece da vida. Os olhos fitam o vazio, o carimbo cai-lhe da mão.
Dona Denaide gritando:
- Abelardo! Você trabalha comigo a quarenta anos, pare de ficar olhando essa foto, eu tinha vinte anos aí. Acorda Abelardo!
Abelardo acorda de um sono de olhos abertos, e pergunta a Denaide o que ela está fazendo em sua mesa, gritando daquele jeito.
Dona Denaide:
- Abelardo você não tem mais remédio! Tá um velho gagá. Foi você que me chamou aqui duas vezes...
Abelardo, ainda com o crachá de Denaide nas mãos, os olhinhos brilhando, talvez de paixão, pergunta:
Abelardo:
- É filha, ou neta sua, essa mocinha tão bonita?
Dona Denaide, surta!
- Essa na foto sou Abelardo, sou eu!
Levantando as mãos aos céus, Dona Denaide grita:
- Meu Deus, se não podemos aposentar, por favor, me leve. Me tire daqui...
Vira-se e começa a voltar à sua mesa, tossindo, quando Abelardo a chama de novo.
Abelardo:
- Mocinha, ô mocinha, se você ver a dona Denaide por aí, por favor, peça a ela que me traga uma frauda geriátrica. Acho que me urinei de novo...
Dona Denaide, enquanto dirige-se ao banheiro, chora e aspira convulsivamente a bombinha para a bronquite.
Abelardo, molhado, sonha com a mocinha da foto.
(que)
FIM
Um comentário:
Maravilhoso!
É assim mesmo. Eles passam o tempo todo, mesmo e, casa pensando como irritar o outro.
AH AH AH!
Tadinha da dona Denaide!
Show, Roberto!
Beijos
Mirze
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