2018/04/24

ELOCUBRAÇÕES





Seis horas, toca o despertador, acordo e me deparo com o chão coalhado de baratas mortas, suas pernas finas tremendo ao vento que entra pela janela.

As cortinas dançam com a mesmo aragem. Só faltava ouvir Marcha Fúnebre - de Chopin...

Começar o dia assim...

Essa cena me faz voltar no tempo e me lembrar de frei Justino, - que Deus o tenha em um bom lugar! – que num domingo na hora da comunhão de repente quedou-se paralisado, em choque com a hóstia em suas mãos estendidas ao alto, quando sente uma barata passar sobre seus pés e correr em direção ao altar, com olhos esbulhados olhando em direção as fiéis, babando começou a murmurar para o coroinha:

- Tire esse cágado da igreja, tire esse cágado da igreja...

Patética era a sua situação, pois ninguém via em nenhum lugar na igreja o tal do cágado, e o pobre homem, por fim, surtou, enlouqueceu, e foi retirado da igreja á base de muito conversa...

Volto - essas minhas idas ao passado me dão vertigem - ao presente e as baratas continuam ali no chão, mortas de barriga para cima.

Nunca mais tive notícias de frei Justino...

Desvio-me delas, senão com nojo, com muita cautela...

O sol promete mais calor, a continuar assim esse clima logo os vizinhos me encontrarão morto, duro e suado na cama, e tal e qual essas Periplaneta americana”- eu as odeio, mas as conheço - em decúbito ventral e como o velho Justino, de olhos esbugalhados, talvez ainda balbuciando:

- Os cágados, os cágados...

Vou à cozinha, reviro o armário, acho o inseticida que usei à noite passada, leio as instruções.

Penso com meus botões:

- Arma de destruição em massa, genocida... – como sou hipócrita, meu Deus! Sentia-me feliz, livre e mais limpo com a morte delas..
.
Por via das dúvidas resolvo jogar fora esse veneno. Não quero em minha consciência os fantasmas de meu passado me assombrando a cada inseto morto – e há tantos nessa cidade!
Vou dar uma volta, quando voltar arrumo alguém para limpar o apartamento. Creio passarei uns dias fora...

Na rua, enquanto jogo o veneno no lixo, decido-me:

- Domingo vou à missa!






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