“O velho sátiro
entrou no quarto da mocinha, ela estava estendida na cama, lânguida e ofegante.
Na verdade a mocinha
era uma fada, de asas tão diáfanas que pareciam com as de libélulas. Magra,
fina, frágil e branca feito uma porcelana chinesa, ela tremeu ao ver a figura
priápica, perdeu o fôlego e sorriu.
Seu sorriso excitou
ainda mais a monstruosa figura que avançou e baixou lentamente seus cascos
eqüinos, evitando assim qualquer barulho que chamasse a atenção dos guardas que
ficavam do outro lado da porta.
Sua respiração fazia vibrar
o ar à sua vota.
A fada agitava suas
frágeis asinhas e também arfava fazendo com que as chamas das velas
tremeluzissem e produzissem sombras fantasmagóricas.
A besta lentamente
achegou-se aos pés do leito da donzela...”
Abanando-se com as folhas manuscritas, a virgem vitoriana, afogada em
uma desconhecida agonia, dirige-se à janela de sua casa de grossas paredes de
pedras. Na velha lareira uma acha de
lenha estala assustando-a. Ela vira-se para trás e pensa ver a sombra do velho
sátiro, encosta-se na parte mais escura da sala, e entre amedrontada e ansiosa
pede a Deus que sua criatura tenha conseguido fugir do reino da fantasia e
venha resgatá-la dessa vida insossa e sem cor. Mas outro estalo da lenha
levanta uma minúscula faísca, que mesmo assim produz uma luz fugaz o suficiente
para iluminar a sala e fazê-la sentir-se uma idiota.
Abana-se com mais força, fazendo com que as folhas se espalhem pelo
chão, mas ela não pensa em recolhê-las de imediato. Antes de tudo o mais
precisa respirar, precisa urgentemente respirar e chamar uma aia para libertá-la
do espartilho, soltar-lhe os cabelos, trazer-lhe uma jarra de água – água, não
– uma jarra de vinho tinto – vermelho cor de sangue – sente que precisa recuperar
a cor.
Da janela a virgem vitoriana olha para a vila lá embaixo no vale. Mas é
pouco e difuso o que se pode ver a essa hora, pois já é noite de lua nova e uma
névoa muito espessa cobre tudo. Ela fecha a janela a tempo de evitar que um
morcego entre em sua casa.
- Um morcego! – ela murmura – um morcego iria muito bem à minha
história. Volta à escrita, relê, toma da pena de ganso – que cria
exclusivamente para isso – e volta escrever.
“A criatura
meio-homem, meio-bode estica sua gigantesca mão em direção à virgem. Ela sofre
de angústia, desejo, escrava de um desejo até então desconhecido. Seria o forte
odor caprino do mitológico ser que a enfeitiçava? Seriam seus olhos negros
feito carvão?”
Outro estalo da lenha a fez jogar a pena de ganso para o alto, e quase
cair da cadeira, onde se sentava na beirada, vítima, ela também, do encanto de
sua história.
E com o susto, ela acaba por olvidar a introdução do morcego na
história.
A virgem vitoriana resolve, enfim, chamar a sua criada, e pedir uma
jarra de água e outra de vinho tinto. Com uma mataria a sede e aproveitaria
para limpar o suor que lhe brotava na testa, com a outra, recuperaria a cor e a
coragem para seguir em frente com a história.
Somente bebendo ela poderia imaginar a consumação do ato de amor entre
a Besta e a Virgem. Enquanto esperava a velha serviçal chegar ela aproveitou
para acender mais velas, a criada não deveria pegar jamais uma dama vitoriana
como ela sozinha com uma história contendo sátiros príapicos, alcovas e virgens
prestes a deixar de sê-lo. Ela era uma mulher vitoriana ciente de seus deveres
sociais.
Passados poucos minutos, ela torna à sua pena de ganso (outra, pois
aquela outra só seria achada anos depois do... - bem isso é outra história e eu
não vou contar nada aqui) e à escrita. Como que possuída por mil demônios, escreve
e bebe, escreve e bebe e de quando em quando, sacudindo a cabeça, ri.
Descreve com impressionante riqueza de detalhes as preliminares (que
ela descrevia da lembrança de uma noite em que, procurando a chave das adegas, viu
sem querer sua serviçal namorando com o chacareiro, protegidos pelas sombras
dos corredores da velha mansão), trinta e três páginas depois, ela finalmente
chega ao momento da consumação, e...
Para.
Estaca.
Petrifica-se, pois não sabe como continuar a partir daí, afinal,
desgraçadamente, ela é uma virgem vitoriana, velha e feia.
Por exaustivos minutos, ela escreve, rabisca, rasga as folhas e nada
consegue produzir. Olha para o chão agora coberto de folhas amassadas e chora.
Chora frustrada, pois:
1.
Desconhece as delícias do sexo, e;
2. Precisa chamar a aia para, (que humilhação!)
perguntar-lhe o que acontece depois das preliminares.
Gemendo, amaldiçoa ser uma virgem vitoriana...
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