Acabado o
almoço apressado, vou ao café. Sim, sempre o café no meio. Estou sentando à
mesa com colegas de trabalho.
À mesa, ao meu
lado o Comandante Castro e o Deco. Não
falamos coisa com coisa, hora de descanso, ver as mocinhas dos escritórios indo
almoçar, indo às lojas, flanando sob esse sol lindo de outono, nada de
importâncias, nada de urgências, urge sim nos distrairmos para encarar o resto
do expediente.
Fomos servidos
pela mocinha que não sorri. (logo inferimos que há algum problema que a impede
de sorri!) Discutíamos o que a levaria a ser tão séria. Seria realmente só uma
moça séria? Faltar-lhe-ia um dente? Seria somente triste, mofina? Ou puramente só
antipática e pronto, como sugeriu o Deco? Vá saber...
Pernas
esticadas sob um céu azul digno de Montevidéu (se duvidam, vão lá conferir),
cigarros acesos. Sim o bom Deus deu-me companheiros que tomam café e fumam![1] E ainda
de lambuja nos deu uma cafeteria com mesas à rua, o que nos permite ver a paisagem
e fumar em paz.
Tudo parecia
seguir um bom rumo, estávamos já no segundo espresso
quando um mendigo (ou devo escrever cidadão em situação de rua?) aparece. Como eu
estava de costas para ele, de costas continuei. Há muito perdi as esperanças de
salvar a humanidade e esse mundinho. Deixei que o Comandante Castro ou o Deco
falassem com ele.
Os dois, assim
me pareceu, deviam estar invisíveis aos olhos do dito pedinte, que nada pedia a
eles, e continuava a me importunar.
Nada. Ele tocou-me
as costas de novo, virei e antes que ele pronunciasse aquela lengalenga,
disse-lhe que nada tinha e que os companheiros na mesa estavam pagando o café
hoje.
Os dois a
partir desse momento passaram procurar carneirinhos no céu...
Não adiantou e
para minha estupefação, ele ajoelhou-se no chão chorando. As pessoas que
passavam pela calçada me olhavam.
Uns com
reprovação pelo nosso coração duro, outros, talvez irmanados no meu
constrangimento viravam o rosto para o outro lado.
A cena
desenvolvia-se em câmera lenta.
Eu não sabia o que
fazer, no único e esperado momento do dia em que relaxo aquele indivíduo ali de
joelhos, as lágrimas prestes a descer-lhe pela barba imunda me constrangendo,
quase me obrigando a dar-lhe uma esmola, um óbulo, ou em caso de maior
desespero, um tiro para acabar com aquele drama.
Situação
horrível de se viver.
Virei-me e o deixei
chorando ali sozinho, o café amargou-me a boca e cigarro perdeu a graça.
Passados longos
segundos, por fim ele levantou-se e foi embora (não sem antes, sarcasticamente,
me agradecer por nada e me recomendar ao bom Deus).
Não pudemos
deixar de reparar que ele usava bermuda de surfista mais cara que a calça que
usávamos, sem contar o tênis de marca, daqueles que se matam facilmente hoje em
dia para roubar.
Esse mundo não tem
mais salvação.
Amanhã tomarei
café num lugar mais reservado e, de preferência, sozinho.
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