2017/06/13

CARTA ONDE DESCREVE UM DIA COMUM E NORMAL




                   Prezado, bom dia (ou seja, lá a hora que você abrir essa missiva).

Ontem resolvi tirar o dia para mim, sem pensar em nada (bah, fosse assim tão fácil desligar esse velho e maltratado cérebro...) e fui pescar, num rio, pois lhe juro!  nunca mais chego perto do mar! Não o suporto mais e tenho calafrio, quando sinto cheiro de salmoura... Acho que por causa da ojeriza que me causa o sal, minha pressão arterial tem estado bem baixa, 12x7, um menino, um menino!

Sentei-me numa pedra com o velho cérebro em ponto-morto e uma pequena garrafa de absinto para me garantir, pus-me a jogar a linha n’água.

Pesquei sacos plásticos de várias e diversas cores, um sapato - pé esquerdo - número 41, folhas de jornais das cidades rio acima (que não resisti, e tentei ler algumas manchetes, bem coisa desse meu velho e birrento cérebro...), um lambari morto de fome, haja vista ter mordido um anzol sem isca e um velho mapa desenhado em couro de burro...

...que imediatamente joguei de volta à agua e certifiquei-me que a correnteza o arrastou para longe de meus cansados olhos. Ando farto de aventuras!

Que dia maravilhoso!

Cercado de lixo e distante de qualquer tipo de pensamentos, inquietações, dilemas morais, sociais e/ou financeiros e a garrafa vazia resolvi dar a pescaria por encerrada e voltar para a pensão, sim estou em outra, mas isso é assunto para outra carta.

Lembra-se da francesa, pois, veja só, não tenho pensado nela nem uma única vez nas últimas semanas e se a cito aqui foi porque vi uma foto dela no fundo da gaveta onde guardo os papeis de cartas e o fumo de rolo para meus cigarrinhos. Voltei tão leve da pescaria que meus pés mal tocavam o chão e nessa experiência - nessa epifania? - acabei sendo carregado por uma lufada de vento que me fez ir para muito, muito longe de casa
.
Seria essa a tal da insustentável leveza do ser?

Espero não ter deixado você, velho amigo, aflito com o urgente escrito em vermelho no envelope. Precisava sim, urgente, compartilhar com alguém, esse dia tão ditoso, venturoso e glorioso – salve salve! Penso ouvir um coro de querubins enquanto traços essas emocionadas linha...

P.S. Do alto, enquanto ascendia com o ar quente, achei ter visto pegadas de gigantes, mas sabemos (não sabemos?) que gigantes não existem, certo? Aguardo confirmação. Nesse meio tempo levarei o lambari ao taxidermista.

P.S². Amanhã descerei o rio atrás do daquele mapa, mal dormi essa noite pensando nele.

P.S³. Preciso dar um jeito de livrar-me de meu cérebro. Estou aberto a sugestões.

2 comentários:

Unknown disse...

Gosto dessa sua narrativa

VICIADOS EM CAFÉ disse...



O senhor é qee muito bom gosto.