Caríssimo,
boas novas sobre a casa nova.
Alvíssaras!
Depois
de bem pouco tempo encontrei outra pensão. Fica longe, nunca o suficiente, bem
sei, da outra casa. Mas essa tem as vantagens de ser longe do mar e ser bem
mais antiga e possuir um claustro que bem me servirá para fumar e beber em paz,
fora das paredes claustrofóbicas de meu quarto, ou seria catre? Sei tão pouco...
A cada amanhecer percebo que sei um pouco menos que no dia anterior, por isso
essa minha sanha de aventuras, de conhecimentos. Preciso manter cheia a
dispensa de saber na minha cabeça. Que, diga-se de passagem, esta cada com
menos cabelo...
A
cada amanhecer uma série de perdas. Acordar para quê? Pergunto-me, mas não espero
ou procuro resposta, não gosto de perguntas retóricas, nem que seja minhas.
Mas
falemos da casa.
Antiga,
muito antiga, antiquíssima (sei o quanto lhe agradam os superlativos, então ai
vai um). Creio que a pintura ainda é a mesma da época da construção... Acho que
as paredes foram feitas com ossos de baleia (e de seres humanos), mas preciso
averiguar com mais calma.
Deito-me
cedo (quando não estou em algum bar), mas não durmo logo (o que explica minhas
idas aos bares), pois a casa que durante o dia é calma, sossegada como um
mosteiro, mas à noite transforma-se, torna-se algo totalmente diverso, vira-se do
avesso. Ouço passos (os primeiro sons de que tomei ciência) agora são vozes,
choros, gritos discussões... O que me leva a acreditar que nessas vetustas
paredes há algo mais que ossos de baleias...
Não
perco o sono por medo, pois como é sabido & comprovado, NADA temo nesse
mundo ou em qualquer outro que por ventura haja por ai. Sou caçador renomado,
briguento de primeira, lutador sem igual, mas, você sabe velho amigo, tenho
sono leve.
Na
parede, de frente à porta de entrada, há um quadro de uma dama muito, mas
muito, absurdamente muito gorda sentada no dorso de um elefante, que pelo pequeno
tamanho das orelhas de ser indiano, essa impressão me é reforçada pelo estranho
turbante que a mulher usa... Sim um quadro muito feio, desinteressante que na
sua estranheza, bizarrice e mediocridade nos prende a atenção. Grande artista esse que
concebe tal pintura... Sem pensar duas vezes eu o jogaria no lixo.
O
café nos servido entre sete horas e sete e meia da manhã. Sim, nunca serei envenenado
por tal beberagem, pois nunca acordo à essa hora...
Nunca
vi a dona da casa, sou atendido pela governanta, senhora circunspecta, nunca lhe
ouvi a voz, parece dar ordens com o olhar duro de pedra, ou, recuso-me a
aceitar tal hipótese, por telepatia (lembre-se, nós NÃO cremos nessas tolices
supersticiosa dessa gentinha ignorante e limitada que nos cerca).
Quero
segredar-lhe uma coisa, na primeira ou segunda noite aqui estava fumando meu
cigarrinho no claustro sob uma lua cheia cinematográfica (de filme de terror, de filme de terror!) quando senti uma presença ao meu lado. Bravo que sou, não
pensei duas vezes, ofereci-lhe um de meus cigarros, e numa lufada de vento
frio, uma voz respondeu-me:
-
Parei de fumar quando morri e nunca mais
quero saber disso! – Outro que não eu em meu lugar teria caído duro em
choque para trás, mas eu? Guardei o cigarro e lentamente, pé ante pé, voltei ao
meu quarto. Ainda vou ver de que é feita essa casa...
Caríssimo,
resumindo, sinto, como há muito não sinto, que agora estou em casa.
Por
hora só tenho isso para contar-lhe.
P.S.
O taxidermista fez um ótimo trabalho. Depois lhe mando umas propagandas dele.
P.S².
Sei o quanto lhe agrada a arte pictórica, assim que receber minha
aposentadoria, vou pedir que reproduzam uma cópia do quadro e enviarei, (sem
custos, sem custos!) para você.
Abraços fraternos.
2 comentários:
Quando eu crescer quero escrever igual a você. Ótimo
(...)
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