2017/06/19

UMA CARTA SOBRE UM DIA TOTALMENTE NORMAL, OU QUASE




 Caríssimo, bom dia.

Cá estou a incomodá-lo com minhas epístolas, mas acredito que estais tão viciado em recebê-las como estou eu a escrevê-las. Escrever e fumar meus cigarrinhos, ah, isso é quase como viver bem!

Dessa vez pouco o quase nada tenho a relatar.

Ainda estou nessa pesão mal assombrada, mas já cogito em mudar-me. Com o tempo, tudo nos enfada, até o extraordinário. Cansei-me daqui. Meus velhos olhos precisam de descanso, já  vi muita coisa nessa vida (e de outras, e de outras...), já tomei muito sol na cabeça, uma lua cheia por semana já é mais que o suficiente para mim (ou qualquer outro cristão!). Percebi que desde que me hospedei aqui todas as noites são de lua cheia, mesmo que chova fora das paredes dessa casa, no claustro SEMPRE é lua cheia. Fartei-me dessa maravilha noturna! Os fantamas? Nada de mais depois de um tempo, já não me aterrorizam, só fazem me aborrecer com suas lamúrias, resmungo e choradeira...

Preciso fechar as janelas, as cortinas, colocar uma máscara sobre os olhos e sobre a cabeça um travesseiro! Muito trabalho para poder descansar tão pouco à noite!

Sou um homem velho e enjoado, ou somente velho?

Responda-me! (lembre-se, não faço perguntas retóricas!)

Acordo todas as manhãs mais cansado que na noite anterior... Perco o viço e a vontade de viver, de fazer o que quer seja. Temo acabar fazendo parte dos ossos dessas paredes...

 Velho amigo estava esquecendo minha missão. Computo isso à essa casa, essa eterna lua cheia. Sinto-me sugado por essas paredes.

Ontem, esperando o sono chegar, revirei o velho baú. Lá estão todas as armas para minhas caçadas. Reparei que não tenho nada para caça submarina. Preciso comprar, pelo menos uns dois arbaletes, uma balestra 50 libras, pés de pato, uma máscara e um respirador. Passei a levar o mar muito a sério de uns tempos para cá... Acho que terei que fazer uns escambos para adquirir esses equipamentos.

Amanhã mesmo compro uma dessas gazetas que entopem esse vilarejo esquecido por Deus, e procuro outro lugar para morar. Não me vejo com forças para sair desse projeto de cidade, mas ainda me resta energia para mover-me para fora dessa gaiola enluarada.

Sei que há muito não pergunto por esses itens, mas agora vai:

1.      Nada daquele empréstimo? Minha aposentadoria ainda não chegou e os poucos cobres que me restam...
2.          Nada de Françoise?

Jurei a mim nunca mais perguntar por ela, ainda mais depois de tudo que tenho passado, vivido & vivenciado... Mas certas dores criam calo, e sempre nos acostumamos com os calos, por mais que eles doam, não é?

Conte-me algo do mundo normal em que você se refugiou e se acostumou a viver.

Como bem disse acima, nada de espetacular nessas linhas.

Abraços fraternos e desamparados.




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