2011/02/24

VITRINES

(revisada e levemente ampliada)



Quem me conhece, mesmo que vagamente, sabe que perco o(s) amigo(s) , mas não perco a piada – sim, intuo já uma velhice solitária e amarga, mas fazer o quê? É o preço que pagarei por se o que sou:

- Fiel aos meus princípios, pois ouço e escrevo!, mas sigamos...

Outro dia, bebericando meu santo cafezinho ouço a história de um recém-solteiro de meia-idade, que num domingo desses de pouco sol e sem presa à vista, saiu para se socializar com a ex-família.

Me contava o nabokiviano amigo os detalhes com tal riqueza, que me vejo aqui incapaz de transcrevê-la, furtando-os assim, meus leitores, dos pormenores sórdidos, das cores fortes, da linguagem docemente impudica que tais conversas impõem...

Mas dou-lhes, de forma poética, esse breve e aprazível resumo, vejo-os lá embaixo.


Foi entre as vitrines

Que ele a viu

E sentiu-se visto

olhares cruzaram

promessas no ar

ele

um velho sátiro

ela

uma ninfeta

digna dum Nabokov da melhor safra

ela com a mãe

ele, ex-mulher

manequins testemunhas mudas

cabides cúmplices sem culpa

corredores de lingerie apimentando os desejos

o rubro à sua frente

serão das peças

ou de seus olhos?

ela, de soslaio

ele, a vibrar

o não-dito

o não-feito

o desejo no ar

a Lolita ali

- será que ela ouve o seu latejar?

desejo a lhe sair pelos poros

ele sente que brilha

seus olhos o traem

suas mãos suam

ela vai com a mãe

antes de sumir olha-o

a ponto de fazer seu sangue ferver

mas é tarde demais

ele está velho

ele está perdido

ele está, hoje, com a ex-mulher do lado...

por que hoje?

por que hoje?

sofre a dor da perda

sofre a dor de saber nunca mais outra chance

sofre a dor das escolhas desse domingo...


Mas como sabemos e os jovens logo saberão, as dores de uns são as doçuras de outros.

Passem bem!