2018/04/11

O JANTAR




- Passe-me o arroz. – esse pedido foi seguido não do arroz, mas de um silêncio que prenunciava outra discussão. A noite prometia, as crianças olharam para o chão, o menorzinho começou a chorar, a menina do meio, fez-lhe um sinal, discreto, com a cabeça.

 - Não chora, não comece, engula o choro- pediu baixinho - por favor. O esforço seria demais, pois ai ele começou a chorar mais alto ainda...

A mãe tremeu, sabia o que viria seguir, e sabia que o “seguir” não seria a travessa de arroz. O filho mais velho fez menção de levantar-se e pegar a travessa, mas o pai o interrompeu olhando duro, tanto que o caçula desandou a chorar ainda mais.

A mãe desistindo do jantar levantou-se para tirar o filho pequeno da mesa.

- Deixe ele ai, ainda não acabei de comer! – rosnou duramente o pai mastigando uma coxa de peru. A menina do meio tentou servir a mãe, mas o irmão mais velho, o Júnior, orgulho do pai e da escola militar disse-lhe que não, lhe explicando.

- Isso é briga de cachorro grande – disse, encarando raivosamente o pai.

O pai esbofeteou-lhe a cara. Na mesa dele, na casa dele, debaixo do teto dele, ninguém falaria desse jeito com ele, se ele quisesse falar como um vagabundo que fosse para a rua, lá era lugar de proferir essas palavras, não a casa dele. O filho envergonhado baixou a cabeça, o irmão menor já estava chorando por ele.

O menor estava banhado em lágrimas, chorava de soluçar, a irmã, olhava ora para a mãe, ora para travessa de arroz, ora para o pai furibundo, ora para o Júnior que esfregava o rosto vermelho.

Perdida, olhava para a mesa e via a comida esfriando, o relógio da parede fazia tanto tictactictac que parecia que sua cabeça iria estourar, não sabia o que fazer, estava com medo até de respirar e lentamente foi segurando a respiração, com sorte desfaleceria e não veria o fim desse drama.

O pai gritou com o menor, que parasse de chorar - já! - ou ele lhe daria motivos de sobra para chorar muito.

A mulher continuava estática com o pedido de arroz, congelado no ar. O que teria acontecido para o marido agir daquela forma? O quê? Por Deus, o que ela ou as crianças haviam feito para deixá-lo assim tão transtornado?

Ela não conseguia tirar de sua cabeça  o pedido do arroz, sentia-se idiota, como poderia sentir medo com uma cara que lhe disse:

- “Me passe o arroz?”

Os tic-tacs começaram a tornarem-se lentos, o tempo parecia estar parando, parando, parando...

Todos, com exceção do pai, queriam sair daquela mesa, queriam ir para seus quartos, pular a janela e nunca mais voltar àquela casa, mas o tempo não passava, a comida esfriava, os ânimos alteravam-se, os olhos do pai brilhavam e a noite lá foi ficando mais escura.

Nesse momento entram os comerciais!





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