- Passe-me o arroz. – esse pedido
foi seguido não do arroz, mas de um silêncio que prenunciava outra discussão. A
noite prometia, as crianças olharam para o chão, o menorzinho começou a chorar,
a menina do meio, fez-lhe um sinal, discreto, com a cabeça.
- Não chora, não comece, engula o choro- pediu
baixinho - por favor. O esforço seria demais, pois ai ele começou a chorar mais alto ainda...
A mãe tremeu, sabia o que viria
seguir, e sabia que o “seguir” não seria a travessa de arroz. O filho mais
velho fez menção de levantar-se e pegar a travessa, mas o pai o interrompeu
olhando duro, tanto que o caçula desandou a chorar ainda mais.
A mãe desistindo do jantar
levantou-se para tirar o filho pequeno da mesa.
- Deixe ele ai, ainda não
acabei de comer! – rosnou duramente o pai mastigando uma coxa de peru. A menina
do meio tentou servir a mãe, mas o irmão mais velho, o Júnior, orgulho do pai e
da escola militar disse-lhe que não, lhe explicando.
- Isso é briga de cachorro
grande – disse, encarando raivosamente o pai.
O pai esbofeteou-lhe a cara. Na
mesa dele, na casa dele, debaixo do teto dele, ninguém falaria desse jeito com
ele, se ele quisesse falar como um vagabundo que fosse para a rua, lá era lugar
de proferir essas palavras, não a casa dele. O filho envergonhado baixou a
cabeça, o irmão menor já estava chorando por ele.
O menor estava banhado em
lágrimas, chorava de soluçar, a irmã, olhava ora para a mãe, ora para travessa
de arroz, ora para o pai furibundo, ora para o Júnior que esfregava o rosto
vermelho.
Perdida, olhava para a mesa e
via a comida esfriando, o relógio da parede fazia tanto tictactictac que
parecia que sua cabeça iria estourar, não sabia o que fazer, estava com medo
até de respirar e lentamente foi segurando a respiração, com sorte desfaleceria
e não veria o fim desse drama.
O pai gritou com o menor, que
parasse de chorar - já! - ou ele lhe daria motivos de sobra para chorar muito.
A mulher continuava estática
com o pedido de arroz, congelado no ar. O que teria acontecido para o marido
agir daquela forma? O quê? Por Deus, o que ela ou as crianças haviam feito para
deixá-lo assim tão transtornado?
Ela não conseguia tirar de sua
cabeça o pedido do arroz, sentia-se
idiota, como poderia sentir medo com uma cara que lhe disse:
- “Me passe o arroz?”
Os tic-tacs começaram a tornarem-se
lentos, o tempo parecia estar parando, parando, parando...
Todos, com exceção do pai,
queriam sair daquela mesa, queriam ir para seus quartos, pular a janela e nunca
mais voltar àquela casa, mas o tempo não passava, a comida esfriava, os ânimos
alteravam-se, os olhos do pai brilhavam e a noite lá foi ficando mais escura.
Nesse momento entram os
comerciais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário