- “Acho que esse negócio não vai dar certo, esse povo aqui não tem
sensibilidade (na verdade quis inteligência, mas achei melhor usar outra
palavra, assim, mais suave...) e perfil para isso.” - falei, mas ai já era
tarde demais, como vocês perceberão. Antes de qualquer coisa, mais uma caneca
de saquê. Sigamos com essa triste desdita:
1.
O
Severiano – Biu - para os íntimos demorou muito tempo para entender qual o
papel dele naquele drama. Aquela roupa, penteado, tamancas de madeiras, aquele
chapéu de bambu que mais parecia um funil era demais para aquele pobre e
minúsculo cérebro desidratado e anêmico. Vivia reclamando pelos cantos,
demonstrando seu descontentamento, tantos às meninas, ao patrão e pior, aos
fregueses... Não poderia dar certo mesmo... Toda hora ruminando: - O que mãinha
vai pensar se me vir assim? Cadê meu facão? Homem macho de verdade não se
submete a essa vergonha... – Resumindo, demorou até que demais para isso tudo
dar errado.
2.
As
meninas então. As quatro que o patrão convenceu a entrar nessa empreitada... Suzaninha,
a Yuriko; das Dores, a Yushiko; Tiana (Sebastiana) a Tashiko e a Mariinha, a
mais nova, chamada de Flor de Lótus, não tinham o menor perfil para a empresa.
Elas nem sabiam o que estavam fazendo lá. Foi um inferno do começo ao fim. Será
que era assim tão difícil assim entender a diferença entre servir chá e
prostituição?
3.
A casa. Balancei a cabeça até quase cair do
meu pescoço quando a vi. Não sabia qual pergunta gritar primeiro. Onde o patrão
arrumou uma casa de bambu e paredes de papel ou quem foi o louco que construiu aquela
obscenidade para ele? Detesto a miséria, não porque ela nos priva de muitas
coisas, mas porque ela nos submete a muitas outras coisas piores... Via aquele
sobradão, bandeirinhas na entrada, portas de correr – que tinha certeza seriam
chutadas para frente quando entrasse o primeiro freguês. E aquelas paredes
feitas de papel de seda com motivos orientais, aquelas borboletas, Monte Fuji, japonesas
de sombrinhas... Tudo ali cheirava a erro e prejuízo... Consolava-me repetindo
o mantra (aprendi isso com um velho careca vestido com uns panos cor de laranja
que o patrão trouxe para conhecer a casa): “Isso
não problema meu, esse não é meu dinheiro, meu salário está depositado no
banco.” Aquilo tinha tudo para dar errado, mas por que só eu percebia isso?
4.
Vistoriando
a dispensa chamei a atenção do patrão para o detalhe das bebidas: - Saquê e
chás? Explicou-me o douto empresário que ele formaria uma comunidade, educaria
uma geração, prepararia aqueles miseráveis para o mundo! – Arrogância! – sibilei.
Nenhuma cachaça patrão? Nada de carne de sol? Neca de farinha? Sem sanfoneiro?
5. Música! Toshinori-San! Nosso
tocador de berimbau de arco ou coisa parecida com isso! Fracasso esperado e
cumprido. Onde que, na nossa cidade, alguém ia sair de casa à noite, depois de
um trabalho nesse calor dos infernos para ouvir um sujeito tocando berimbau e
ainda por cima com arco, um óin-óin-óin de furar os ouvidos de qualquer
cristão! Não ia dar certo, não ia dar certo, mas eu repetia: “Isso não problema meu, esse não é meu
dinheiro, meu salário está depositado no banco.”.
6. Primeiro dia, quinta-feira: As
pessoas passavam de outro lado da calçada com medo de serem visto diante
daquela casa esquisita, tinham medo que com um vento noroeste mais forte ela
viesse abaixo. Segundo dia, a mesma coisa. O cheiro do prejuízo começava a
atrair moscas.
7. Sábado. O grande dia.
Toshinori-San no cantinho dele tocando aquele instrumento amaldiçoado dos
infernos espantava as moscas, Yuriko, Yushiko, Tashiko e Flor de Lótus, todas
vestidas de quimonos com motivos florais, sentadas no chão de tatame em volta
de uma mesinha esperavam pelos fregueses.
8. Severiano, travestido de Samurai,
kataná à cintura, cajal reforçando seus falsos traços asiáticos e com cara de
bravo (motivado pela briga na hora de maquiar os olhos; - Se mãinha passa aqui
e me vê maquiado feito quenga?) não ajudava muito a atrair fregueses... Aquele cheiro me perseguia. Reclamando ao
patrão sobre isso, tudo o que ele fez foi mandar queimar uns incensos...
9. Por fim, às 23h00min horas (precisei
chamar as “gueixas que já haviam se recolhido com os quimonos, pois não havia
modo de colocar naquelas cabecinhas que quimono não é roupa de dormir) entraram
uns estudantes de Direito. – O cheiro de prejuízo nesse momento tornou-se
insuportável, mas: -“Isso não problema
meu, esse não é meu dinheiro, meu salário está depositado no banco.”
10.
Os estudantes sentaram-se à volta da mesinha de laca
preta com motivos iguais às cortinhas e dá-lhes Monte Fuji coberto de neve (um
estranho conceitos pra essas bandas que nem inverno tem), borboletas e as
japonesas com sombrinhas (segundo estranho conceito, pois aqui não chove e
nunca passou pela cabeça de ninguém por aqui se proteger do sol), pediram
cerveja; - Cerveja não servimos senhores, respondeu Yuriko sorrindo um sorriso
de dentes amarelos e tortos causando a segunda má impressão.
11.
- Uísque! Pediu o segundo. – Uísque também não
servimos senhor, respondeu Yushiko solícita e medrosa – não sorrindo para evitar
piorar ainda mais situação (o pivô do canino estava perdido desde ontem).
12.
Toshinori-San entusiasmando-se com a presença de
fregueses – alguém haveria de reconhecer seu fabuloso talento, segundo ele –
furiosamente começa a executar uma peça clássica do Japão Feudal, e o
óin-óin-óin come solto!
13.
Positivamente a música não acrescentou nada de
positivo ao ambiente. Por via das dúvidas pedia a Severiano, o Samurai da
tabuleta na porta, que vigiasse os fregueses enquanto ia lá escritório buscar
mais incensos.
14.
Nos fundos, lá no escritório comecei a ouvir uns
risinhos, sorri junto e comecei a abanar o cheiro de prejuízo das minhas
narinas, abri a gaveta da escrivaninha para guardar de volta as varetas de
incensos e retornei lá prá frente...
15.
Esse é o momento que tudo fica confuso, nebuloso,
turvo, pois onde eu deveria ouvir risos e selvagens óin-óin-óin-óins reinou por
longos e intermináveis segundos o mais profundo e negro dos silêncios. Mal tive
de recorrer aos incensos, fui apanhado pelo cheiro do prejuízo e tudo começou a
se acabar.
16.
Yuriko, Yushiko, Tashiko e Flor de Lótus corriam
descalças em direção à rua aos gritos, os cabelos soltos (que trabalho tivemos
para alisar aqueles fios crespos e rebeldes), os estudantes de direito atrás
delas e de facão na mão, esquecido de sua kataná de bambu, Severino com os olhos
manchado de cajal. As paredes de papel de seda destruídas estavam espalhadas
pelo tatame, pedaços de borboletas, de japonesas com sombrinha, restos do Monte
Fuji por aqui e por ali...
Dizem que encontraram Severiano
andando pelas ruas murmurando palavras que ninguém entendia e segurando uns
pauzinhos que soltavam fumaça...
Os mandacarus floresciam, talvez
chovesse, enfim...
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