Acabo de voltar da rua, encharcado até os ossos.
Mas não quero reclamar da chuva, nem da falta dela onde mais se precisa
que aqui. Para isso temos os noticiários que não nos deixam esquecer. Na rua,
lembrava-me de uma conversa que tive pela manhã.
Uma amiga reclama do fim de seu casamento e de não conseguir colocar o
ex-amor para fora de casa, antigo ninho de amor, promessas e agora sonhos
desfeitos e cuecas sujas.
Segundo ela, há vários dias deu ao companheiro o aviso-prévio, o caia
fora, rua.
Mas ele faz-se de desentendido e continua assombrando as paredes do lar.
Dizia-me ela, que já não mais se falavam, faziam as refeições em horas
diferentes, dormiam em quartos separados.
Todos os dias ao sair para o trabalho recomendava (creio que esse recomendava
é eufemismo) que ele não estivesse mais em casa à hora que ela voltasse, mas, ó
desilusão!, ao chegar encontrava o mancebo largado no sofá assistindo futebol televisão,
gritando a cada gol de seu time, esperando ainda que ela lhe fizesse o jantar ou
pipoca. Se isso remete o leitor a um samba antigo é pura coincidência.[i]
Ri de sua situação. Diga-me o leitor o que se pode fazer numa
circunstância dessas?
Pediu-me conselhos. A mim, logo a mim!
Ri uma segunda vez e perguntei-lhe se falava sério? O que poderia eu
dizer-lhe, como eu poderia ajudar-lhe. Esse é caso em que terceiros não ajudam
em nada e podem (e) conseguem somente atrapalhar.
Indaguei se não seria uma fase, pois o casamento como a lua tem lá suas
fases. Como a maré (coisa de quem mora no litoral) tem lá seus altos e
baixos...
Resumindo, fui tirando meu time de campo colocando panos quentes, saindo
pela tangente.
A conversa prometia ir longe, com detalhes e mais detalhes, não ninguém
pela minha sala, nem um estagiário com papeis para arquivar, ninguém vendendo
uma rifa de qualquer coisa, não tocava o alerde de incêndio para assim eu poder
sumir dali. A palavra como flecha, depois de disparada não tem volta (eis aqui
uma pérola de profunda sabedoria!), assim sendo tentei fazer a velha amiga não
abrir tanto assim seu coraçãozinho.
Debalde.
As horas tantas, sim horas “e” tantas (mesmo) ela visivelmente
desesperada (aqui não nos cabe julgar se seria caso para tanto desespero) me
pergunta:
- Você que conhece tanta gente em tantos lugares, não conheceria algum
jagunço que desse uma lição, ou mesmo leve susto nele?
Veja leitor, eu conhecendo um jagunço, eu?
Não foi possível outra vez segurar o riso.
Senti uma mágoa profunda nela, pois, agora sim, era visível sua
desesperança.
Tentei desviar a prosa para outro tema menos denso.
- Olhando pela janela vejo que vai chover logo. E comentei displicente:
- Acho eu vai chover...
Pausa.
Pensei com meus botões, ela deveria estar constrangida com seu desabafo,
envergonhada da sugestão de dar um fim definitivo no futuro ex-companheiro,
talvez já se imaginando nos jornais da noite, horário nobre na TV. Cadáver
retalhado encontrado num terreno baldio, ou pedaços de um homem e encontrado
espalhados numa praia, sei lá o que se passa na cabeça de uma desesperada...
Nunca coisa boa!
A cara estampada na capa de uma revista sensacionalista!
A cena desenvolvia-se em minha cabeça...
Esperei mais algum tempo e seu silêncio continuou ate minha hora de
almoço. Sem mais nenhuma palavra, desliguei o computador e saí, deixei-a a contar
os urubus que voam, talvez adivinhando o uma futura carcaça, sei lá...
Na rua pensava ainda na sua pergunta sobre eu conhecer um jagunço, e
lembrei que há uns trinta anos, quando jovem e fazendo teatro amador, sai uma
noite - sim aqueles casos com o Vadinho como sempre - a procura de sanfoneiro
para uma peça que montávamos à época...
Ora bolas, eu lá tenho cara de quem conhece sanfoneiros e jagunços?
Poderia ter me aprofundado mais no assunto, não fosse a água fria de a chuva me
trazer de volta à realidade.
[1] Golpe Errado
Geraldo Pereira
Lá vem ele com seu terno branco engomado/trazendo outra morena a seu lado/E a nega dele na casa da branca se acabando /E ainda leva o jantar embrulhado/É... um golpe errado/todo mundo diz que é../um golpe errado/Na hora que ele sai /pra batucada/é a hora que ela chega do trabalho/e tem de fazer de madrugada/um bife malpassado prá ele /Não ficar contrariado./É...um golpe errado
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