As ruas estão sujas, alias, são sujas sempre.
O calor ainda faz com que o vento levante a areia que entra nas casas, entra nos olhos das gentes que moram naquele bairro.
Pelas ruas, nas esquinas, meninas, jovens ainda distribuem”santinhos” de candidatos. Estão agitadas, comentam que um deles vem fazer uma visita no bairro hoje. A comunidade está quase em júbilo.
- O candidato vem aqui, o candidato vem aqui. O padre da velha igreja exulta e convence a paróquia a varrer a rua, limpar algumas calçadas. Coloca as mais prendadas na cozinha para começarem a preparar o banquete, e os jovens colocam bandeirinhas nos postes.
- O candidato vem aqui, o candidato vem aqui... Até o fim do dia o bairro está “apresentável”. O líder da comunidade exorta as pessoas a comportarem-se bem, causar boa impressão. Manda que as mães dêem banhos nos filhos, prendam seus cachorros. O bebuns incorrigíveis são encerrados em casa.
-Temos que causar boa impressão, senão nenhum outro candidato aparecerá aqui – grita do alto do palanque o líder comunitário.
- O candidato vem aqui, o candidato vem aqui... A noite torna-se um martírio, ninguém consegue conciliar o sono, viram de um lado para o outro na cama.
Enfim amanhece, o dia claro promete bons auspícios. As ruas, milagrosamente, continuam limpas, sem cachorros correndo, latindo ou derrubando latas atrás de comida. Os bares, vazios, não fazem arruaça, não há brigas, nem músicas barulhentas.
Lá de longe, uma voz grita:
- O candidato está chegando, o candidato está chegando, o candidato está chegando!
Começam a soltar fogos, o padre arrebatado começa aos gritos de - o candidato chegou, o candidato chegou! – soltar os pombos que cria no campanário da igreja. As crianças do coral, em coro (é claro) gritam afinadas: - o candidato chegou, o candidato chegou!
E em carro aberto, acenando e soltando beijos para o público quase histérico, o candidato vestido de branco, sorri. Sente-se eleito pela comunidade. Estava feito!
Olha com desprezo, sente um misto de nojo, náusea, uma repulsa como nunca antes sentira em toda a sua parasitária vida de político popularesco.
Desceu do carro sob os apupos da comunidade, beijou criancinhas, apertou mãos, osculou a mão enrugada e encarquilhada do velho cura.O sino rachado da igreja tocou uma, duas, três vezes... Então tudo se tornou um borrão.
O candidato foi levado pela onda humana, entre "vivas" e "salve o candidato". O padre, espumando, gritava ordens às cozinheiras:
- O candidato está chegando, o candidato está chegando!
As portas da igreja foram abertas de par em par, e o populacho entrou cantando e dançando tendo em seus braços o candidato, os cabos-eleitorais e seus distribuidores de santinhos.
Todos sorriam de júbilo!
- Estou eleito! Ria baixinho o candidato enquanto levantava os braços fazendo o sinal da vitória.
Em poucos segundos o candidato, os cabos-eleitorais e seus distribuidores de santinhos foram esquartejados, tendo os membros e órgãos separados por tamanho, quantidade de carne, cumprimento dos ossos e foram preparados e temperados pelas cozinheiras da igreja.
A noite foi de festa, todos foram dormir de barriga cheia, satisfeitos com o candidato e esperando os outros de outros partidos que viriam visitá-los ao longo da campanha eleitoral. Numa das casas mais humildes, uma criança pergunta à mãe:
- Mamãe, por que não podemos comer candidatos todos os dias?
- Por que, meu filho, esse país não presta nem para ter bons candidatos!
A noite desce sobre comunidade, a brisa balança as bandeirinhas, os cachorros agora tem o que procurar nas latas de lixo e os bêbados podem voltar a beber em paz nos bares.
2 comentários:
Matar virtualmente não vale!
Embora candidato mereça.
Beijos
Mirze
não existiria fome se candidatos assim fossem comidos.. E a Eno iria lucrar muito!
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