Tarde da noite no alto dum edifício no centro da cidade um casal acocorado no parapeito conversa.
- Como o céu fica mais bonito visto daqui.
- É sim...
- Só isso?
- O que mais você quer que eu diga?
- Me dá um cigarro.
Ele acende o cigarro, dá uma tragada, solta fumaça e por segundos consegue apagar as estrelas.
- Por que você me chamou aqui? – Pergunta a companheira.
- Para ver as estrelas, aqui ainda é o melhor lugar. Compare o brilho azul delas com as luzes da cidade lá embaixo, as vermelhas dos anúncios, amarelas e verdes das lojas, das farmácias. O verde-amarelo-vermelho do gado que pasta nas ruas. Dos postes...
- Muito sentimental hoje... Meditabundo ou metafísico?
- Não. Nem uma coisa nem outra. É que olhar para o céu à noite me deixa assim..., querendo entender o que nos acontece, o que nos faz ser como somos... O céu...
- Céu, luzes, noites e dias, é tudo igual prá mim...
- Não sei como ainda ando com você, não sei mesmo. Nem parece que somos iguais...
- O que está te acontecendo? Na fase da crise de identidade? Quem é? De onde veio? Para onde vai? Tendo o quê e onde comer, não me interesso por mais nada nessa vida! – Diz num misto de futilidade e provocação enquanto cheira o ar como que procurando por algo.
- Me dá outro cigarro! Acho que você não me compreende e não se compreende também... Nunca olha para os lados, nunca olha para o céu... Veja as estrelas, nelas estão todas as respostas!
- Espero que algum dia alguém me explique essa sua fixação por estrelas. Olhe as pessoas lá embaixo, veja se alguma delas tem essas preocupações metafísicas, veja se alguma delas perde tempo com isso. Elas seguem em frente como rebanho que são...
- Acho que você é um caso perdido, me dá logo esse maço de cigarros. Quero fumar em paz, só eu, a fumaça e as estrelas. – Dizendo isso ele empurra a companheira do peitoril do 18º andar do prédio onde conversavam.
- Droga, esqueci do isqueiro! – pula logo atrás e abrindo suas asas fala ao chegar perto da companheira que plana no ar:
- Me dá isqueiro, depois te encontro em casa.
Batendo suas asas de couro cada um segue o seu caminho, pois a noite ainda é uma criança e a fome ainda precisa ser mitigada.
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