Ok. Dois calmantes, uma dose de uísque, uma caipirinha de vodka, suco de maracujá no cantil, cortesia de Dona Madalena, a esposa. E o espírito já estava preparado para sair e pescar.
Calmo, tranqüilo, sereno, respirando pausadamente.
A vara, os anzóis, as chumbadas, linhas, iscas, samburá – por pura pretensão – a faca, o alicate, para tirar o anzol da boca do peixe ou do dedo, ou o que for fisgado primeiro.
A calma, o importante era manter a calma conseguida, a fleuma britânico-etílica, não pensar em nada, nada que causasse qualquer preocupação, nada, nada que o inquietasse. Ele ia p-e-s-c-a-r hoje.
- “Dia de pesca” – avisou-lhe a mulher.
Ele não queria ir pescar, Vadinho já gostara muito de pescar, quantas vezes ele esqueceu o cinema com a mulher?, ele não esqueceu de ver o filho na maternidade por causa da pescaria?, quase esqueceu do próprio casamento por causa disso?
Mas hoje, hoje Vadinho preferiria até ir à missa a ter que pescar. Ele ainda quis ir à casa da sogra almoçar, mas a mulher, firme, insistia que hoje era dia de pescar e que ele não arrumasse desculpas.
Vadinho saiu à rua cabisbaixo.
- O anti-depressivo já perdeu o efeito! E arrastando os pés foi em direção à praia.
- A mulher mandou pescar Tião? – riam-se os vizinhos.
- Não esqueça do protetor solar na calva! – gritou outro.
- Miseráveis. – resmungava, triste e deprimido. O anti-depressivo já mostrava-se sem efeito.
Poucos minutos depois ele chegava à praia. Andou pela areia, molhando os pés na água gelada e salgada. Olhando para o horizonte, aquele céu claro e límpido o desanimava ainda mais de pescar. Com esse tempo bom não tenho desculpas. –Lamuriou-se. Logo chegou às pedras e começou a preparar as linhas e anzóis.
Olhou ainda para o nada por muito tempo, esperando que algo dramático acontecesse e o impedisse de começar a pescar...
- Herman, mande-me uma Baleia Branca! – murmurou em forma de prece. Mas o Herman nada lhe enviou!
Alguns banhistas, de longe o observavam intrigados.
- Um, dois, três! – Num forte arremesso a chumbada levou o anzol e a isca para longe dentro d’água.
Vadinho nem esperou a linha molhar e começou a recolhe-la, não queria correr o risco de fisgar algum peixe. Afinal ele estava ali para se d-i-s-t-r-a-i-r, como lhe ordenara o médico e insistira a esposa. Ninguém dissera nada que ele deveria levar peixes para casa, ninguém.
- Distrair, distrair, distrair, distrair – enquanto recolhe a linha Vadinho repete o mantra – distrair e não pegar peixe, distrair e não pegar peixe, distrair e não pegar peixe...
Jogou a linha outra vez, e como antes, puxou-a de volta, e cada vez mais rápido repetia esse movimento, que de longe, onde estavam os banhistas, Vadinho mais parecia estar querendo abater as gaivotas do que capturar um peixe.
- Eu não queria vir pescar, eu não queria vir pescar hoje, eu não quero pescar nunca mais, nunca mais – e agitando a vara, a linha dispara em direção ao mar. – Não, não, não – desesperado Vadinho quase quebrando a carretilha puxa a linha de volta e por fim acaba por embaraçar tudo. Nervoso, joga a linha, anzóis, iscas, chumbadas e vara na água. Senta-se emburrado na pedra, agora quente.
Passado alguns minutos, recuperado da pequena crise de nervos, Vadinho decide ir embora, ia chegar em casa fingindo-se calmo, mentiria dizendo que pescou muito mas acabou deixando os peixes no bar, onde aproveitou para beber com os amigos. Claro que a mulher acreditaria nele, afinal qual mulher não acusa o marido de ficar bebendo em bar?
Decidido, começou a limpar a areia colada nas pernas, na bermuda e nos pés. Deveria ter pensado nessa mentira há mais tempo, e assim nunca mais teria que ser obrigado a pescar.
Afinal pescador profissional aposentado, a última coisa que ele queria nessa vida era “relaxar” pescando...
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