2010/09/01

OU BONDE OU


Talvez fosse domingo, ou sexta à tarde de azul turquesa, ou de bolinhas quadradas e furta-cores, mas a sensação era de um alívio opressivo sabor jiló com amêndoas.

Mas tudo mudou com uma simples pergunta:

- Batatas à parte?

Nesse momento, nesse exato e inesquecível momento, o bonde passou e...

- Sim batatas à parte – respondi deixando de reparar no bonde que passava. O que poderia ter mudado em minha vida? Não sei e afirmo:

- Nunca saberei, pois ele passou, e com ele todas as previsões de minha quiromante!

Servi-me das batatas à parte, tão à parte que não reparei no prato principal, fosse o que fosse hoje acordei vegetariano, e saborearei as carnes mais famintamente à noite, ao som tambores - comprei uns discos novos em Paris semana passada – e conto com indulgência de meus vizinhos, um há de reclamar, e contando com isso já deixei a lenha para a fogueira preparada nos fundos da casa. Espetos novos com cabos de marfim!

Vi numa folhinha: “lua nova” - espero que seja uma edição antiga, mês errado e noite de lua cheia.

Esvazio a taça de vinho tinto – surpreendi-me, pois havia pedido água tonica, mas a partir de agora, sou um alcoólatra desde de pequenininho. Tonto segui rua acima, queria admirar a paisagem de hoje, pois ontem a vista era horrível.

Não me enganei.

Desde que sai do restaurante recriminei-me sobre essa idéia de subir a rua, pois a paisagem de ontem, comparada a de hoje, não havia melhorado coisa nenhuma. Nada se via de novo, as obras ainda estavam a começar, se é que algum dia os vereadores iriam aprovar alguma obra para aquela paisagem... Me irritava ver aquele horizonte sem sentido, vazio, cheio de um céu ora azul,ora cinza, ora chuvoso, ora ventoso, ora isso,ora aquilo... Ah! Como me irrita a inconstância desse cenário!

Abri o jornal que trazia no bolso da calça, escolhi uma notícia para me aborrecer, foi fácil achar uma. Li a gazeta com os dentes cerrados e os punhos fechados, deixando bem claro meu descontentamento caso alguém me visse lendo. Após alguns segundos de sério agastamento desci a rua mais aliviado, sentia-me, agora sim, um homem sério,circunspecto e poderia entabular conversa com o barbeiro, caso resolvesse ir a algum salão.

Ajeite meu chapéu, o cravo na lapela, sentia sede, mas à lembrança do vinho tinto, resolvi esperar mais um pouco, afinal ninguém deveria tomar conhecimento de meu vício em álcool recém adquirido.

Mas aquela sensação de não saber se era domingo ou sexta-feira à tarde estava me...

- Olhe o bonde! Murmurei para mim mesmo - eu poderia ter gritado - mas resolvi ser discreto, essas pessoas nas ruas, sei não!

O bonde passou outra vez e com ele levou minhas preocupações com o fantasma de Elisa...

2 comentários:

Folhetim Cultural disse...

Hoje infelismente o que temos para beber não são vinhos bons... Para comer carne podre que eu tenho que engolir, sem vomitar.
Bonde? não. São trens sujos e lotados.
Já tive simpatia por uma Elisa coincidência.
É bom ler cotidiano das pessoas, hoje parece que está fora de moda é mais fácil falar de orgia e bunda! E não do dia a dia... Queria os anos 80 para viver.

Silvio Barreto de Almeida Castro disse...

Preciso de um barbeiro, o xampu já não tira toda a caspa. Antes, porém, há um Cabernet Sauvignon chileno para o almoço, espero não precisar ajudar a banhar minha mãe, nem presenciar o espancamento habitual da babá por ela. O barbeiro esperará mais um dia, provavelmente. Talvez o infarto venha antes do dia da minha visita.