36° anuncia o termômetro da rua!
Por via das dúvidas, desde antes de ontem, escondi
as lâminas de barbear. Há anos tenho grades na janela, não dá para saltar no
espaço entre o telhado de casa e o chão lá embaixo, não nasci para o verão,
tenho tremores quando se anuncia a primavera...
O pedreiro chegou na hora, errada – para mim. Queria
que ele não viesse hoje, obras, grande ou pequenas, me estressam, reformas me
enlouquecem.
Tenho um texto para terminar de escrever. Dois
cachorros a passear na rua...
Ele entra, suja meu tapete, e me avisa:
- É melhor o senhor recolher os tapetes e cortinas,
hoje o serviço vai ser punk.
Respiro fundo.
Desde ontem estou com prisão de ventre, constipação
proveniente dessa obra em casa...
Sinto-me
estufado feito um baiacu, e de mau humor. Já tomei iogurte grego, agua morna
pela manhã, mamão, duas colheres de sopa de azeite extra virgem, óleo mineral.
Estou lubrificado e entupido ao mesmo tempo.
Sento-me à mesa.
Encaro o notebook, ergo minhas mãos como se fosse eu
grande maestro a reger a Sinfonia 1812 de Tchaikovsky. Quando meus dedos estão
quase pousando sobre os teclados minhas cachorras começam a latir a uivar como
hidrófobas. Salto como se tivesse molas nas pernas, corro à cozinha onde elas
estão e paralisado de horror vejo o pedreiro paramentado com o mais assustador
traje de trabalho, com máscara cobrindo-lhe o roto, luvas sujas de tinta
vermelha e uma marreta na mão direita fazendo gestos desesperados para que a
cachorras parassem de latir.
Encosto-me à parede, tento recuperar o fôlego,
gesticulo às cachorras, que não entendo minhas ordens põe-se a latir ainda mais
– minhas cachorras são raça poodle! O pedreiro tranca-se na área de serviço.
Tornando-me, outra vez senhor da situação faço parar
os latidos, peço ao pedreiro que volte ao serviço.
Olho o termômetro da rua, 38º...
Acho que a terra está mais próxima do sol que a lua
de nós...
Deliro.
Volto ao notebook e ao meu texto:
“... então no
sétimo dia, baratas em volta daquela maçã perdida no escuro da noite...”
Sou interrompido outra vez.
Agora as cachorras começam a correr em volta das
minhas pernas. Choram, fazem manhas, correm à porta e jogam-se ao chão aos
prantos. Olho me relógio de pulso. Hora do xixi delas.
Penso no termômetro.
Penso no calor.
Penso:
- Que mijem no apartamento!
Penso na mistura de urina, cimento e cal...
Pego as coleiras para leva-las à rua.
Pego meu chapéu Panamá.
Meus óculos de sol.
Passo protetor solar.
Respiro fundo e vou à área de serviço, Lili, a
poodle branca não conseguiu se segurar...
Limpo rapidamente o chão, pois sei que cada segundo
que passa aumenta o perigo.
Tento não olhar para o termômetro.
Ando pela calçada como as baratas de meu conto a ser
escrito, ando encostado nas paredes, esgueirando-me pelas sombras. Por duas ou
três vezes pisei nas patas das bichinhas. Somos três lutando por uma fresta de
sombra.
É quase meio-dia, diminuem as chances de
encontrarmos sombra.
Elas não encontram um pedaço de chão que não esteja
fervendo. Tento arranjar forças para leva-las a uma pracinha a dois quarteirões
daqui. Antes de atravessarmos a rua elas acabam por urinar em mim...
No termômetro 39°.
Resignado volto ao apartamento.
Corro ao banheiro para tomar um banho. Enquanto
esfregava-me furiosamente veio a primeira cólica.
Dobrei-me em dor.
- Essa não era uma boa
horaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaargh – hurro.
Segue-se uma segunda e mais dolorosa pontada na
barriga.
O desjejum começa a surtir efeito agora.
Escorrendo água e sabão pelo corpo, patinei em direção
ao vaso.
Quase escorregando sento-me nele...
E quando começo a evacuar...
O pedreiro dá a primeira marretada para derrubar a
parede de um quarto.
Com o susto o “fluxo” é, literalmente, cortado.
Sentado no vaso, encharcado, rescendendo a urina de
cachorro e “interrompido” em uma necessidade das mais básicas...
Uso de meus conhecimentos de zen-budismo, tantra,
enfim, rezo e faço promessas, minha situação é constrangedora e dolorosa.
Respiro fundo, aberto minha barriga com todas as
minhas forças, dou soquinhos nos joelhos, fico roxo de tanto esforço.
Quando estou quase “conseguindo”, sentindo o
relaxamento do esfíncter...
...outra marretada do pedreiro na maldita parede
interrompe meus dolorosos esforços.
- Deus! – clamo por Ele em desespero de causa.