2017/05/23

LIGEIA



Caríssimo, desculpe-me a ausência, mas essa missiva traz-lhe boas novas.

Conheci acidentalmente uma moça muita linda. Encontrei-a numa inesperada ida minha à praia. Sabe bem o bom amigo o que penso de passeios à beira-mar, sobre o sol na cabeça, a luz nos olhos como sabe, isso me remete à desgraça de Mersault, mas o Destino, sim com “D” maiúsculo sempre nos prega peças...  Sim estava a andar a esmo, pensando na falta de sentido da vida, quando – Louvado seja Deus! - a vi dentro d’água (quase ouso dizer que eu a ouvi antes de vê-la)!

Sem pensar e sem dar por mim, me vi pulando ondas, mergulhando, nadando como se tivesse feito isso toda a minha vida. Não sei por quanto tempo dei braçada e mais braçadas até que me aproximei dela – e ela cheirava a sal...

Faltam-me palavras, verbos, substantivos, adjetivos, falta-me toda uma gramática, um alfabeto para descrevê-la (dominasse eu o grego!), e por isso não o farei aqui e nem em meu último suspiro, por isso peço-lhe: SIMPLESMENTE CREIA EM MIM!

Ficamos horas a conversar boiando nas ondas, mas meus olhos, minha alma, todo meu eu afundava-se naqueles olhos verdes...

Nesse mister passou-se todo o meu dia, somente ao por do sol, despedi-me dela.

Perguntei onde ela morava, como poderia encontra-la outra vez, e ela, olhando para o horizonte sem fim, respondia com doces negativas e um sorriso que levaria qualquer outro homem à loucura. Qualquer outro homem que não esse seu amigo versado em ciências do absurdo e do oculto à vista de todos...

Arrisquei-me a inquirir seu nome, e num sorriso lindo, sua resposta:

- Ligeia.

O sol já começava a se pôr, seu reflexo na água me ofuscava, e quando cheguei perto para abraça-la, num pirueta, mergulhou e desapareceu... As gaivotas grasnavam em coro, elas riam de minha angustia, de minha dor, lembrei-me nesse instante a razão de minha antipatia pelo mar.
Caríssimo, esse tempo sumido se deve à minha insensata busca por ela. Ando de praia em praia:
 - Ora gritando:

 - Ligeia!

Ora murmurando:

 - Ligeia!

Assim passo meus dias n’água, ando mais enrugado do que deveria nessa minha provecta idade. Acho que já estou ficando com meus cabelos verdes... Meu bronzeado já está transformando minha pele em papiro, há vezes em que, chegando em casa após o dia inteiro na praia, não me reconheço em frente ao espelho.

Caríssimo, o amor na nossa idade é realmente um risco fatal!

Minha vida mudou, estou irreconhecível, sem perceber, alterei drasticamente meu modo de viver e me alimentar, duvida?

Veja a receita que lhe envio:

SALADA DE ALGAS E PEPINO

Ingredientes:


– 25 g de mistura de algas secas
– 1 pepino pequeno
– 75 ml de mirin
– 75 ml de vinagre de vinho de arroz
– 2 colheres de sopa de açúcar amarelo
– 2 colheres de sopa de sumo de limão



Faça assim:

1.                                         Ponha as algas de molho numa taça com água fria e deixe repousar 15-20 minutos para amolecerem;
2.                                         Corte o pepino ao meio no sentido do comprimento e depois às meias-luas muito finas Ponha as algas, grosseiramente picadas, e o pepino numa tigela;
3.                                         Misture o mirin com o vinagre de vinho de arroz e o açúcar num tacho pequeno e leve a lume brando até o açúcar dissolver. Retire do lume e deixe arrefecer. Junte-lhe o sumo de limão;
4.                                         Deite o molho de vinagre sobre as algas e o pepino e envolva cuidadosamente. Sirva em taças pequenas ou pratos individuais.

A princípio você deve estranhar, mas com o tempo e uma paixão avassaladora, logo se adaptará.

Caríssimo, estou um homem muito velho para tais emoções, enquanto traços essas linhas, uma voz doce canta em meus ouvidos, a dúvida me rói. Será Ligeia?, será a loucura que já me come pelas beiradas?

Aguardo resposta.

P.S. Envio-lhe essas conchinhas. Uma de cada praia a que vou.

P.S². Espero que goste da salada.

Abraços salgados.






4 comentários:

Unknown disse...

Simplesmente bárbaro, adorei Roberto...

VICIADOS EM CAFÉ disse...

Obrigado!!!

Lenir disse...

Muito interessante Roberto.
E olha como o Mar é realmente Divino, estava você "andando a esmo, pensando na falta de sentido na vida" e de repente Ligeia. Foi o mar que te trouxe um sentido para a sua vida: a busca pela Ligeia.

VICIADOS EM CAFÉ disse...

Obrigado pelo comentário Lenir.
continue seguindo ese blog!