(o autor, um deus bárbaro e cruel)
Abro as janelas
de par em par, o sol entra e ilumina a sala, um gato gordo, rajado e velho
arrasta-se até o meio do tapete e deita-se, tapete? Que tapete é esse? Gato?
Desde quando tenho um gato, ainda mais gordo e velho? Vou segurar o espirro,
vou segurar o espirro...
- Atchim! – ok,
agora sou alérgico a pelos de gatos... O negócio vai mal...
Olho em volta e
não reconheço essas paredes, vou procurar a cozinha, lá se houver uma
geladeira, e há de haver uma, vou abri-la, e antes que a luz interna acenda sei
o que vou encontra lá dentro. Gostaria sinceramente de:
1. não encontrar a cozinha, e se encontrá-la
2. não achar lá dentro uma geladeira, e se achar e a abrir:
3. não encontrar aquele pedaço de pernil de porco. Esse
maldito pernil de porco. Trinta anos e esse quarto dianteiro (mais barato segundo informações de pessoas
entendidas no assunto) de suíno me assombrando...
Não sei por que
sou o único personagem com a consciência de sê-lo, não sei por que meu criador
me detesta tanto a ponto de escrever sempre a mesma história só alterando, por
pura maldade – ou seria esquizofrenia? - os cenários.
Não há um
capítulo que não comece comigo abrindo uma janela... E nunca, nunca há uma
paisagem a ser descrita, um cenário cinematográfico de deixar o leitor sem
fôlego, nada, isso quando não chove, neva, ou como no último conto, ele fez-me
abrir – falta de conhecimento é claro – uma vigia de um navio e inundou-me a
cabine, pois uma tempestade arrebentava lá fora. Acho que esse gato deitado no
tapete morreu... Era o que me faltava, uma morte na minha história, será que
nessa casa existe um jardim?
Se sim:
1.
Por favor, que não seja secreto me fazendo perder horas
procurando por ele;
2.
Que eu não descubra outros mortos enterrados nele;
3.
Que eu não seja alérgico a nenhuma planta de lá...
Ok, ok, lá vou
procurar por um nessa casa, à frente tenho um longo corredor, espero que a casa
seja térrea. hum, quadros bonitos nas paredes - Pieter Bruegel, o Velho - então,
quero crer, devo esperar por belas estátuas no jardim, pela claridade há
espelhos também... Tenho medo de espelhos, no penúltimo conto eu era um
corcunda ruivo e caolho e carregava no ombro um macaco empalhado.
Por que ele me
expõe assim ao ridículo?
Aproximo-me do
espelho de olhos fechado, sinto vontade de passar por eles com olhos bem fechados,
mas alguma coisa dentro de mim – subtexto talvez? – me obriga a olhar,
olhar-me.
Quero seguir em
frente, minhas pernas paralisam-se, e abro os olhos e constato que sou um
personagem odiado. Esse louco - e pare
de colocar tachado no que eu penso! – me odeia, me odeia, agora sou uma gorda
tatuada e o que é isso no meu peito – e que peitos! – parece um crachá, parece
não, é um crachá, ó meu Deus, sou uma funcionária pública. Mas o que estou
fazendo numa casa desse tamanho? Tenho certeza que eu não ganho para isso...
Espere ai. Não
estou sozinho, digo, sozinha aqui, ouço passos, passos de homem – como sei que
são passos de homem? Não faço nem idéia, isso é coisa do autor desse folhetim
miserável – eles se aproximam. Qual será o meu papel nessa trama? Sei que não
deveria, mas sinto medo, calafrio, palpitações, um estremecimento, um receio,
não, uma certeza que vou me dar mal...
A voz máscula
chama por Martha, serei eu? Espero que não.
- Marta! - repete
a voz, e estremeço, espero que não seja eu. Encosto-me numa parede onde não
bate a luz do sol e espero que a tal da Marta apareça. A voz aproxima-se
chamando pela Marta, prendo a respiração. E espero que capítulo acabe antes do
sujeito aparecer.
- Acabe
capítulo, acabe, acabe..., então eu:
- Genésio! –
respondo ofegante, apaixonada, quase fora de mim.
Fim
do capítulo.
Agora que chega
esse fim do capítulo, agora? Agora o Genésio já está me arrancando as roupas...
Enquanto ele
sobe as escadas comigo no colo – juro que esperneei um pouquinho... – me
pergunto quanto tempo leva para um gato morto começar a feder...
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