Caríssimo.
Ontem, domingo fui fazer meu
passeio na praça, esticar as pernas, tomar um ar fresco, ver passarinhos, pisar
na grama verde e tomar um sol.
Não sabia que
haveria uma comemoração qualquer por lá. Essa minha vida peregrina, não me
deixar guardar datas festivas, dias nacionais, estaduais e municipais... Havia
barracas brancas espalhadas pela praça e arredores. A Matriz dava badaladas e
mais badaladas, barracas de doce e barracas de tiro ao alvo, onde, modéstia às
favas, arrebato o coração das mocinhas, gritos das criancinhas e bufadas de
despeito dos marmanjos adonzelados.
O dia estava
claro de romper retinas.
Postei-me à
sombra de uma árvore e pus-me atentamente a ver a montagem dos fogos de artifícios
feitos por uns ciganos de chapéus de abas larguíssimas, vastos bigodes e
grandes adagas na cintura. Há muito tempo não vislumbrava essa gente. Por um
átimo senti um misto de medo e louca apreensão, que logo passou. Afinal não sou
homem de medo, loucuras ou apreensões. Procurei em meu bolso um cigarro.
Soltando
fumaça pelas ventas voltei a caminhar. Chateava-me a ideia de esperar até a
noite para ver os fogos...
Fui a um bar,
tomei um café, comprei uma caixa de fósforos e um maço de cigarros. Ainda no
balcão ouvi que os fogos seriam disparados ao meio-dia, pouco faltava para
isso. Paguei e fui-me à rua.
De volta na
praça lá estavam os ciganos reunidos. Não se ouvia uma palavra proferida por
eles. Falavam-se por olhares, grunhidos e posição das mãos nas adagas. Tipos
raros e perigosos, pensei.
Meio-dia em
ponto.
Os ciganos
estendendo as mãos deixavam claro que era para as pessoas se afastarem, e indo
em direção a elas com olhares furiosos, elas iam andando para trás.
Formado um
círculo os ciganos dirigiram-se ao pequeno palco para começarem a queima. Caro
amigo nunca em minha longa e cansativa vida já me deparei com tamanha
maravilha. Nem o mar verde me espantou como esses nômades romani.
O mais velho
deles, de calças largas, botas longas que lhe chegavam aos joelhos, olhos
negros e fundos, feito duas cavernas, olhos para o público, puxou do bolso um
isqueiro e sem mais delongas, sem qualquer outro ato dramático, acendeu o pavio
dos morteiros e saiu correndo...
Lembre-se, o
dia estava claro, sol a pino e era meio-dia quando o primeiro morteiro subiu aos
céus como um foguete e, que espanto!, que maravilha!, coisa extraordinária!, em
vez do bummmmmm a que estamos acostumados a ouvir, temer, tapar os ouvidos,
o que ele fez foi – como escrever isso? – foi puxar todo o barulho da praça,
puxar todas as vozes, todo o alarido para dentro de si e deixar por segundos –
longos e que ecoavam dentro de nossas cabeças – um silêncio assustador. E não
foi só a falta do barulho da explosão que nos deixou pasmo – veja bem não
minto, nem exagero – foi que em vez do clarão, o rojão abria escuridão no céu.
Escuridão que nos permitia ver a noite, as estrelas, os planetas. Houve até os
que sentiram frio por alguns segundos. O sol sumia dando lugar a uma noite fora
de hora, rojões que provocavam eclipses!
Após isso a
praça esvaziou-se, as pessoas foram embora para suas casas, calados, ouvia-se o
som de passos, quase se ouvia a grama crescer. A festa que deveria ir até a
noite finou-se por ai mesmo. Acho que esses ciganos não voltam mais por aqui
com esses fogos.
Fui para casa
pensando nisso. Quando cheguei abri minha garrafa de absinto e pus-me a matutar
sobre o mundo esse mundo...
P.S. Ouvi
naquele bar um sujeito comentando sobre uma anta de trezentos quilos com enormes
dentes de javali, um belíssimo horror da natureza. Imagino que o bom amigo
gostaria de tê-la empalhada em sua sala...
Abraços desse
escravo das maravilhas!
Um comentário:
Por certo que estes ciganos eram familiares de Melquíades, se é que o próprio não estava entre eles.
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