Bom dia
caríssimo seria muito otimismo achar que essa carta chegou pela manhã em sua
casa? Está a lê-a à mesa enquanto sorves uma xícara do divino líquido (cada um
com seu divino líquido, o seu preto e o meu verde...)?
Brilha o
astro-rei?
Sem nuvens no
céu?
Cantam os
canários e sabiás? Estão por ai estão os meus sanhaços?
Andorinhas voam
loucas e desvairadas à volta de sua casa?
Quero crer que
sim!
Resolvi, só por
hoje, exercitar meu otimismo.
Juro que queria
chegar ao fim do dia assim (por via das dúvidas – sou antes de tudo-um homem
prevenido – tenho uma garrafa do verde & divino líquido!), mas o Destino
(sim, escrito em caixa alta-mesmo) quis outra coisa.
Acordei com o
toc-toc pedras sendo atiradas na janela de meu quarto – sim bom amigo, ainda
não me mudei dessa pensão que é um ímã para coisas ruins – desci à rua para ver
quem era e encontrei somente um envelope pardo com umas folhas dentro.
Levei-as de
pronto ao meu quarto para ler enquanto tomava meu break-fest. Não sei o que
pensar. Será o texto um conto policial, uma carta-desabafo, um aviso, ameaça de
morte?
Caríssimo,
conto com vosso bom julgamento para melhor entender essa confusão em que me
meti.
Antes tivesse
seguido em frente com a caçada.
Encaminho-lhe
uma cópia, no bilhete preso por um clipe somente um pedido de desculpas por
envolver-me nessa suja mesquinharia familiar e pedia-me que apos ler tudo
poderia queimar os papeis ou, se achar que tinha futuro como cronista, que lhe
deixasse o pacote na porta da igreja no próximo domingo, após a missa das oito.
Veja o risco!
Ter que ir a
uma igreja outra vez... Temos que os anjos não me sejam mais simpáticos como já
foram um dia. Tenho pavor daquelas gárgulas que vomitam água quando chove...
Juro que elas tentam cuspir em mim, juro-lhe!
Bem, segue o
texto.
Escreva-me a
respeito, quero sua opinião. Queimo ou devolvo? Aviso a polícia? Devo
envolver-me mais indo nessa esparrela?
Aguardo:
UM CRIME
Hoje sei e
afirmo – sem provas infelizmente – mas sei que houve um crime. Um crime dos
mais hediondos.
Motivo?
O de sempre,
dinheiro.
Matar os
pais por dinheiro, por uma herança...
O caso
passou despercebido, até hoje ninguém se deu conta dele, eu mesmo levei anos
para perceber.
Não fosse
meu eterno mau-humor, de viver sendo um eterno macambúzio, sem falar com quase
ninguém, perdido e afundado em elucubrações, esse crime teria sido o crime
perfeito. Mas crime perfeito não existe. Ele pode nunca ser descoberto, pode
nunca ser feito justiça, mas perfeito? Não, não há e farei de tudo para provar!
Morro
tentando (ou serei morto por aqueles canalhas!), se for esse o preço da
Justiça! Afinal, graças a eles, nada tenho a perder.
Sou
perigoso. Eu penso, eu vejo, observo, eu reconheço os padrões, eu sinto o fedor
do mau-caratismo. Eu olho, digo, olhava nos olhos deles, eu via a alma imunda e
negra de cada um dele, filhos de Lilith!
Malditos
corruptores!
Viverão a
eternidade no quaro círculo do inferno! Por esses miseráveis abro mão de minha
fé na Apocatástase!
Vampiros!
Miseráveis,
corromperam até a minha fé...
Como devo
entender isso?
P.S. Enquanto
relia a carta abri a garrafa e estou perto de achar que isso é muito mais que
um conto. Atente que não há um fim, mas sim uma parada brusca...
Preocupo-me se
haverá uma continuação. Se não houver, será porque a dita família o matou? O
corromperam afinal todos tem seu preço?
P.S. Estou
começando a pegar certa antipatia por reticência!
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