O ASSASSINO
Abro os olhos e percebo que acordei. Pego o celular do lado
da cama e vejo que são sete e quinze da manhã. Estico o corpo preguiçoso e dou
um grande bocejo, mas não quero levantar. Debaixo da coberta, o calor sustenta
minha preguiça. Viro de lado e decido ficar mais dez minutos deitado.
Abro os
olhos e percebo que acordei. Pego o celular do lado da cama e vejo que são onze
e meia da manhã. Dou um salto e caio com os pés no chinelo, mas não há como
remediar o atraso. Corro até o banheiro, lavo o rosto, volto ao quarto e coloco
a calça, coloco o relógio no pulso e a mochila nas costas. Abro a porta e pulo
no tênis que deixei no capacho na noite anterior, abro o portão e vem a
cegueira da luz do dia. O sol já tava lá a minha espera. Detestei aquele dia
claro e quente. A camisa com que dormi, ainda quente em mim, ardia ainda mais
agora. A noite fria engana os desavisados como eu, mas o atraso me impedia de
voltar e trocar de roupa.
No
ponto de ônibus procuro uma sombra. O cachorro de rua late na esquina, talvez
com fome ou com raiva do calor. Depois vem o ônibus e vou em pé até o trabalho.
Viagem desconfortável. Chego cansado, e sem desculpa pra enganar o chefe, conto
a verdade. Ele ri de mim. Vai trabalhar, diz. Ele vira as costas e segue rindo
até sua mesa. Olho no relógio, são meio dia e quarenta e não terei almoço, nem
tive café.
Fui
correndo pra minha sala, liguei o computador, peguei os óculos e o celular na
mochila. Antes de sentar na cadeira o telefone toca. Boa coisa não é, penso. E
o chefe tem uma missão pra mim. Por conta do atraso fui designado pra
acompanhar a visita do campeão mundial de xadrez Alexei Malopov para uma
demonstração para um público bem restrito. Tire uma boa foto, ele pediu.
Botei o
pé na rua a uma e cinco. Me senti caminhando sobre a cratera de um vulcão. No
relógio digital de rua a temperatura de trinta e três graus tornava a minha
vida um inferno. Quero desaparecer, mas preciso trabalhar. Quero estar na lua
numa eterna noite fria, mas preciso fazer aquela foto. E nada se pode fazer
contra a natureza das coisas, ou os desejos do universo, ou a lei de Murphy.
Pego o
ônibus de novo. Espero chegar rápido ao meu destino. Há bancos para sentar ao
sol, mas prefiro ir em pé, cheirando o ar que passa apressado pela janela e
foge pelo outro lado do coletivo. Um gozo fugaz quase parecido com felicidade
me toma inteiro, depois tudo volta a ficar tórrido de novo. Quero apenas o
sopro do Himalaia agora, mas o calor da primavera, além dos números previstos
pelos especialistas, cozinha meu miolos.
Desço
do ônibus e entro no hotel, corro, estou atrasado, entro pelo saguão, todos me
olham, mostro a credencial pro recepcionista, que aponta para duas portas à esquerda de quem entra.
Finjo entender, corro pra porta e sinto que ele me disse algo que perdi com a
pressa.
Entro
numa grande sala cheia de pessoas em completo silêncio. Deduzo que acertei.
Caminho entre elas e sento o mais perto possível de Alexei. Um homem sozinho em
frente a uma mesa num palco vazio olhando para algo a sua frente é bem a cara
de um enxadrista, pensei. É aqui mesmo. Um pequeno constrangimento me atingiu quando percebi que
era o único que não trajava social. Mas eu estava a trabalho, pensei. Não estou
aqui me divertindo, estou trabalhando, e suando.
Esperei
que ele sentasse e que o jogo, ou a performance solo tivesse início, mas nada,
só ficava em pé, imóvel. E todos em silêncio esperavam por algo, que eu não
esperava.
Coloquei
a mochila na cadeira, tirei a máquina fotográfica de dentro, caminhei
sorrateiramente pelo carpete vermelho, esperei o momento certo e tropecei no
degrau que me levaria até o palco. Caí deixando escapar a máquina que bateu na
quina do degrau, batendo a foto. Um grande flash iluminou o ambiente. Espanto
geral, Alexei virou-se para mim atônito. Os convidados se entreolharam sem
entender qual a razão de eu estar ali. Eu me perdi entre um pensamento e outro,
ou foi quando me expulsaram de lá, tanto faz, eu perdi todo o restante do jogo.
Mas eu sabia que tinha tirado a foto, e era o que importava.
De
volta ao trabalho, sentei em minha cadeira, puxei a máquina de dentro da
mochila, conectei-a no micro para abrir a foto. Lembro que o sol batia na
janela e aumentava o calor dentro da sala. Lembro que o telefone tocou, meu
chefe entrou devagar pela porta, como em um filme de suspense. Lembro que ainda
não tinha comido nada. Olhei no relógio, eram quatro e quinze da tarde. Não me
lembro de mais nada depois que vi o punho do meu chefe atingir o meu queixo e
eu me sentir em órbita de uma lua de saturno.
Abro os
olhos e percebo que acordei. Procuro o celular ao lado da cama, mas vejo o
jornal do dia. Estico o corpo pra acordar e me lembro de um sonho estranho. Na
mesa do café resolvo olhar o jornal. Um clips indicando uma página me chama a
atenção. Abro e vejo a manchete: "Homem embriagado usa flash de câmera
fotográfica para destruir formas de vida extraterrestres sensíveis a luz".