O despertador toca às seis horas em ponto.
Mais um dia, um dia igual ao de ontem, em suas alegrias e tristezas, o mesmo sol, as mesmas nuvens no mesmo lugar, como se fossem pintadas na tela azul do céu. O canto dos pássaros como num disco de vinil arranhado. E ele que gostava do canto dos sanhaços...
A campainha da porta toca.
- Mauro, passe amanhã. – grita da cozinha sem se dar ao trabalho de ver quem é.
- Mas você disse isso ontem – responda Mauro.
- E direi o mesmo amanhã e depois de amanhã. Responde passando manteiga no pão, o mesmo pão de ontem, que será também o de amanhã.
Os passos de Mauro descendo as escadas, a porta da rua batendo, os pneus do carro derrapando na rua e quase atropelando Mauro que escapa por um triz. Antes ele corria à janela para ver o que havia acontecido...
O mesmo dia se repetindo.
Ele abre o jornal, ainda quente, o cheiro da tinta, dobrado sobre a mesa. Na manchete a mesma tragédia, o mesmo número de mortos, seu horóscopo com a mesma previsão, “cuidado com a alimentação e falsos amigos, aproveite seu dia como se fosse o último”.
- Antes fosse! – pensou alto num longo suspiro.
O mesmo dia de trabalho, aquele processo sem solução, a mesma bronca do chefe na mesma hora da tarde – 15h30 no relógio da praça, onde mostrava ainda a temperatura, 32º -, o mesmo telefonema atrás da funcionaria Madalena da Silva – Tia Dadá do café, a mesma resposta:
- Ela está de férias. – e pensou “longas férias...”
De volta à sua casa, a mesma dose de formicida, as mesmas dores nas tripas sendo dissolvidas, o desmaio, o baque no chão quadriculado e frio, o acordar na cama no dia seguinte com despertador tocando às seis horas em ponto...
O mesmo dia se repetindo.
Se ao menos ele se lembrasse de trocar a folhinha ao acordar...
3 comentários:
Como num feitiço, o dia se repete até que ela se lembre de trocar a folhinha, como se esquecesse de trocar de atitude. Bom texto.
Vc conseguiu enteder, muito bem.
triste sina...
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