2012/04/04

CASINHA


1º Dia, café da manhã



- Mulher, que sonho estranho tive essa noite...

Coça a cabeça e sem jeito pergunta à mulher:

- Por acaso nós já moramos numa casa? Com árvores? Quintal gramado? Galinhas soltas no quintal? A casinha era de madeira, branca, janelas grandes, cachorro ruço amarrado na árvore - um limoeiro - porque latia muito... Você não acha estranho esse sonho? Parecia verdade, eu andava desenvolto pela casa, conhecia os quartos, corredores, cada gaveta, o macete para abrir uma janela problemática...

- Acho que você anda chateado demais com esse apartamento – responde a mulher sem dar muita atenção á angustia do marido - e anda louco prá se mudar para um lugar mais sossegado... É só isso, agora toma o café senão vai se atrasar.



5º Dia, consertos e machucados



- Ontem precisei trocar a torneira lá dos fundos – diz enquanto passa manteiga no pão. Olhe só, acabei machucando minha mão – estica o braço direito e mostrar uma mancha roxa no peito da mão. Essa casa me dá muito trabalho, - e batendo a mão sobre a mesa diz - mas não vendo ela não!

- Do que você está falando homem? Você deve ter batido a mão na cabeceira da cama, nunca vi sono mais agitado na minha vida, fala, resmunga, reclama, xinga...

- Que cabeceira nada, foi a chave inglesa que machucou minha mão! – Esfrega a mancha e reclama da dor.

- Deixe de bobagens, você está ficando é obcecado com esses sonhos. Vá trabalhar e depois para num bar e vá beber com seus amigos. Você precisa relaxar e parar de se preocupar com essas bobagens... Vá logo antes que se atrase perca o emprego esse apartamento e – e escarnecendo do marido - a sua casinha dos sonhos.



8º Dia, um domingo



- Achei que não fosse acordar mais, veja as horas! Quase hora do almoço. Não vou requentar café prá ninguém, se vire...

- Já tomei meu café lendo jornal na varanda da casa. Depois de pintada de branco está uma maravilha, você precisava ver, cadeira de balanço sem nhéc-nhécs, passarinhos, e o cachorro agora parou de latir feito bobo e está correndo pelo quintal todo feliz. Não precisa se preocupar com o almoço eu vou comer lá em casa mesmo, afinal tenho que aproveitar o meu domingo para terminar uns servicinhos que foram ficando, ficando e hoje vou terminar tudo.

- Sabe, - suspira profundamente - agora estou realmente preocupada com esse seu sonho, loucura, paranóia ou que nome se dê a isso. Amanhã vamos ao médico, vamos ver o que ele tem a dizer sobre isso... Isso não é normal... Vá tomar um banho enquanto troco os lençóis da cama.

Do quarto a mulher grita:

- Oswaldo! Que manchas são essas no lençol?

- Deve ser do Toby... – responde distraído remexendo sua caixa de ferramentas.

-Que Toby homem? Que Toby? – Oswaldo não ouve a mulher chorar baixinho num misto de profunda preocupação e um horror que começar a crescer em seu peito.



12º Dia, a sogra fica sabendo de algumas coisas...



- Agora ando com medo dele, - falando ao telefone com a mãe - medo dele morrer dormindo, dele acordar louco por estar no apartamento e não na “sua casinha dos sonhos” – fala entre afetada e assustada – tenho muito medo de ficar sozinha com ele em casa. Já nem tomamos café juntos, saio antes dele, tomo café na rua, pois ele já acorda de “café tomado, jornal lido, e andado com o Toby, o cachorro que latia muito. Aliás, outro dia o Oswaldo e disse que o Toby pega o jornal na rua e leva a te a cama. Onde já se viu isso, onde essa história vai parar? Quarta-feira foi dormir mais cedo para assistir o futebol “em casa”, lá tem parabólica e os vizinhos não são barulhentos... Mãe, estou com medo!



18º Dia, Toby aprendeu a pegar a coleira e saber a hora de passear na rua!



- Que progressos estou fazendo com esse cachorro. – Diz Oswaldo esfregando as mãos exultante. Ele me trás o jornal na cama, pega a coleira quando quer sair, sabe abrir a porta da cozinha nos fundo sem arranhar a madeira, fica com o pote de comida na boca abanando o rabo quando está com fome e parou de fazer escândalo, até os vizinhos estão admirados... Você precisa ver o pelo dele como está brilhante depois que mudei a marca da ração, embora aquele safado não resista à tentação de roubar meu franguinho assado de cima do fogão, pilantrinha...

A mulher ouve tudo isso trancada no banheiro, chorando e roendo as unhas em frente do espelho.



19º Dia, uma surpresa para mulher



Oswaldo entra na cozinha gritando:

- Ester, os primeiros ovos, os primeiros ovos!

- Que ovos? – pergunta a mulher guardando dentro da gaveta a faca com que descascava batatas - que ovos, eu não pedi ovos nenhum prá você Oswaldo! – suas mãos agora tremem sem parar, não penteia mais os cabelos e evita sair de casa e segurar facas quando o marido está por perto.

- As galinhas começaram a botar, agora teremos ovos caipiras frescos todos os dias – diz Oswaldo exultante. Ovos frescos, gemas vermelhas, legítimos ovos caipiras do meu galinheiro! Batendo as mãos nos peitos, grita:

- Orgulhe-se de nossas galinhas mulher!

A mulher recorre à solidão do banheiro, chora baixinho repetindo assustada:

- Nossas galinhas, nossas galinhas, nossas galinhas...

Liga o chuveiro e chora convulsivamente, tudo está perdido mesmo, perdido de vez.



23º Dia. Chega de omeletes!



- Oswaldo – a mulher chora, torce o avental entre os dedos, seus cabelos parecem irremediavelmente despenteados, suas unhas encontram-se no sabugo, seu queixo bate sem parar, pouco lhe falta para o colapso nervoso – não agüento mais essa história da sua casa, esses ovos caipiras, as marcas de cachorro nos lençóis, não quero mais ouvir das obras que você está fazendo, dos canais que pegam na parabólica da televisão da sua casa. Oswaldo você precisa de ajuda psiquiátrica, você precisa passar um creme nessas queimaduras de sol... Oswaldo, não sei mais o que fazer, acho que vou prá casa da minha mãe – aqui Oswaldo bem que tentou explicar que aquilo onde a sua sogra morava poderia ser chamado de tudo, menos de uma casa, mas Estela não o deixou manifestar-se. – Oswaldo vou sair daqui e vou sair agora, se não sair pela porta da frente saio pela janela, mas saio agora. Não tente me impedir.

Oswaldo não tenta impedi-la, sorri, abre a geladeira e pega quatros ovos de suas galinhas.



1º Dia. Casa nova. O galo canta, nasce o novo dia!



- Ester, tive um sonho terrível essa noite... – a xícara de café treme em sua mão.

- O que você sonhou Oswaldo, você está pálido e suando frio, o que você sonhou, me conte.

- Sonhei que morávamos num apartamento e eu te contava que sonhava que morávamos numa casa, e você achava que eu estava ficando louco por sonhar coisas assim... – Oswaldo é interrompido por Toby que trás a coleira batendo em todos os móveis pelo caminho.

- Mas você sonha com cada bobagem Oswaldo - ela ri - vá passear com o Toby, depois passe no galinheiro e me traga ovos, hoje estou com vontade de fazer um bolo.