- Você sabe que dia é hoje?
- Ai meu Deus!, outra de suas datas...
- Não começa.
- Não começa você. Olha aí. Já começou a chorar. O dia de hoje te lembra o quê?
- O quê?, não! Quem! Me lembra quem!
- Tá certo, tá certo. Te lembra quem?
- O Célio, me lembra o Célio. Se estivéssemos juntos hoje comemoraríamos quinze anos de casados Quinze anos...
- Mas ontem você estava falando do Jorginho...
- Ah! O Jorginho seria - se estivéssemos juntos ontem - treze anos de namoro, treze anos.
- Mas como você consegue guardar tantas datas?
- Sou uma romântica incurável...
- Só por isso você vive relembrando todos os seus relacionamentos?
- É muito amor nesse coraçãozinho...
- Você tem que beber mais. – Estala o dedo, chama o garçom e pede mais dois martinis e outra porção de pistache.
- Quinze anos, quinze anos e tudo o que me resta são bolachas dos chopes que bebemos...
- Como você pode pensar ainda num cara que te levou tudo?
- Tudo não!
- Certo. Tudo não! Ele te deixou as bolachas dos chopes que vocês bebiam... Como você consegue achar esses mondrongas?
- Eles não são mondrongas. São pessoas que não foram bem-amadas, que não tiveram o carinho necessário...
- E o Márcio, aquele cafajeste?
- Ah! O Marcinho..., ele sabia fazer uns ovos mexidos...
- Ovos mexidos? Como alguém pode se apaixonar por um homem que sabe fazer ovos mexidos?
- Sábado passado faríamos doze anos de casados se...
- Ele não tivesse te largado na José Paulino...
- Não foi na José Paulino, foi na Ladeira Porto Geral, e não fique envenenando o Marcinho desse jeito.
- José Paulino, Porto geral, o que interessa é que você foi a-ban-do-na-da. Abre os olhos mulher! Procure alguém que preste, que te dê alguma coisa concreta, qualquer coisa, menos lembranças e mais lembranças e marcas nas folhinhas- Você não me entende mesmo! – Esvazia o copo de Martini e fica jogando o caroço da azeitona de um lado para o outro na boca.
- E pare com esse cacoete nervoso!
- Que cacoete?
- Esse de ficar chupando caroço de azeitona. Admita, você não sabe escolher homem! Você é incapaz de reconhecer um homem decente e honesto. Olhe à sua volta.
Ela olha e dá com o olhar do garçom que lhe sorri. Ela sorri de volta e dá-lhe uma piscadela.
- Não adianta mesmo. Você nunca vai aprender nada.
- Agora você vai implicar com o garçom só porque ele é um humilde trabalhador? Ele não pode merecer nosso respeito, nosso amor, um pouco de carinho?
- Sua burra! Tudo o que ele quer é que você beba mais. Ele só quer te encher de martinis. Esse humilde trabalhar carente de “seu amor, seu respeito e um pouco do seu carinho”, vive dos dez por cento do que vender aos clientes, ou seja, ele é quase um cafetão!
- Mas, mas...
- Engole esse choro que o garçom está vindo aí, engole esse choro.
O garçom chega e anota mais um pedido de Martini e pistaches. Antes de ir embora olha para a moça de olhos vermelhos e percebendo que ela está chorando, oferece-lhe um lenço.
- Obrigada. – Sorri e devolve-lhe o lenço.
- Você viu que cavalheiro ele é? Você viu?
- Vi, e vi como você é burra sua tonta. Olhe embaixo da mesa.
- O quê tem embaixo da mesa?
- Só te matando. É nessa hora que agradeço a Deus minha mãe ter me dado uma educação religiosa.
- O que tem a ver uma coisa com outra?
- Na minha fé creio na reencarnação! Assim eu te mato, espero você voltar e te mato outra vez. Quem sabe renascendo uma terceira vez, você volte menos burra! Sua tonta, quando ele te passou o lenço, junto veio um bilhetinho, que caiu debaixo da mesa enquanto você assuava o nariz. Estou começando a achar que você tem muita sorte de acabar seus relacionamentos sem ficar só com a roupa do corpo!
- Você me ofende falando assim...
- Ora, como você pode dizer que eu te ofendo? Olha só que você faz consigo mesma, olhe! – Diz apontando para o garçom que vem trazendo outra rodada de martini.
– Olhe só o sorriso de sátiro no cio, olhe.
A amiga olha, sorri, pisca e fala:
- E pensar que logo-logo esse aí vai estar marcado na folhinha...
- Ah! Quer saber? Você não tem jeito mesmo! – Toma o martini num só gole, levanta-se e vai embora do bar.
Eu que já havia acabado o quinto chopinho, paguei a conta e fui embora também. Não queria ver como ia começar aquele novo drama.
4 comentários:
Eu iria para o sexto chopinho.
hahahahaha !
pobre moça.
Muito bom, Roberto!
O pior é que existe gente assim. Esse mundo!!!!!!
Beijos
Mirze
o velho bar
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