Sinto pontadas no peito. Estou com o tronco quase paralisado de tanta dor. Penso que chegou a derradeira hora, vou acertar as minhas contas com o criador, vou enfim, ver se há ou não há o outro “lado”, se vivi todo esse tempo no “avesso” ou não... Dói pra cacete o peito, estou com os meus movimentos friamente calculados. Pela cabeça me passam as besteiras cometidas, as ofensas desferidas, as palavras mal-colocadas... Não, ainda não está passando o filme da minha vida, por enquanto estou nos trailers e sem pipocas. Será o fim? Será um mau jeito? Não sei! O braço direito - sim o direito, se fosse o esquerdo seria pior? Ou seria melhor? Não tenho a quem perguntar – está duro, cada movimento provoca uma dor miserável. Ainda bem que escrever não requer tanto esforço assim... Se eu for dessa para melhor (só rindo, só rindo) quantos chorarão sobre meus restos mortais? Há algum tempo pedi à uma colega que contratasse umas carpideiras para a minha hora final. Espero que ela cumpra com o combinado. A dor não passa, e acho que está aumentando. Será que as luzinhas que vejo piscar na minha frente tem algo a ver com isso? E esse frio nos pés? Hummm... Será que eu deveria telefonar para os desafetos e tentar angariar alguma simpatia nesse momento? Minha mulher chorará muito no velório? Será que a ex-mulher comparecerá ao velório? Hummm, já estou começando a aceitar essa idéia do meu fim... Isso definitivamente é mau. Droga! Apaguei os telefones de todo mundo! Como posso me reconciliar agora? Como? Droga! Ai. Outra pontada... As estrelinhas estão ficando maiores agora, e mais coloridas, já está começando a atrapalhar para escrever... Vou tomar um copo d’água. Droga, droga, droga, o braço direito não estica, não chega à minha garrafa aqui na frente... Só agora me dei conta dos livros que comprei e ainda não li..., droga, droga, droga . Quem sabe se eu enviar e-mails? Não! Se apaguei os números telefônicos, que razão teria para manter os endereços eletrônicos? O fim está próximo... Posso ouvir a morte chegando... Seus passos... Mas, espere aí. Alguma coisa está acontecendo... A dor... está aliviando... As pessoas correm para fora da sala... Meus Deus, meu Deus, meu Deus, não vou morrer do coração, não, não vou... Agora rio sozinho na sala, rio feito louco, gargalho... Estou vivo, estou vivo, v-i-v-o. Só, totalmente só na sala grito e pulo de mesa em mesa, o braço direito não dói mais, abro os braços, sim os dois braços, e giro, giro, giro...
Meu Deus, te agradeço, não era o coração, eram só gazes, gazes, gazes...
Um comentário:
MUITO BOM!
Por um momento até pensei que fosse real.Mas meu amigo não iria chamar carpideiras. Até elas são do mundo fictício.
Que alívio!
Beijos
Mirze
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