2011/11/29

AS MEMÓRIAS DO PIRATA


Capitão Black, assim me chamam!

Chove.

No céu nuvens cinza escurecem o dia, na minha sala a fumaça de meu cachimbo escurece o ar. O mar está revolto, grandes ondas arrebentam nas pedras, o barulho faz o chão de minha sala tremer. As gaivotas voam atarantadas, hoje não haverá comida para elas...

Capitão Black, assim me chamam!

Não sou um marujo, mas meu sonho sempre foi ser um pirata. O mar me provoca enjôos Homéricos, me chamam assim por conta do tabaco que uso e pelos palavrões que profiro a torto e direito, dizem até que falo mais palavrões que um pirata.

Mais um relâmpago...

Me sirvo de um copo de rum – hábito de velhos marinheiro me dizem os amigos – sento-me em minha poltrona e fico admirando a tempestade se desenrolar. Minha vontade e de ir lá fora e sentir o vento e água na pele, mas essa tosse – segundo uns carolas culpa do hábito de fumar – poderia piorar muito...

- Sabina...

Preciso terminar de escrever minhas memórias antes que elas se tornem vagas lembranças... Não encontro minhas anotações, meus papeis, onde terei largado meus papeis?

Preciso de mais um copo de rum -“ho-ho-ho” - um copo de rum, uma perna de pau faria um som melhor nesse assoalho...

O mar está encrespando ainda mais, a maré vai subir até aqui perto de casa... Isso me lembra Veneza...

- Sabina...

Os dias são mais lindos, para mim, assim, chuva, raios, trovões, maré alta! Só assim me sinto vivo, da minha janela me sinto na proa de um navio enfrentando os mares todos os..., meu Deus quantos são os mares? Preciso beber mais, pois vejo que morrerei sem escrever minhas memórias, nem tudo está perdido, pois ainda lembro de beber e fumar...

- Sabina...

O sino da Igreja, o vento está badalando o sino da igreja, agora o clima vai incomodar os pombos do campanário... Padre, aqui estou pecador, peco e peço perdão, peco e peço perdão!

Pessoa dizia: - Navegar é preciso...

Minhas memórias, nunca serão escritas, onde deixei meu copo? A água está subindo rápido...

- Sabina...

Anoitece.

Agora sim à luz do lampião minhas lembranças aflorarão, memórias aos borbotões, poderei tocar o passado, sentarei com meus fantasmas à volta da mesa e beberemos, riremos, choraremos, falaremos mal dos ausentes, ho-ho-ho uma garrafa de rum!

- Alto lá! Quem me espreita pela janela? Vamos cobarde, apareça! Hahhahaha, velho tolo... Devagar com o rum, velho, velho, esse é seu reflexo na janela... Venham raios, venham relâmpagos! Esse velho lobo do mar não teme nada, venham e vos enfrentarei com minha espad..., ô diabo!, onde está minha espada..., venham que vos enfrentarei com uma garrafa de vazia de rum, venham...

- Sabina...

Esse vento! Com o badalar incessante do sino da igreja não consigo saber que horas são... As gaivotas sumiram da minha vista... Acho que o vento as levou para longe... Minha mesa está cheia de garrafas de rum e nenhum fantasma apareceu, estou abandonado pelos vivos e pelos mortos...

Essa chuva! Nunca fui a Veneza, mas pelo jeito logo terei uma a meus pés, a maré não para de subir...

- Sabina, que você estivesse aqui para ver isso... Pelo menos terias uma boa lembrança ao meu lado. Sabina, essa âncora não para de coçar, acho que a tatuagem inflamou...

Não sou um pirata, sou uma piada, bebo rum, e tropeço nas garrafas espalhadas pelo chão. Com minha luneta vasculho o mar à espera de meu navio, mas começo a me conformar em com meu exílio nessa praia que a chuva e a maré vão lambendo aos poucos. Quem chegará ao fim primeiro? Minhas recordações ou essa ilha?

- Sabina...

Minhas memórias se resumirão a:

- “O vento badalava os sinos da igreja incessantemente...”

Capitão Black, pirata e escritor assim me chamam! Bah!, sou uma piada de mau gosto exilado no fim do mundo...

- Sabina, bem fizestes em me deixar, sequer consegui ser um “mal pirata” e me sai pior como escritor!

Se alguma coisa agradeço a Deus? Somente os meus vícios e nada mais!

Capitão Black, assim me chamam...