(Drama Geriátrico-relâmpago)
(sons de tosse, pigarro, espirros, lamentações)
Dona Lola - Quer um cafézinho?
Dona Alzira - Não! Prefiro um chá.
Dona Lola - Erva-doce?
Dona Alzira - Não. Mate com lima
Dona Lola - Quente?
Dona Alzira - Não. Frio.
Dona Lola - Bolachinha?
Dona Alzira - Pão.
Dona Lola - Com manteiga?
Dona Alzira - Geléia.
Dona Lola - De ameixa?
Dona Alzira - Goiaba.
Dona Lola - Que dia é hoje?
Dona Alzira - Terça- feira...
Dona Lola - Não é quarta não?
Dona Alzira - Não, terça. Ta aqui na folhinha veja.
Dona Lola - Mas essa folhinha é de 1964
Dona Alzira - E que diferença faz prá você o ano? Todos os nossos dias são iguais...
Dona Lola - Humpf! (tosse) Quase me engasgo com a dentadura
(pausa)
Dona Alzira – É o Gardel cantando?
Dona Lola - Gardel morreu ontem... Encontram ele com as perninhas prá cima durinho, durinho...
(chove)
Dona Alzira - Cadê o meu café?
Dona Lola - Mas você pediu chá mate.
Dona Alzira - Demorou tanto que agora café.
Dona Lola - Preto?
Dona Alzira - Com leite.
Dona Lola - Frio?
Dona Alzira - Não, condensado.
Dona Lola - Ainda vai querer pão?
Dona Alzira - Não, agora quero brioche...
Dona Lola - Que dia será hoje? Será que é já é quarta-feira?
Dona Alzira - Não, hoje ainda é terça-feira.
Dona Lola - Mas como você pode afirmar isso?
Dona Alzira - Você está esperando alguém?
(toca uma campainha ao longe)
(som de cadeiras sendo arrumadas, empurradas, caindo)
Dona Lola - Quem eu? Não. Não espero mais ninguém faz tempo. É que eu gosto de saber os dias da semana...
Dona Alzira - Prá que? Prá fazer docinho prá visitas?
Dona Lola - Mas que visitas...
Dona Alzira - Aquelas que você vive esperando nas quartas-feiras...
Dona Lola - Quartas-feiras, quintas-feiras, sextas-feiras.... Todos os meus dias são iguais...
Dona Alzira - E o chá, vem ou não?
Dona Lola - Mas o que você quer chá ou café?
(pausa)
Dona Alzira - O que vier primeiro... Ainda vai demorar?
Dona Lola - Cada dia que passa mais entendo porque a sua família deixou você aqui...
Dona Alzira (alterada, nervosa)- Só a minha me deixou aqui, só a minha? E a sua filha?
Dona Lola (nervosa e alterada) - E o seu filho então?
Dona Alzira - Era você quem vivia reclamando dos seus netos.
Dona Lola - Mas era você quem trocava o açúcar pelo sal e deixava as crianças doentes...
Dona Alzira - Mas nunca ameacei jogar nenhum dos meus netos pelas janelas.
Dona Lola - Mas isso nunca me passou pela cabeça, sua jararaca maldosa
Dona Alzira - Jararaca é a sua filha que nos colocou aqui.
Dona Lola - Café ou chá?
(pausa)
Dona Alzira - Formicida prá nós duas.
Dona Lola - Não é melhor guardar para quando nos filhos vierem nos visitar?
Dona Alzira - Besteira! O dia que eles vierem aqui, o veneno já perdeu a validade...
Dona Lola - Que dia é hoje?
Dona Alzira - Terça-feira ainda.
Dona Lola - Que um café?
(pausa)
Dona Alzira - Não. Prefiro um chá.
Dona Lola - Erva-doce?
Dona Alzira - Não. Mate com limão
(fade out)
Dona Lola – Tem certeza que hoje não é quarta-feira...?
Dona Alzira – Já falei, terça-feira, terça-feira, terça-feira
Dona Lola – Café ou chá?
Dona Alzira – Licor de Jenipapo...
Dona Lola – Copo ou taça?
3 comentários:
Como na campanha do cantor sertanejo Zezé di Camargo, para o governo de Minas Gerais.
"Respeito aos nossos idosos".
Independente de passado...
amanhã seremos nós
Magno Oliveira
Folhetim Cultural
A causa é boa,mas os personagens citados...
Ótimo!
Quando eu estiver assim, Roberto, quero que vá me oferecer chás, chocolates, perfumes e flores.
A graça está na lógica do teorema!
Adorei!
Beijos
Mirze
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