2011/10/14

ARTE NAQUELE BAR

Tem coisas que só acontecem naquele Bar.

Vejam isso! Depois da proibição de fumar dentro do bar ou mesmo na sua marquise, os fregueses passaram a reclamar das músicas que o galego tocava lá. Era breganejo, pagode, forró, dor-de-cotovelo, dor-de-corno, dores-de-amores, e outras tantas misérias que rara era a noite que um ou outro não tentava cortar os pulsos com um caco de garrafa de cerveja. Pois cansado dos protestos, ele resolveu inovar e vejam só a encrenca que ele criou.
Entra um casalzinho, procuram uma mesa bem discreta nos fundos, perto da cozinha e ao lado dos banheiros – sim a vigilância sanitária parece que não passa lá há muitas eras. Ouso dizer, culpa do Senhor Vadinho – dão-se as mãos, olham-se nos olhos, pedem uma coca com gelo e limão e dois copos – no bar do Galego não tem canudinhos.
Ela, segurando a mão do rapaz começa a falar quando a luz se apaga, o galego trepado em cima a de uma pipa de chope começa a falar:

- Galego - Atenas. O pa¬lá¬cio de Teseu. Entram Teseu, Hipólita, Filóstrato e pessoas do séqüito.

E saindo dos banheiros, um homem e uma mulher com os corpos cobertos por lençóis e começam a falar:

- TESEU - Depressa, bela Hipólita, aproxima-se a hora de nossas núpcias. Quatro dias felizes nos trarão uma outra lua. Mas, para mim, como esta lua velha se extingue len¬ta¬men¬te! Ela retarda meus anelos, tal como o faz madrasta ou viúva que retém os bens do herdeiro.

- HIPÓLITA - Mergulharão depressa quatro dias na negra noite; quatro noites, presto, farão escoar o tempo como em sonhos. E então a lua que, como arco argênteo no céu ora se encurva, verá a noite solene do esposório.

- TESEU - Vai, Filóstrato, concita os atenienses para a festa, desperta o alegre e buliçoso espírito da alegria, despacha para os ritos fúnebres a tristeza, que essa pálida hóspede não vai bem em nossas pompas. (Sai Filóstrato.) De espada em mão te fiz a corte, Hipólita; o coração te conquistei à custa de violência; mas quero desposar-te com música de tom mais auspicioso, com pompas, com triunfos, com festejos.

O galego, com uma toalha xadrez verde e vermelha enrolada à volta da cintura, torcendo os bastos bigodes, diz emocionado:

Galego - Entram Egeu, Hérmia, Lisandro e Demétrio!

O rapaz que segundos antes interpretava Teseu, muda de lençol que antes era amarelo, para um lençol branco.

- EGEU -¬ Salve, Teseu, nosso famoso duque! - E mudando o lençol amarelo para branco novamente, - TESEU - Bom Egeu, obrigado. Que há de novo? – e mudando outra vez a cor de lençol - EGEU - Cheio de dor, venho fazer-te queixa de minha própria filha, Hérmia querida. Vem para cá, Demétrio. Nobre lorde, tem este homem o meu con¬sen¬ti¬men¬to para casar com ela. Agora avança. Lisandro. E este, meu príncipe gracioso, o peito de Hérmia traz enfeitiçado. Sim, Lisandro, tu mesmo, com tuas rimas! Prendas de amor com ela tu trocaste; sob a sua janela, à luz da lua, cantaste-lhe canções com voz fingida, versos de amor fingido, e cativaste as impressões de sua fantasia com cachos de cabelo, anéis, brinquedos, ramalhetes, docinhos, ni¬nha¬rias, men¬sa¬gei¬ros de e¬fei¬to de¬ci¬si¬vo nas jovens ainda brandas...

Nesse momento crucial, eles são abruptamente interrompidos, pois a mocinha que tudo via sem nada entender, assustada começa a chorar e pede para ir embora.

Mocinha – Você me prometeu uma noite romântica e me trás num antro de loucos? Cadê as músicas de amor, cadê os músicos seus amigos? Você me trás para ver essa indecência? Homens e mulheres semi-nuas vestida em lençóis...

O rapaz, intelectual achando que estava impressionando a namorada, fica sem graça, olha envergonhado para os atores - esses sim seus amigos, não os músicos citados pela namorada – chama o galego e pede a conta.

Levanta-se e segue em direção a saída, mas antes de descer para a rua grita pro galego:

- Eu falei que essa droga de William Shakespeare não ia dar certo, da próxima vez tem de ser Plínio Marcos, Plínio Marcos, o povão não quer arte, quer palavrão.

No dia seguinte o Galego escreve com giz na tabuinha na porta do estabelecimento:

Prato do dia: Buchada de Bode, lentilhas, batatas ao murro e à noite “Navalha na Carne”





Um comentário:

Unknown disse...

EXCELENTE!

É assim mesmo. O povão mal conhece os grandes autores brasileiros.

Quanto mais Shakespeare.

Muito BoM!

Parabéns!

Beijos

Mirze